Muitas empresas e governos que estão hoje enfrentando a crise do coronavírus e continuam atuando, tentando fazer as coisas certas, podem ser afetados em plena pandemia por um outro problema grave. Basta observar o que aconteceu no Líbano, na última terça-feira, com a explosão de um depósito, no porto de Beirute, onde eram armazenadas – irresponsavelmente - 2.700 toneladas de nitrato de amônio. A explosão matou mais de 100 pessoas e feriu mais de 3,5 mil, numa tragédia que arrasou vários quarteirões da cidade, num momento em que os habitantes estão em isolamento por causa da pandemia. O país, que já vive uma crise econômica e social há anos, vê-se diante de outra crise. Então, o que acontece se uma segunda crise ocorrer quando você já estiver enfrentando outra crise grave?
A pergunta foi feita para o especialista em comunicação estratégica corporativa e de marketing internacional, nos EUA, Tim Scerba*, e ele respondeu num artigo publicado no site bernsteincrisismanagement, este mês.
Ele chama a atenção, desde o início, de que o empresário ou o governo, mesmo preparados, não têm a capacidade de escolher o melhor momento para enfrentar uma crise. "Não pode haver uma crise hoje, minha agenda já está cheia", frase atribuída ao ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger, quando acabava uma palestra. “É uma ótima maneira de enfatizar que uma crise nunca acontecerá quando for conveniente ou quando você estiver sentado à sua mesa, tomando um café e se perguntando "qual projeto devo começar hoje?"
“Por causa disso, “quando você menos espera isso”, constante numa situação de crise, as empresas investem quantias substanciais de recursos financeiros e humanos em programas, planos e treinamentos de prevenção e gestão de crises, porque elas sabem que, quando falamos de uma crise, não se trata de se a empresa será confrontada com uma, mas quando isso acontecerá. O retorno dessa medida de prevenção é que eles estão sempre preparados e prontos para fazer o possível para antecipar e tentar evitar uma crise e, quando ocorrer, contê-la, gerenciá-la e se recuperar para poder retomar as operações normais. Na maioria das vezes, essa estratégia funciona muito bem e, por isso, a maioria das empresas se sente mais segura e confiante em sua capacidade de sobreviver a uma situação de crise.”
“No entanto, o que uma empresa deve fazer, quando de repente se depara com sua própria crise, enquanto já está administrando o caminho no meio de uma crise maior acontecendo ao seu redor, que eclipsa a sua, em termos de escopo, impacto e alcance?” Pergunta o autor, referindo-se obviamente à pandemia do coronavírus, que de forma maior ou menor atingiu todas as organizações, não importa onde e o porte.
“Muitas empresas podem estar nessa situação exata com a atual pandemia do COVID-19. A tentação compreensível seria que a equipe de crise da empresa dissesse a si mesma: "bem, dada a magnitude dessa outra crise, provavelmente podemos esperar que ninguém realmente perceba a nossa, nem lhe dê muita importância ou visibilidade". Mas, como em qualquer outra tentação, cair nela sempre tem consequências negativas.”
Tim Scerba enfatiza que o fato de que outra crise externa "maior" possa distrair a atenção dos stakeholders, não significa que você pode simplesmente ignorar ou minimizar a crise da empresa, ou que ela não exige uma resposta adequada e apropriada. O ponto principal é que a crise externa maior não blinda ou protege sua empresa, nem dispensa das necessidades de comunicação e das consequências da sua crise.
Para o autor, ter uma crise na empresa ou mesmo no governo, durante uma crise externa maior, aumenta e torna mais urgente a necessidade de responder adequadamente, pois pode gerar as seguintes consequências:
- Chamar a atenção para quaisquer pontos fracos que possam existir em sua empresa;
- Gerar especulações adicionais (e indesejadas) sobre a crise da sua empresa e suas causas;
- Criar oportunidades para procurar vínculos entre as duas crises, mesmo que não existam;
- Reforçar as percepções negativas existentes sobre sua empresa por não responder;
-Contribuir para a confusão e falta de informações que resultam em especulações e rumores.
Para Scerba, em geral, se as pessoas estão mais predispostas a acreditar no pior de uma empresa, no decorrer de uma crise, elas o farão ainda mais, durante uma crise maior, que está turvando suas percepções do mundo como um todo.
E completa: “Embora a tentação seja fazer o nível mínimo absoluto de comunicação durante sua própria crise, as empresas precisam fazer exatamente o oposto: comunicar-se mais rapidamente, com mais frequência e através de múltiplas plataformas para garantir que as mensagens cheguem aos principais interessados o mais rápido possível e de maneira que eles irão notá-las. Essa é a única maneira de garantir que você chegue com sucesso e alcance os vários públicos-chave. Também é importante desenvolver mensagens que sejam focadas o mais possível nas necessidades e preocupações dos vários stakeholders, no contexto de uma crise maior, para ajudar a garantir que as mensagens não caiam no vazio.
Ao mesmo tempo, lembre-se e siga os princípios básicos da comunicação de crise:
-Proteger as pessoas (sua prioridade permanente);
-Demonstrar empatia com os afetados pela crise;
-Não assuma nem atribua culpa;
-Verdade e Transparência - sempre;
-Tenha em mãos o plano de resposta a crises de sua empresa e siga-o.
E conclui: Dependendo da profundidade e extensão da crise externa, é possível, e muito provável, que ela domine o ciclo de notícias e mantenha a atenção dos stakeholders por um tempo. Mas não tenha dúvida - em algum momento esses mesmos stakeholders perceberão que sua empresa também teve a própria crise. E, quando isso acontece, é provável que eles, a mídia e outros examinem mais de perto o que aconteceu com sua empresa e, mais importante, como ela gerenciou a crise. A pergunta será: "A crise foi tratada de maneira correta e adequada ou a empresa tentou usar a crise maior como um escudo e desculpa para não fazer o que deveria fazer?"
Tim Scerba encerra deixando um conselho: “lembre-se de que durante e após uma crise, as pessoas sempre procuram alguém para culpar - verifique se não é sua empresa. Siga as práticas de boa gestão de crises e você minimizará as chances de a empresa ser a vilã da história.”
*Tim Scerba é especialista em comunicação estratégica corporativa e de marketing internacional nos EUA, com ampla experiência em todos os aspectos do gerenciamento de crises e questões sensíveis, incluindo auditorias de riscos, treinamento de preparação e simulação de equipes, inoculação de crises e gerenciamento e recuperação de situações ativas
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