Há cerca de 15 dias, a Cervejaria Backer, de Belo Horizonte-MG, enfrenta um tsunami envolvendo um dos seus principais produtos, a cerveja Belorizontina, suspeita de ser a causa de problemas renais e estomacais em pelo menos 17 pessoas, que culminaram com quatro mortes, até agora. O que uma empresa faz, quando seu produto é suspeito de causar mal-estar e, no caso, até levar consumidores à morte?
Quando em 1982, nos EUA, algumas pessoas morreram, após consumirem o comprimido Tylenol, produto da Johnson & Johnson, o que a empresa fez? Alguém tinha envenenado cápsulas de Tylenol, com cianeto de potássio. Isso levou à morte pelo menos sete pessoas. Imediatamente, a J&J determinou um recall nacional e instou as pessoas a não consumirem o comprimido. Criou uma linha direta para os clientes, esclarecendo os riscos e o que fazer com o produto comprado. A empresa não esperou que a Food & Drug Administration – FDA lhe dissesse o que fazer. Ela foi proativa e rápida, assumindo o controle da crise.
Naturalmente, isso teve um custo bastante elevado. “Não compre o meu produto”, dizia a J&J, ele pode matar. O recall e uma megacampanha publicitária custaram à empresa milhões de dólares, sem falar no prejuízo por vendas perdidas e retirada de todo o estoque das prateleiras no país todo. Mas consumidores, órgãos reguladores e a mídia elogiaram a gestão dessa crise, e a reputação da empresa foi de certa forma preservada e até melhorada, pelo respeito que teve com os consumidores, diante de uma crise provocada por terceiros. Os clientes sabiam que havia uma crise com a J&J, sabiam que ela não era culpada. Mas, nas pesquisas, diziam que não iriam comprar Tylenol, certamente com medo. Aí a empresa se convenceu de que a crise era um risco potencial para seu produto. E partiu para o contrataque, tentando reverter o estrago. Por isso, até hoje é considerado um “case” de crise bem administrado.
Cerveja perigosa
O que fez a Backer, a partir do momento em que pessoas que consumiram a cerveja Belorizontina passaram mal, com graves problemas renais? E quando surgiu a primeira morte suspeita? Uma cerveja que mata, ainda que nem tudo esteja apurado, precisa imediatamente ser retirada do mercado. Mas a empresa resistiu desde o início, assegurando, por meio de advogados e porta-vozes que não usava o produto dietilenoglicol, suspeito e apontado pela Polícia Civil como o produto tóxico que fez mal para os consumidores.
Essa batalha de acusações e desmentidos entre a Polícia, Anvisa e a fabricante acabou causando danos à reputação da Cervejaria Backer. Quanto mais a empresa negava o uso do produto, mais a polícia se aprofundava e confirmava o uso, por meio de exames de laboratórios credenciados. Não apenas algumas amostras estavam contaminadas, mas o tanque de armazenamento também estava. Até chegar ao ponto de o Ministério da Agricultura determinar, na última 4a feira (15), o recolhimento de todos os produtos da Cervejaria Backer.
A suspeita de contaminação acabou se estendendo a outras marcas da cervejaria, além da Belorizontina. O Ministério da Agricultura intimou a empresa a fazer o “recall” das cervejas e chopes de todas as marcas produzidas entre outubro de 2019 e 13 de janeiro último. Na prática, o fechamento temporário da fábrica.
A crise da cervejaria veio num crescendo. A empresa relutou em aceitar a realidade. Quanto mais resistiu, mais a imagem foi se desgastando, porque em primeiro lugar deve estar a saúde dos clientes. Se a empresa não usa o produto dietilenoglicol e ele apareceu, a investigação agora deveria se concentrar em descobrir como ele foi parar nos tanques da Backer. Quem vem insistindo em que o produto que fez mal aos consumidores - o dietilenoglicol - é a Polícia, corroborada pela Anvisa e Ministério da Agricultura com base nos exames realizados. A empresa oficialmente relutou em admitir o uso da substância. Mas não basta dizer que não usava o produto. Como provar agora que a cerveja não foi a causa dos problemas de saúde e de pelo menos quatro mortes, até esta quinta-feira (16)? As hipóteses de sabotagem, erro humano ou qualquer outra causa passam a ser secundárias no momento dessa crise.
A crise ainda foi agravada quando apareceu um registro policial envolvendo uma briga entre um empregado e um ex-empregado da empresa. No momento em que uma empresa está vulnerável, enfrentando problema grave, a mídia é implacável e vai atrás de qualquer fato que possa ter conexão com a crise. Os consumidores estão perplexos, porque era um produto popular, que vinha num crescendo e de repente os fatos ocorridos aparecem na mídia com várias explicações, sem que a empresa tenha o controle da comunicação. Talvez a Backer esteja perdida discutindo filigranas, deixando de atacar o que os especialistas chamam de "pedra angular da crise": como se deu a contaminação que levou à morte dos consumidores?
Se alguém morreu, não há como fugir da culpa
No caso do Tylenol, a J&J não discutiu quem havia envenenado as cápsulas. Essa acaba sendo uma questão posterior. ‘Se alguém morreu, ingerindo meu produto, eu devo responder por isso.’ Esse deve ter sido o mantra da J&J. Curioso, nesse caso, é que a polícia americana nunca descobriu os culpados. O que está tornando a crise da Backer mais grave, além do prejuízo de ter as fábricas interditadas, é a lentidão com que a área operacional está enfrentando o problema. O que demonstra o despreparo da empresa para tropeços operacionais. Sem falar na comunicação, que acaba sendo o caudal por onde se propaga toda essa crise. Não há transparência no processo. A empresa não tem sido clara no sentido de resolver a crise das pessoas que já estão sob suspeita de contaminação e as que poderão aparecer. Como estão as pessoas que consumiram a cerveja e de repente se sentem mal? O que a empresa está oferecendo para essas pessoas? E para as famílias dos clientes que morreram?
Como diz o professor da ESPM e FGV Marcos Hiller, em artigo sobre o grande risco para a marca "Backer": "Gestão de crise é gestão de danos. É uma partida que se começa perdendo de 7 a 1... Você tenta no máximo empatar o jogo, virar é muito difícil. Se bem tratada, da forma adequada, no timing adequado, boa parte dos casos são reversíveis. Mas esse caso da Backer, ao meu ver, é caso de morte cerebral da marca. Pode chamar os parentes. Muito triste."
Quem são meus stakeholders?
O que a empresa está dizendo para comerciantes, consumidores, fornecedores, nesse momento, em dúvidas sobre o que fazer com o produto estocado? Toda a crise é uma frustração na expectativa dos stakeholders. A polícia continua colhendo amostras para ter uma dimensão do tamanho da contaminação. Na 3a feira, a CEO da empresa, Paula Lebbos, disse: “Não bebam a Belorizontina, seja de que lote for”. Foi a primeira declaração sensata da empresa, em quase duas semanas. Demorou muito, mas não há como deixar de encarar a crise de frente, com total transparência, se a Cervejaria Backer quiser preservar sua marca. É isso mesmo, se meu produto faz mal, vocês devem parar de consumir e eu vou atrás da verdade. Simples assim.
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