Ao repassar o artigo por e-mail para a Folha, diz a matéria, “por engano, o corpo da mensagem trouxe uma correspondência eletrônica anterior, na qual o parlamentar escrevera ao presidente do Bradesco, Márcyo Cipriano “.
O recado não poderia ser mais explícito: “Em anexo, vai o artigo revisto. Procurei colocá-lo dentro dos limites do espaço da Folha. Por favor, veja se está correto e se você concorda, ou tem alguma observação. Muito obrigado, Paulo Renato Souza”.
São dois aspectos a analisar do episódio. Primeiro, o político e que motivou a pauta. O equívoco provavelmente não teria vindo a público não fosse a discussão que no momento ocupa a imprensa em torno do tema das incorporações, que mereceu reações do presidente do Bradesco, questionando a forma como o governo está transferindo bancos estaduais para o Banco do Brasil. Como explicar que um político da oposição está a serviço dos interesses de um banco privado para questionar em artigo, revisado pelo interessado, uma decisão estratégica de governo?
Se a intenção foi buscar o apoio da opinião pública contrária à incorporação pelo BB, a estratégia, com o vazamento do e-mail, fracassou. Para o leitor passa a impressão de que um deputado estaria fazendo conchavo com o banco privado para “bater” no governo, em benefício do interesse desse banco. No momento em que a credibilidade dos políticos está em baixa, o fato expõe o ex-ministro e coloca em risco a tese levantada pelo banco interessado.
É claro que como político o ex-ministro tem todo o direito de questionar qualquer medida do governo. Mas na hora em que passa o texto para o crivo da instituição privada interessada, o artigo de opinião parece ser um “serviço” contratado pelo banco privado e, com isso, perde a credibilidade.
De outro lado, analisemos a pisada no tomate. Nestes tempos de correspondência eletrônica quase instantânea, é bom ficar atento. A primeira lição do escorregão do Ministro é simples: não se deve ficar emendando e-mail e repassando para vários destinatários. Ao enviar uma mensagem, sem necessidade do histórico, o internauta deve-se acostumar a digitar o destinatário. O risco é menor. O reenvio do e-mail, repetindo-se conteúdos anteriores, só deveria ser feito quando for extremamente necessário para o destinatário ter conhecimento desse histórico. Caso contrário, deletar.
O e-mail está se transformando em ferramenta poderosa e perigosa. Extremamente prático e ágil, ele possibilidade vazamento, até pelo grau de informalidade com que essa correspondência é tratada. Funciona como se fosse um “telefonema” escrito. Até mesmo a digitalização do destinatário deve ser cuidadosa. Programas como o outlook aceitam o nome do destinatário automaticamente, ao digitar as primeiras letras. Para trocar o destinatário, é muito fácil.
Embora o ex-ministro tenha negado possuir qualquer contrato com o Bradesco, o próprio jornal insinua uma relação comercial, ao dizer que ele tem uma Consultoria. O fato é que o episódio arranha a imagem do ex-ministro, principalmente num momento em que as privatizações do governo passado estão sendo rediscutidas. Foram tema da campanha presidencial e certamente continuarão como pautas até o fim deste governo. O ombudsman da Folha, na sua coluna semanal, elogiou a decisão do jornal em divulgar o fato.
Hoje nenhuma pessoa pública pode cochilar quando usa os recursos das novas tecnologias. Se, por um lado elas facilitam a vida do homem moderno, por outro vulnerabilizam informações restritas com muita facilidade. O jogo é pesado e a mídia não perdoa. A atitude transparente do jornal também é um caso à parte, uma vez que poderia ter-se omitido e publicado o artigo, sem mencionar a consulta ao Bradesco ou se negado a publicar, sem ter revelado a consulta constrangedora do Deputado. Para finalizar, após a publicação da notícia, o ex-ministro teria pedido à Folha para não mais publicar o artigo. A impressão que passa é que o pedido seria desnecessário. Não havia mais clima para a Folha publicar.
Folha de S.Paulo - 10/10/07
Paulo Renato submete artigo a banco
Deputado do PSDB pede opinião do presidente do Bradesco sobre texto com críticas ao Banco do Brasil
DA REPORTAGEM LOCAL
O deputado federal Paulo Renato (PSDB-SP) submeteu à apreciação da presidência do banco Bradesco um texto assinado por ele e enviado anteontem à Folha para publicação. No artigo, ainda inédito, o deputado critica a intenção do governo federal de passar o Besc (Banco do Estado de Santa Catarina) para o controle do Banco do Brasil.
O texto foi enviado ao jornal por e-mail. Por engano, o corpo da mensagem trouxe uma correspondência eletrônica anterior, na qual o parlamentar escrevera ao presidente do Bradesco, Márcio Cypriano: Em anexo, vai o artigo revisto. Procurei colocá-lo dentro dos limites do espaço da Folha. Por favor, veja se está correto e se você concorda, ou tem alguma observação. Muito obrigado, Paulo Renato Souza.
Ouvido ontem pela Folha, o presidente do Bradesco, Márcio Cypriano, afirmou: O deputado Paulo Renato me ligou perguntando se eu poderia ler um artigo que ele tinha escrito sobre bancos. O receio dele era de o artigo ter algum erro, já que tinha muitas questões e termos técnicos. Eu disse que podia ler e ele me mandou o artigo. Eu achei bom o artigo. Muito bem escrito, por sinal. Foi só isso.
Intitulado Tentáculos da reestatização, o texto foi enviado dois dias após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter participado, em Florianópolis (SC), de um evento no qual dirigentes do BB se comprometeram a incorporar o Besc, federalizado na década de 90.
No texto, o ex-ministro da Educação (1995-2002) Paulo Renato reclama da ausência de um processo licitatório para definir os novos donos do Besc. Ele também critica supostas estratégias que estariam sendo empregadas pelo BB para expandir seus negócios no território nacional, o que seria, segundo ele, uma ítida ofensa às regras concorrenciais.
O deputado Paulo Renato disse ontem à reportagem que não mantém nem manteve contratos com o grupo Bradesco por meio de sua empresa de consultoria, a Paulo Renato Souza Consultores. Afirmou que buscava apenas uma opinião técnica sobre o assunto.
Eu tinha encontrado com o Márcio num almoço, comentei com ele que iria fazer esse artigo e pedi ajuda para ele para ver se não estava dizendo uma barbaridade sobre os temas que eu estava tratando. E ele se dispôs a me ajudar, disse.
Indagado sobre o verbo que utilizou, ao perguntar a Cypriano se ele concordava com o texto, o parlamentar afirmou: Se concorda com os argumentos que eu coloquei no artigo.
O parlamentar disse ter feito o mesmo em relação a um artigo que produziu sobre a companhia siderúrgica Vale do Rio Doce: Eu escrevi um artigo sobre a Vale do Rio Doce comparando com a Petrobras. Eu pedi os dados, obviamente, para o pessoal da Vale. Mandei o artigo [à Vale] para ver se eu tinha interpretado direito os dados que ele tinha mandado. A mesma coisa fiz agora, afirmou.
Em economia, tem que se ter cuidado, pois os conceitos podem não estar precisos, disse ele, que foi professor titular de economia da Unicamp.
Folha de S.Paulo - 14/10/07 - Coluna do Ombudsman
Deputado vacila, Folha não perdoa
O deputado Paulo Renato, ministro da Educação nos governos de Fernando Henrique Cardoso, cometeu um engano ao transmitir à Folha um artigo para publicar, Tentáculos da reestatização. Ele criticava atuação do Banco do Brasil, para incorporar o Besc (Banco do Estado de Santa Catarina), que configuraria ítida ofensa às regras concorrenciais.
Um pensamento legítimo.
Seu vacilo foi deixar, no pé do e-mail, a consulta anterior que havia feito ao presidente do Bradesco. Escrevera a Márcio Cypriano: Em anexo, vai o artigo revisto. Procurei colocá-lo dentro dos limites do espaço da Folha. Por favor, veja se está correto e se você concorda, ou tem alguma observação.
O jornal revelou na quarta-feira que o deputado submeteu o texto ao banco. Economista, Paulo Renato sustenta que buscou opinião técnica.
Quem envia uma mensagem dessa natureza à Folha conta com o sigilo. Mas cabe ao jornal expor articulações e lobbies cujo conhecimento tenha interesse público. Penso que o compromisso com os leitores, e não com parlamentares, deva se sobrepor.
Por isso a Folha acertou ao divulgar o que sabia. E ao atender ao pedido para cancelar a publicação. É um direito do deputado, e a reportagem da quarta já informara o conteúdo do artigo.