A mídia está em crise? Os jornais vão desaparecer? Pelo menos a mídia impressa tem sobrevivido a um custo muito elevado, porque perdeu leitores e publicidade, atropelada pelas plataformas online e redes sociais. Quem ainda mantém assinatura de publicações impressas? Os jornais e as revistas estão com os dias contados? Essa é uma pergunta que não é difícil responder.
A revista americana The Nation publicou artigo esta semana abordando a crise dos jornais americanos, num país que, tradicionalmente, foi referência e fez escola para o jornalismo de todo o mundo. E onde os jornais, pelo menos dos grandes grupos, apesar da preponderância da TV, conseguem sobreviver pela credibilidade conquistada na história dos EUA. Principalmente as publicações das grandes capitais.
No artigo The Death and Life of Great American Media (A morte e a vida da grande mídia americana), o autor D.D. Guttenplan, editor da revista, diz que “dado o apetite insaciável de Hollywood por reinicializações, é surpreendente que ainda não tenhamos visto Quatro Funerais e uma Fusão, ou mesmo qualquer tentativa cinematográfica de explorar o potencial dramático representado pelo declínio contínuo do negócio de notícias.”
E continua: “quaisquer que sejam as suas outras recompensas, o jornalismo já não oferece nada parecido com segurança no emprego. Com uma média de 2,5 jornais fechando todas as semanas em 2023 – acima dos dois por semana do ano anterior – os Estados Unidos perderam um terço dos seus jornais e dois terços dos seus jornalistas, desde 2005.”
“O resultado, de acordo com a o relatório “State of Local News 2023” da Northwestern Medill, é que mais de 200 condados do país são “desertos de notícias”, lugares onde o funcionamento do governo local, os excessos da aplicação da lei local e a conduta das empresas locais e das corporações nacionais não enfrentam qualquer escrutínio dos meios de comunicação social e, portanto, pouca responsabilização pública. Como observou recentemente John Nichols, alguns destes desertos engoliram grandes cidades.”
A crise dos impressos no Brasil
Levantamento da publicação Poder360, com dados do IVC (Instituto Verificador de Comunicação), mostra que 15 dos principais jornais brasileiros, 16,1% registraram queda, em média, na circulação em 2022. A tiragem média diária somada dessas publicações terminou aquele ano em 394.130 exemplares. A soma dos exemplares impressos de 2022 equivale a apenas 46,7% do total de quatro anos atrás. Em 2018, a tiragem nacional dos impressos chegava a 843.231. Mesmo considerando que muitos leitores migraram para as publicações online, a mídia impressa encolheu, não a sua importância e credibilidade. Perdeu mercado, tanto em popularidade, quanto em investimento publicitário. O preço da assinatura não foi um fator que influenciasse essa queda ou migração.
Basta dizer que há dez anos, os grandes jornais do país, como o O Globo, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo tinham tiragens impressas de aproximadamente 300 a 400 mil exemplares, aos domingos. Número que era relativamente baixo, quando comparado às tiragens de jornais diários no Japão, nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo. Mas significantes para o Brasil, sabidamente um país onde a mídia impressa foi perdendo força, nos últimos 20 anos. Em julho de 2023, os números da tiragem diária dos três principais jornais do País mostravam a agonia do impresso: Estado de S. Paulo, 58.326 exemplares; O Globo, 56.181; Folha de S. Paulo, 44.069.
A revista Veja nos anos 1990 e 2000 registrava tiragens impressas superiores a um milhão de exemplares. Aos poucos, as revistas também foram migrando para o online. A revista, que pertencia ao Grupo Abril, foi vendida em 2018, e aos poucos perdeu grande parte dos assinantes, sem conseguir manter os níveis das tiragens históricas do passado, coincidindo o período com um recuo nas assinaturas das publicações impressas no Brasil. Nesse caso, em particular, a redução deveu-se à crise do impresso e editorial, ao mesmo tempo.
Em julho de 2023, o IVC mudou as regras para o cálculo de assinaturas dos jornais brasileiros. Com a alteração, que em resumo permite contabilizar assinantes pagantes que já existiam na base dos jornais, as tiragens totais incluem os exemplares impressos e as assinaturas digitais. Nesse critério, o total de assinantes, tanto de impressos quanto da edição digital, naquela data, dos três principais jornais, era: Folha: 796.088; O Globo: 381.779; o Estado: 243.432.
Em 2007, Philip Meyer, jornalista americano*, publicou o livro Os jornais podem desaparecer? Como salvar o jornalismo na era da informação. Pelo menos, pelo título, um livro provocador, mas que ao longo do tempo não apenas comprova a crise da mídia impressa, mas também deixa dúvidas no ar sobre a sobrevivência dos jornais, como hoje pode-se confirmar. Há luz no fim do túnel? Se considerarmos os países com as maiores economias do mundo, todos têm um ou vários jornais importantes, que sobrevivem e são respeitados. Alguns, como o russo Pravda, acabam se transformando em quase sinônimos do pensamento político dos líderes dos países-sede, como na Rússia. Fosse diferente, não teria sobrevivido ao período comunista e à dissolução da União Soviética, em 1989, até porque na Rússia nunca houve liberdade de imprensa.
O que mantém alta a credibilidade dos grandes jornais, como The New York Times, Washington Post, The Guardian, para citar apenas alguns, é a tradição de grandes investimentos em qualidade da notícia. O The New York Times, fundado em 1851, por exemplo, considerado um dos mais importantes do mundo, registrou, em 2023, 10,36 milhões de assinantes, sendo 9,7 milhões online. Para se ter uma ideia da força editorial do principal jornal americano, em 2022 ele contabilizou 145 milhõers de leitores mensais em sua página.
Na Europa, não é muito diferente. A crise apenas acelerará tendências de longa data. Segundo artigo publicado na revista britânica The Economist, "As receitas publicitárias vêm caindo há anos e os leitores impressos há muito estão migrando para a Internet (ou morrendo de velhice). Mesmo antes da crise atual, os lucros operacionais do Telegraph Media Group, editor do Daily Telegraph, caíram de 32 milhões de libras em 2004 para 900 mil libras no ano passado. Mesmo assim, o jornal The Guardian, dos mais importantes do Reino Unido, não cobra pelos acessos, mas solicita cadastramento e pede contribuição espontânea."
"A má notícia é que as vendas globais do jornal caíram 30%, já que as pessoas ficam em casa, diz James Mitchinson, seu editor. Em alguns títulos da JPI, até 80% das receitas publicitárias foram perdidas. Quase todo o pessoal de vendas de anúncios foi dispensado. O mesmo aconteceu com dezenas de jornalistas. Os restantes sofreram cortes salariais de 10-15%, aumentando para 20% para os membros do conselho. O papel ficou visivelmente mais fino."
Os grandes sobrevivem
Voltando ao artigo da revista The Nation: “Na atual economia noticiosa em que o vencedor leva tudo, o The New York Times desfruta do domínio que advém dos 10 milhões de assinantes digitais, enquanto os seus antigos concorrentes são deixados para lutar pelo restante. Isto levou a demissões em massa no Los Angeles Times, aquisições no The Washington Post e ao colapso contínuo dos principais jornais locais, de Tampa a Tucson. Os jornais que conseguiram sobreviver reduziram significativamente a sua cobertura da política nacional.”
“Nem a mídia digital forneceu algo parecido com um substituto adequado. Com Vice e BuzzFeed – ambos antes considerados o futuro do jornalismo – agora relegados para a lata de lixo da história, o X/Twitter é uma praga persistente no discurso público, o The Messenger recentemente despachado e o The Intercept, Time e Business Insider, todos sofrendo com demissões, uma previsão de destruição seguida de tristeza parece inevitável”, conclui o artigo.
Como registra a página da The Pew Research, instituto que faz várias pesquisas sobre a mídia americana, "Os jornais são uma parte crítica do panorama noticioso americano, mas têm sido duramente atingidos à medida que cada vez mais americanos consomem notícias digitalmente. A sorte financeira e a base de assinantes do setor estão em declínio desde meados da década de 2000, e o tráfego de audiência do seu site também começou a diminuir."
Ao comentar o tema na última edição da revista The Nation, o autor do artigo diz que “ao longo de 159 anos, seria de esperar que tivéssemos algumas preocupações recorrentes. Na verdade, eu diria que ter uma visão de longo prazo é parte do que nos permitiu sobreviver, mesmo quando publicações mais vistosas e na moda surgiram e desapareceram. Nada disso, porém, seria possível sem o apoio dos nossos assinantes e doadores. Se este for seu primeiro problema, considere juntar-se a eles. E bem-vindo à luta.” A revista The Nation** não está entre as principais publicações de revistas americanas em tiragem. A tiragem atual, somando impresso e digital, aproxima-se de 100 mil exemplares. Há menos de 20 anos, era próxima de 200 mil exemplares. Sua importância editorial está mais na longevidade e na credibilidade adquirida pela postura independente, embora se defina como de esquerda, tendo sido fundada em 1865.
*Philip Meyer, jornalista americano, ex-professor emérito da Universidade da Carolina do Norte. Meyer trabalhou na indústria do jornal por 26 anos, os últimos 23 na publicação Knight Ridder. Reconhecido pelas pesquisas no campo do jornalismo, Meyer morreu no dia 4 de novembro de 2023, aos 93 anos.
**The Nation - Revista semanal sem fins lucrativos, dos Estados Unidos, dedicada à cobertura de assuntos políticos e culturais, autodefinindo-se como a "bandeira da esquerda".
Outras publicações sobre o tema
The death and life of Great American Media
Circulação de jornais impressos cai 16,1% em 2022, diz Poder 360
The newspaper industry is taking a battering