jornaisA prática de pressionar a imprensa, mediante constrangimentos jurídicos, como ocorre atualmente com as ações da Igreja Universal, não é novidade no comportamento de quem quer cercear a ação da imprensa. A pressão comercial de algumas empresas, quando cortam a publicidade por represália, ou até as alegações de patriotismo, como usou o Governo Bush, na Guerra do Iraque, são outras ações praticadas para pressionar a imprensa por quem se sente incomodado com a publicação de matérias que ameaçam a reputação. Na falta de uma explicação convincente e transparente, o caminho mais fácil é tentar constranger a imprensa ou os jornalistas.

O caso da Igreja Universal tem repercutido, porque fugiu do padrão. Numa ação orquestrada, segundo informações, os jornais Folha de S. Paulo, O Globo, A Tarde e Extra receberam inúmeras notificações de ações impetradas por fiéis da Igreja Universal, contra as empresas e os jornalistas autores das matérias. Curioso nessas ações, como assinala a Folha de S. Paulo em editorial, em 19 de fevereiro, é que o texto das petições obedece ao mesmo padrão, o que denota, segundo entendimento de juízes nas sentenças proferidas, uma pressão coordenada pela própria Igreja Universal e não uma atitude deliberada das pessoas por se sentirem atingidas na sua prática religiosa. Por primária essa prática, os juízes acabaram condenando a Igreja Universal em algumas ações por litigância de má-fé.

A pressão publicitária nasce de organizações ou pessoas que, por não estarem satisfeitas com o enfoque das matérias ou o comportamento de determinados veículos, procuram constranger as empresas proprietárias pelo corte da publicidade. Essa prática é condenável sob qualquer aspecto. Não se deve misturar Igreja e Estado. Assim como as relações da empresa com a área editorial e comercial. São temas que devem ser conduzidos com independência.

As relações comerciais da empresa, que envolvem verba, não devem se misturar quando a matéria diz respeito ao verbo, isto é, à área editorial. Essa mistura geralmente não acaba bem. Quando a matéria não agrada, existem vários mecanismos para buscar reparação.  Além dos meios de costume, o que significa buscar o direito de resposta, no limite, quando a empresa de comunicação cometer algum deslize e não se retratar, existem meios jurídicos para discutir o direito daqueles que se sentirem atingidos.

Os executivos, em geral, entram em pânico quando a imprensa começa a publicar temas indigestos para a reputação da empresa. Se o assunto tem explicação, compete às empresas prestá-la. O veículo de comunicação deve sempre dar espaço ao “outro lado”. Hoje, a prática de ouvir a fonte antes de publicar matérias negativas é praticamente consagrada pela grande imprensa. São raros os veículos de comunicação que fazem ouvidos de mercador para cartas, notas, desmentidos. Portanto, não há porque voltar as baterias contra a imprensa, se existe um espaço consagrado para as fontes divulgarem suas versões.

Se a imprensa publicar matéria de forma irresponsável, como às vezes acontece, as organizações ou pessoas atingidas podem exigir o direito de resposta e a retratação. Se mesmo assim a imprensa ignorar, existe o mecanismo jurídico para buscar reparação.

É exatamente o que  as entidades representativas dos jornalistas e da sociedade civil, como ABI, ANJ, OAB, Fenaj, sindicatos e outros  estão cobrando da Igreja Universal. Se a entidade se sentiu ofendida pela matéria dos jornais, deveria ter procurado as instâncias jurídicas e exigido o direito de resposta.

Qualquer tipo de constrangimento à imprensa, seja econômico ou jurídico, pode soar como uma tentativa de intimidar, ou até mesmo uma forma velada de censura. A intimidação, no caso, caiu no plano pessoal. A jornalista Elvira Lobato, por ter assinado uma das matérias, foi exposta em programa de TV. É bom ficar de olho nessa nova forma de pressão. Depois de o Brasil ter enfrentado alguns períodos da história com censura á imprensa, só faltava essa para tentar calar a imprensa.

Editorial da Folha de S. Paulo, de 19.02.08

Intimidação e má-fé

BISPOS da Igreja Universal do Reino de Deus desencadeiam, contra os jornais Extra, O Globo, A Tarde e esta Folha, uma campanha movida pelo sectarismo, pela má-fé e por claro intuito de intimidação.
Em dezembro, a Folha publicou reportagem da jornalista Elvira Lobato descrevendo as milionárias atividades do bispo Edir Macedo. Logo surgiram, nos mais diversos lugares do país, ações judiciais movidas por adeptos da Igreja Universal que se diziam ofendidos pelo teor da reportagem.
Na maioria das petições à Justiça, a mesma terminologia, os mesmos argumentos e situações se repetiam numa ladainha postiça. O movimento tinha tudo de orquestrado a partir da cúpula da igreja, inspirando-se mais nos interesses econômicos do seu líder do que no direito legítimo dos fiéis a serem respeitados em suas crenças.
Magistrados notaram rapidamente o primarismo dessa milagrosa multiplicação das petições, condenando a Igreja Universal por litigância de má-fé. Prosseguem, entretanto, as investidas da organização.
Não contentes em submeter a repórter Elvira Lobato a uma impraticável seqüência de depoimentos nos mais inacessíveis recantos do país, os bispos se valeram da rede de televisão que possuem para expor a pessoa da jornalista, no afã de criar constrangimentos ao exercício de sua atividade profissional.
É ponto de honra desta Folha sempre ter repelido o preconceito religioso. A liberdade para todo tipo de crença é um patrimônio da cultura nacional e um direito consagrado na Constituição. A pretexto de exercê-lo, porém, os tartufos que comandam essa facção religiosa mal disfarçam o fundamentalismo comercial que os move. Trata-se de enriquecimento rápido e suspeito -e de impedir que a opinião pública saiba mais sobre os fatos.
Não é a liberdade para esta ou aquela fé religiosa que está sob ataque, mas a liberdade de expressão e o direito dos cidadãos à verdade.

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