Boeing Cockpit do 737 NG modelo 2009 que caiu na TurquiaHá cinco anos, 346 pessoas morreram em dois acidentes envolvendo aviões Boeing 737 Max, num período de quase cinco meses: primeiro na costa da Indonésia, em voo da empresa Lion Air, com destino a Nairobi, Quênia, em outubro de 2018; e depois, na Etiópia, com avião da Ethiopian Airlines, em março de 2019.

Boeing's Fatal Flaw* (Falha fatal da Boeing), uma investigação FRONTLINE** de 2021, com o jornal The New York Times, examinou como as pressões comerciais, o design defeituoso e falhas na supervisão contribuíram para essas tragédias devastadoras e uma crise catastrófica num dos nomes industriais mais icônicos do mundo.” O documentário, produzido pela Frontline-PBS, (PBS Public Broadcasting Service, a tv pública americana), faz uma imersão na crise da poderosa fabricante de aviões americana que nos últimos seis anos tem enfrentado acidentes, pressão popular e ações na Justiça, numa turbulência sem precedentes. Pressionada pelas concorrentes, por empresas aéreas e órgãos reguladores, no auge da crise, após os dois acidentes com o Boeing 737 Max, a Boeing viu várias empresas aéreas, em todo o mundo, recolherem esse modelo de avião, até a realização de uma exaustiva investigação exigida pelas autoridades aeroportuárias dos Estados Unidos. De repente, um produto novo, disputado pelo mercado, se transforma numa ameaça e um passivo para a companhia.

Este artigo***, foi publicado no site da PBS em 2021 e atualizado este ano, após novos acontecimentos envolvendo a gigantes americana. “Nos últimos meses, a Boeing passou por um escrutínio renovado depois que um painel semelhante a uma porta, de um Boeing 737 Max 9, operado pela Alaska Airlines, explodiu poucos minutos após a decolagem, em janeiro de 2024. Uma versão atualizada de nosso documentário examina o impacto desta último crise.”

“Este deveria ser um dos aviões mais escrutinados e fiscalizados do mundo. E aqui está você com outro incidente que estava arriscando a vida dos passageiros”, disse Sydney Ember, do New York Times, no documentário agora publicado. Ao atualizar o documentário, a FrontlinePBS diz: “Aqui damos uma breve olhada no que aconteceu com a Boeing desde os acidentes mortais de 2018 e 2019 e o recente incidente da Alaska Airlines.” Para completar, após esse incidente da porta que se despregou do Boeing em pleno voo, foi exigida uma rigorosa fiscalização em outros aparelhos e se descobriu que, assim como aconteceu com um avião, parafusos de fixação da porta estavam mal colocados em outros aparelhos. Ou seja, os aviões voavam com equipamentos de alto risco de os passageiros serem ejetados em pleno voo, tragédia essa que não aconteceu no voo da Alaska Airlines, por pura sorte do menino que viajava nas proximidades da porta: ele estava com cinco de segurança na hora do incidente e teve a camisa e o celular sugados pela abertura. 

Mudança na liderança

Boeing 737 MAX e a a crise do documentárioA crise da Boeing, que se arrasta deste 2018, tem levado executivos da empresa a serem chamados pelo Congresso americano para se explicarem. O que, naturalmente, tem afetado não apenas o desempenho econômico da empresa no mercado, mas seu ativo mais importante: a reputação. Segundo o artigo da FRONTLINE, “Dennis Muilenburg era CEO da Boeing desde 2015. Após os acidentes, ele testemunhou perante os comitês do Senado e da Câmara dos EUA em outubro de 2019, reconhecendo que os acidentes fatais aconteceram “sob minha supervisão” e dizendo que ele e a empresa eram responsáveis. Ele disse ao Comitê de Transporte e Infraestrutura da Câmara: “Se soubéssemos naquela época o que sabemos agora, teríamos recomendado o pouso (do 737 Max), logo após o primeiro acidente”.

“Dois meses após as audiências no Congresso, em 23/09/2019, Muilenburg foi demitido pela Boeing. A empresa descreveu a medida como “necessária para restaurar a confiança” na Boeing “uma vez que trabalha para reparar as relações com reguladores, clientes e todas os outros stakeholders”. David Calhoun assumiu o cargo de CEO em janeiro de 2020 e continua a ocupar o cargo.

Um acordo de US$ 2,5 bilhões e os desafios da Justiça

“Em 7 de janeiro de 2021, o Departamento de Justiça (DOJ) dos EUA anunciou que a Boeing pagaria um acordo de US$ 2,5 bilhões, resolvendo uma acusação da Justiça de que a empresa havia conspirado para fraudar o Grupo de Avaliação de Aeronaves da Administração Federal de Aviação.

“A investigação criminal do DOJ se concentrou nas ações de dois funcionários que a Boeing acusou em documentos judiciais “terem enganado a FAA AEG” sobre o Sistema de Aumento de Características de Manobra (MCAS) a bordo do 737 Max – um sistema que o DOJ disse “ter desempenhado um papel” no travamento de ambos os 737 Max (que se acidentaram). O DOJ disse que o “engano” dos funcionários fez com que informações sobre o MCAS fossem omitidas de um documento importante divulgado pela FAA, bem como de manuais de aviões e materiais de treinamento de pilotos.”

À medida que as investigações se aprofundavam e empregados da empresa eram instados a prestar depoimentos, ficou claro que a Boeing não tinha agido com transparência e responsabilidade que se requer de uma fabricante de aviões. O estrago desse comportamento foi fundamental pelo arranhão na imagem e reputação da companhia, um ativo cada vez mais valioso pela natureza desse negócio. 

E mais, como consta do artigo da FRONTLINE: “Como relata o documentário Boeing's Fatal Flaw, investigadores do Congresso encontraram documentos internos mostrando que, depois que a Boeing percebeu o impacto que o MCAS teria no treinamento de pilotos e na certificação da FAA, alguns funcionários da Boeing sugeriram remover todas as referências ao MCAS dos manuais de treinamento.”

“Os funcionários da Boeing escolheram o caminho do lucro em vez da franqueza, ocultando informações materiais da FAA sobre a operação de seu avião 737 Max e engajando-se em um esforço para encobrir seu engano”, disse David P. Burns, procurador-geral assistente interino da Divisão criminal do DOJ, quando o acordo foi anunciado.”

Crises afetam a reputação e o cofre

Boeing efeito da crise em jan 2024O resultado das idas e vindas da Boeing, ao explicar os acidentes e as possíveis falhas na liberação do 737 Max, antes de testes mais rigorosos, acabou repercutindo nos cofres da companhia. “A empresa celebrou um acordo de diferimento de processo com o DOJ, no qual a Boeing concordou em pagar uma multa de quase US$ 244 milhões, criar um fundo de US$ 500 milhões para as famílias das pessoas que morreram nos dois acidentes e pagar US$ 1,77 bilhão para companhias aéreas que foram afetadas pelo encalhe de 20 meses do 737 Max, iniciado em março de 2019.”

“A Boeing também concordou em continuar cooperando com a Seção de Fraude do DOJ em “quaisquer investigações e processos em andamento ou futuros” e é obrigada a relatar qualquer suposta violação das leis de fraude por funcionários da Boeing ao lidar com agências, reguladores ou clientes de companhias aéreas nacionais ou estrangeiros.”

Ao ser procurada pelos produtores do documentário, para se explicarem, a Boeing recusou o pedido da FRONTLINE. “Num comunicado, a empresa afirmou que a segurança é a sua principal prioridade e que tem trabalhado em estreita colaboração com reguladores, investigadores e stakeholders “para implementar mudanças que garantam que acidentes como estes nunca mais aconteçam”.

Ações judiciais movidas por famílias de vítimas de acidentes

“Em novembro de 2019, a Boeing enfrentava mais de 150 ações judiciais movidas por famílias de pessoas que morreram nos dois acidentes – mais de 50 das ações decorrentes do acidente na Indonésia e cerca de 100 do acidente na Etiópia, de acordo com a análise feita nos registros do tribunal federal, pela Associated Press.”

“Em julho de 2020, a Boeing disse a um tribunal federal dos EUA que as reivindicações relacionadas a 171 das 189 pessoas mortas no acidente na Indonésia foram parcial ou totalmente resolvidas, embora os acordos não tenham sido divulgados publicamente.”

A suspensão de voos e o retorno do 737 Max 

Nos dias seguintes à queda do segundo 737 Max, em março de 2019, reguladores de todo o mundo – da China à União Europeia e vários outros países – cancelaram a licença de voo do avião. A Administração Federal de Aviação dos EUA fez o mesmo em 13/03/2019, depois de inicialmente dizer que os aviões eram seguros para voar.

“Quando a FAA testou novamente e aprovou os 737 Max 8 e Max 9, encerrando o encalhe em novembro de 2020, exigiu que as companhias aéreas tomassem as seguintes medidas antes de colocar os aviões novamente em serviço: instalação de um novo computador de controle de voo e software de sistema de exibição; incorporação de procedimentos revisados da tripulação de voo; redirecionamento da fiação; concluir um teste do sistema de sensores de “ângulo de ataque”, que contribuiu para os acidentes de 2018 e 2019; e realizar um voo de prontidão operacional.”

Diz ainda o relato da FRONTLINE: “A FAA, em conjunto com agências de aviação do Canadá, Brasil e União Europeia, também concluiu que os pilotos que operam o 737 Max precisariam concluir um treinamento especial. Não está claro quem pagaria por esse treinamento adicional, que reverteu uma das propostas originais nas vendas da Boeing às companhias aéreas para o 737 Max: que o avião exigiria treinamento mínimo de piloto.”

Estado de crise

Boeing 737 Max paradosE mais: “Um relatório do comitê do Senado de dezembro de 2020 criticou a Boeing e a forma como a FAA lidou com os testes de recertificação do 737 Max, dizendo que, com base nas informações e depoimentos dos denunciantes, parecia que os funcionários da Boeing e da FAA haviam “estabelecido um resultado pré-determinado” e que os funcionários da Boeing “treinaram pilotos de teste de forma inadequada” no simulador MCAS. O relatório alegou: “Parece que, neste caso, a FAA e a Boeing estavam tentando encobrir informações importantes que podem ter contribuído para as tragédias do 737 MAX”.

“A FAA respondeu na época, dizendo: “Trabalhando em estreita colaboração com outros reguladores internacionais, a FAA conduziu uma revisão completa e deliberada do 737 Max”. A agência acrescentou estar “confiante” de que os problemas que levaram aos dois acidentes foram “resolvidos através das alterações de design exigidas e aprovadas de forma independente pela FAA e seus parceiros”.

“Aprendemos muitas lições difíceis” com os acidentes, disse a Boeing em seu próprio comunicado na época. A empresa disse que levava a sério as conclusões do comitê e que continuaria a revisar o relatório na íntegra.”

Segundo o relato da FRONTLINE, “Uma companhia aérea brasileira**** foi a primeira a voar um 737 Max depois que os reguladores tinham recomendado a FAA para retirar o avião do solo. Em 29/12/2020 – uma semana após a carta das famílias – o 737 Max voou com passageiros pagantes nos EUA pela primeira vez, após quase dois anos de suspensão. Um mês depois, a autoridade de aviação europeia também deu autorização ao 737 Max para voar.”

“Em 26 de agosto de 2021, a Índia suspendeu a proibição do uso do 737 Max, depois de monitorar “de perto” o desempenho do avião em outros lugares e observar “nenhum relato desagradável”. A China, que foi o primeiro país a suspender os jatos Max após os acidentes mortais, retomou os voos comerciais com o modelo em janeiro de 2023.” 

Ou seja, o custo da Boeing, com esse longo período de suspensão dos voos dos aviões 737 Max, em poder das empresas aéreas, em vários lugares do mundo, acabou certamente repercutindo nas finanças da empresa. Por que um comprador assumiria os custos de ter aeronaves paradas, por culpa de uma investigação rigorosa conduzida pelo fabricante e reguladores?

Incidente de avião da Alaska Airlines

“Em 5 de janeiro de 2024, um jato da Alaska Airlines fez um pouso de emergência em Portland, Oregon, depois que uma parte de sua fuselagem explodiu e deixou um buraco do tamanho de uma porta na lateral da aeronave, enquanto ela estava a cerca de 5 mil metros de altitude. Nenhum dos 171 passageiros e seis tripulantes ficou gravemente ferido. Resultado: a FAA determinou a permanência em terra, temporariamente, de mais de 170 jatos Max 9 para que pudessem ser inspecionados. Na sequência, o CEO da Boeing, David Calhoun, disse: “A Boeing é responsável pelo que aconteceu”.

Como se não bastassem a falta de transparência e os erros cometidos na liberação do 737 Max, um relatório preliminar de 6 de fevereiro de 2024 do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes disse que os parafusos destinados a prender o painel semelhante a uma porta pareciam ter desaparecido antes do voo.

“Mais tarde, no mesmo mês, a FAA divulgou um relatório há muito aguardado que concluiu que a cultura de segurança da Boeing tem sido “inadequada” e “confusa”. A FAA deu à Boeing 90 dias para elaborar um plano para resolver problemas de controle de qualidade.”

Crise sem fim

A FAA conduziu uma auditoria de seis semanas após o incidente da Alaska Airlines e, em 4 de março passado, declarou que a Boeing supostamente não cumpriu os requisitos de controle de qualidade de fabricação. No mínimo, como se classifica uma empresa que já vinha sendo investigada por problemas numa série de aviões, quando aparece outro defeito relacionado à segurança das aeronaves? Além disso, a Boeing enfrenta agora problemas legais em relação ao grave incidente de 5 de janeiro, incluindo ações judiciais movidas por passageiros e acionistas.

O Departamento de Justiça também iniciou uma investigação criminal sobre a Boeing após o incidente da Alaska Airlines, conforme relatado primeiro pelo The Wall Street Journal. A mudança cultural não acontece da noite para o dia, especialmente em grandes corporações como esta”, diz David Gelles, um dos repórteres do New York Times que participou do documentário Fatal Flaw da Boeing. “Se a Boeing quiser voltar àquele lugar de grandeza onde foi por tanto tempo uma das empresas americanas mais importantes, não levará quatro anos, mas poderá levar 14.”

*Esta história foi publicada originalmente em 14 de setembro de 2021. Ela foi atualizada em março de 2024.

**FRONTLINE é a principal fonte de assuntos públicos da televisão pública americana desde 1983. Descrita pela revista The Atlantic como “o melhor programa de notícias da televisão”, a série construiu uma reputação de poderosa narrativa investigativa que aborda as histórias difíceis, controversas e complexas que moldam nossos tempos.

***Autoria de Priyanka Boghani e Kaela Malig.

****Provavelmente a Gol Linhas Aéreas, única empresa brasileira que usava Boeing 737 Max em suas rotas. 

Atualização do artigo

CEO da Boeing renunciará em grande reestruturação da empresa

25 de março de 2024

Segundo publicou o The New York Times, “A Boeing disse abruptamente na segunda-feira (dia 22) que estava reformulando sua liderança em meio à crise de segurança mais significativa em anos, anunciando mudanças radicais que incluíram a saída de seu presidente-executivo, Dave Calhoun, no final do ano.

A fabricante de aeronaves tem estado sob pressão crescente de reguladores, companhias aéreas e passageiros enquanto a empresa luta para responder às consequências de um incidente no início de janeiro, no qual um painel se despregou de um avião Boeing 737 Max 9 em pleno ar, durante um voo da Alaska Airlines. O avião estava a 5.000m de altura.

 “O incidente abalou a empresa, considerada por muitos uma instituição americana premiada, e renovou as preocupações sobre o seu compromisso com a segurança e a qualidade cinco anos depois de duas quedas de aviões 737 Max 8 terem matado um total de quase 350 pessoas”, diz a reportagem.

Segundo o jornal Washington Post, na mesma data, "Em uma carta aos funcionários, Calhoun classificou o acidente da Alaska Airlines como um “momento divisor de águas” para a Boeing. “Devemos continuar a responder a este acidente com humildade e total transparência”, disse ele. “Os olhos do mundo estão voltados para nós e sei que passaremos por este momento como uma empresa melhor, aproveitando todos os aprendizados que acumulamos enquanto trabalhamos juntos para reconstruir a Boeing nos últimos anos.”

"A mudança de liderança é a última consequência do acidente de 5 de janeiro, que renovou o escrutínio da gigante aeroespacial, que enfrenta múltiplas investigações, bem como limites impostos pela FAA à produção de jatos 737 Max. Uma investigação preliminar do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes indicou que faltavam quatro parafusos necessários para prender a tampa da porta que explodiu no jato da Alaska Airlines. Os esforços para determinar o porquê foram frustrados porque a Boeing disse que não pode produzir registros do trabalho realizado naquela parte do avião depois que ele chegou à sua fábrica em Renton, Washington."

Outros artigos e documentos sobre o tema

Boeing 737 Max suspenso no Brasil: o histórico de problemas de avião envolvido em incidente com Alaska Airlines

Assista à atualização de 2024 do documentário Boeing’s Fatal Flaw, uma investigação da FRONTLINE e do The New York Times.

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