A crise enfrentada pelo governo, desde a publicação pela revista Veja (22/03) de um suposto dossiê sobre os gastos de integrantes do governo FHC, mostra como a administração de crise depende cada vez mais de decisões rápidas e transparentes no âmbito da comunicação.
Toda vez que o governo foi a público dar explicações, endossando as versões da Casa Civil, a situação, em vez de melhorar, piorou. Em alguns casos, a explicação não resistiu 24 horas. A cada nova revelação feita pela imprensa, a situação acabava mais complicada.
Com base no que foi divulgado, apurado e explicado até agora, pode-se deduzir que o governo não conseguiu amenizar a crise, mesmo expondo a ministra-chefe da Casa Civil em várias situações. O governo resolveu indicá-la como principal porta-voz para descaracterizar a elaboração de um dossiê por parte do governo.
Desde o primeiro momento, a Ministra e outros integrantes do governo tentam negar que o Palácio do Planalto tenha elaborado um dossiê. O documento publicado na revista Veja seria apenas uma planilha extraída de levantamento mais completo sobre todos os gastos do governo FHC com as contas chamadas tipo B, embora todas as evidências apontem para um levantamento direcionado.
O assunto teimou em não sair da mídia, apesar dos desmentidos categóricos da ministra, do presidente e outros membros do governo. Em 28/03, o jornal Folha de S. Paulo denunciou que a ordem para fazer o levantamento partiu da Casa Civil. O braço direito da ministra, a secretária-executiva, Erenice Guerra, foi apontada como responsável pela execução do dossiê. O governo se negou a admitir a palavra dossiê e resolveu brigar com a semântica. Admite que elaborava apenas um levantamento para um “banco de dados”, para uma eventual demanda da CPI dos Cartões ou do TCU.
Essa versão também durou pouco. O TCU negou que tivesse solicitado dados de período constante na planilha (1998-2002). Pediu, realmente, melhores explicações dos gastos com cartões a partir de 2002.
Outro fato que chamou a atenção. É um levantamento curioso. Os gastos foram pinçados e escolhidos a dedo, focado em itens que causam impacto na opinião pública, como despesas com aluguel de automóveis, massagens, consumo de vinhos e comidas finas, o que se chamaria de consumo exótico. Na mesma semana, a ministra encaminha carta à revista Veja, acusando-a de transformar um instrumento de gestão em um mecanismo de “chantagem política”. Até porque a oposição aproveitou o marasmo da CPI dos Cartões e apropriou-se da crise do vazamento para criar fatos políticos e bater no governo.
O Governo passou a fazer intervenções diárias em defesa da tese de que o Planalto não autorizou a elaboração de dossiê. A Casa Civil insinua que alguém, infiltrado no Palácio do Planalto, roubou os dados e os vazou para a imprensa, querendo atingir o governo ou a Casa Civil. Insinuou-se até em ação de funcionário ligado a partido da oposição. Mesmo com um Senador do PSDB, admitindo que tomou conhecimento antecipado dos dados, a tese do Planalto, pelo menos até agora, não vingou.
Essa versão durou até 4 de abril, quando a Folha de S. Paulo trouxe revelação mais detalhada do polêmico dossiê. Publicou os arquivos da planilha, feita em excel, com o dia e a hora em que começaram a ser feitos: 11 de fevereiro, exatamente quando a CPI mais apertava o governo Lula para fornecer dados sobre os gastos com cartões corporativos.
O prolongamento do tema na imprensa, numa escala crescente, levou a ministra a dar uma entrevista coletiva, no mesmo dia, colocando dúvidas sobre alguns dados publicados pela FSP. “Com a publicação deste material na Folha, rui por terra a versão de que a Casa Civil fez um dossiê para chantagear ou incriminar”, afirmou. Insinuou até que a planilha poderia ter sido alterada pelo jornal.
A entrevista não foi convincente, a ministra estava nervosa, elevou a voz diversas vezes e continuaram as mesmas dúvidas. Isso demonstra como a entrevista coletiva nem sempre é a solução para amenizar uma crise, principalmente quando existem versões diversas para o mesmo tema. As idas e vindas das versões oficiais têm sido um prato cheio para a imprensa alimentar a polêmica.
O Planalto se nega a admitir que estava fazendo um levantamento direcionado para pessoas específicas em itens específicos. Ou que esse dossiê visava chantagear a oposição para que não apurasse com rigor os dados dos cartões corporativas do governo Lula. O ministro da justiça afirmou que não encontrava, num primeiro momento, justificativa para a Polícia Federal entrar nessa querela.
A ministra anunciou que a investigação para apurar o vazamento estava a cargo de uma área interna, subordinada à Casa Civil, ou seja, ela mesma. O que foi de pronto rebatido pela oposição. A imprensa denunciou que o chefe da auditoria era um filiado ao PT, ex-candidato a vereador no RS. Mais uma vertente que não resistiu muito tempo.
Agora, diante da fragilidade das explicações, a Casa Civil solicitou à PF apurar o que ela chama de “crime”, isto é, o vazamento de informações sigilosas do governo. A confecção do dossiê não é alvo da investigação. Porque, novamente, o governo não admite que estivesse elaborando esse dossiê, apesar de todas as evidências.
Analistas políticos têm especulado que o governo está numa situação difícil. Se alguém realmente pediu para pinçar gastos de membros do governo FHC para chantagear a oposição, os pseudos culpados não estarão dispostos a assumir o ônus sozinhos. Cinco ou seis pessoas estariam nesse processo. São funcionários graduados da Casa Civil, portanto, de confiança da ministra. Quem garante que o culpado não entregue quem mandou?
Lições da crise
Algumas lições e perguntas que não querem calar. Afinal, o governo mandou ou não fazer um levantamento das contas “B” do governo FHC e com que finalidade? O vazamento foi proposital ou realmente divulgaram um documento sigiloso, visando prejudicar a ministra Dilma Roussef, suposta candidata do PT em 2010? Existem levantamentos completos ou somente as planilhas vazadas? Houve adulteração nas planilhas divulgadas ou é o documento que está nos computadores da Casa Civil?
O primeiro equívoco do governo foi o excesso de porta-vozes. Todas as informações sobre esse fato deveriam ter sido concentradas numa única pessoa. Uma fonte mais preparada e, possivelmente, que não estivesse diretamente envolvida e interessada na questão. Hoje, coloca-se em dúvida se a ministra da Casa Civil seria o porta-voz mais qualificado e indicado para o caso. Ela falou demais sobre o tema, e continuam várias perguntas sem resposta.
Se o governo não tivesse tentado empurrar o problema para o TCU ou para um “infiltrado”, talvez o ministro da justiça fosse a pessoa mais qualificada para administrar essa crise. A Polícia Federal deveria ter entrado logo no início para descobrir o que realmente aconteceu. De maneira isenta, sem contornos políticos ou arroubos eleitoreiros. Ainda que não fosse o ministro, o único porta-voz poderia ser alguém ligado ao Ministério da Justiça.
Como em toda a crise, quando você está mal, pode ainda ficar pior. Alguém tira esqueletos do armário. A imprensa aproveitou e relembrou acontecimentos ocorridos no governo do PT para desmoralizar adversários políticos. Este seria mais um, de uma série de tentativas de criar factóides contra a oposição ou o governo anterior, como o famoso dossiê dos aloprados, a violação do sigilo do caseiro, o dinheiro na cueca e tantos outros. E centrou a crítica no fato de que o mesmo governo que avoca segredo para abrir as contas dos seus cartões corporativas, patrocina um levantamento do governo passado que acaba vazando para a imprensa, por descuido, fato por si só bastante grave, ou propositadamente, mais grave ainda. A mando de quem? São insinuações que permanecem no ar, na falta de uma explicação convincente.
Quando se tenta resolver uma crise pelo viés político, e não em busca da verdade, pode-se até cair no ridículo. A cúpula do PT, em 31 de março apressou-se em soltar uma nota em solidariedade à ministra da Casa Civil, afirmando que uma análise dos fatos indica que a divulgação deste suposto dossiê mais parece obra de adversários do governo Lula do que de seus aliados. Para a cúpula do PT, tudo não passava de uma crise artificial. Qualquer manual de crise ensina que as informações devem se concentrar no fato, sem emocionalismo. Se a imprensa e a sociedade tivessem percebido no governo a disposição de apurar seriamente o fato, sem nenhuma versão fantasiosa, desde o início, a crise poderia ter sido amenizada.
A falta de dados mais consistentes também dá munição para a oposição. A CPI dos Cartões Corporativos nasceu morta e não propiciou os holofotes costumeiros. Quando um assunto polêmico cada dia fica mais nebuloso, no contexto político em que está inserido, é prato feito para a oposição. A denúncia acirrou os ânimos na CPI, que cobrou a quebra de sigilo de Lula e a convocação da ministra Dilma Rousseff. Naturalmente que, por trás de todo o imbróglio do dossiê e CPI dos cartões, está a sucessão do presidente Lula. A tese de que alguém está tentando desestabilizar a ministra da Casa Civil, porque Lula teria acenado com sua candidatura também é escapista e não responde à pergunta básica.
O que de fato existe é o vazamento de informação que estava nos computadores da Casa Civil e até agora a sociedade não tem uma resposta convincente do Governo para o fato. Quase tudo que foi dito tem muita emoção, gritos e pouca consistência. Para neutralizar essa crise, é menos importante saber quem vazou do que o motivo dessa iniciativa. Como de resto em outros temas que chegam para a imprensa, à revelia das fontes. A não ser que se busque apenas um bode expiatório. A resposta que deve ser dada ao público para reduzir a tensão da crise é por que um relatório dos gastos do governo passado com nomes, datas e destino tão detalhados estava sendo feito. O resto é conversa fiada.