Se o desabamento da ponte Morandi, que ocorreu na última quinta-feira (16) em Gênova, Itália, tivesse sido no Brasil ou em algum país da América do Sul até poderíamos entender como uma falha muito comum por aqui. Crise financeira, falta de manutenção, burocracia, corrupção são algumas das causas do péssimo estado da infraestrutura desses países. Estruturas comprometidas que não são preservadas e acabam desabando ou ameaçadas por falta de prevenção e manutenção. No ano passado, para citar um acidente recente, um viaduto na zona central de Brasília desabou por estar com ferragens e concreto comprometidos por infiltração. Não foi uma tragédia com vítimas, por pura obra do acaso, já que o desabamento ocorreu às 11.45h da manhã, horário de muito movimento no local.
Então, se descobre que relatório de 2011, do Tribunal de Contas do DF, já apontava situação comprometedora da estrutura de pelo menos nove viadutos e pontes de Brasília. E nada foi feito.
E o que dizer da Itália? O país tem enfrentado crises nos últimos anos que comprometeram os serviços públicos, por falta de recursos e de gestão. A degradação da infraestrutura do país tem sido citada em debates políticos e seminários. Acidentes e desastres naturais acontecem e a reconstrução acaba emperrando na burocracia, prima-irmã da corrupção. O imbróglio político em que o país vive acaba também afetando o que realmente interessa para a população. Mas, como aqui, a corrupção também acaba sendo um das piores pragas que assolam a Itália.
Segundo Tom Kingtom, escrevendo para o The Times de Londres, sobre o acidente de Gênova, os italianos reagiram com ceticismo e repulsa ao acidente da ponte Morandi, provocando uma onda de protestos, porque a cada tragédia, ninguém é responsabilizado pelos erros e o dinheiro para a manutenção ou reconstrução acaba sumindo. Os eleitores sabem que promessas não são cumpridas. Os milhões despejados na região de Nápoles, depois de um terremoto de 1980, foram rapidamente embolsados pela máfia local.
Nove anos após o terremoto de 2009 em L'Aquila, no centro da Itália, segundo Kingtom, a cidade ainda é um local em construção, o que levou muitos moradores locais a saírem para sempre. Os fundos alocados por Roma para melhorar as estradas para o ano jubilar do Papa Francisco em 2016 ainda estão sendo gastos. Quando não, sumiram.
Agora ficamos sabendo, segundo reportagem de hoje no The Times, que o homem indicado para liderar uma investigação sobre o colapso da ponte de Gênova pediu demissão ontem, depois que se descobriu que ele foi alertado sobre sérios problemas de segurança da ponte Morandi, no início deste ano, mas não foi capaz de dar o alarme para evitar uma tragédia.
Roberto Ferrazza, arquiteto e superintendente de obras públicas, participou de uma reunião em fevereiro na qual especialistas técnicos propuseram um trabalho de remediação no pilar que mais tarde desmoronou, e eles tinham reconhecido que a estrutura da ponte havia se deteriorado entre 10 e 20 por cento. Resultado da incúria: 43 pessoas morreram quando uma grande parte da ponte Morandi desabou durante uma tempestade na terça-feira passada.
Autoridades do governo e representantes da Autostrade per l'Italia (empresa concessionária) informaram que os cabos de aço embutidos nos suportes de concreto que sustentam a estrada foram corroídos em até 20%, segundo a revista de notícias italiana L'Espresso. A ata da reunião indicava que outras partes da ponte mostravam sinais de rachaduras, umidade, materiais destacados, erosão e ferrugem.
O Comitê técnico autorizou o trabalho urgente em dois pilares. Essa reforma deveria começar no final deste ano, mas o Comitê não deu nenhum passo para fechar a ponte ou reduzir o tráfego, de modo a evitar o colapso da estrutura. Ou seja, empurraram o problema com a barriga.
A raposa no galinheiro
Ainda segundo o The Times, o arquiteto Ferrazza foi nomeado presidente da comissão de inquérito criada pelo Ministério dos Transportes. Antonio Brencich, professor de engenharia civil, também estava na reunião e depois se juntou a Ferrazza no inquérito sobre desastres. Os críticos disseram que os dois especialistas enfrentaram um conflito de interesses, já que agora seriam obrigados a investigar seus papéis anteriores. "Chegará o dia em que eles terão que se questionar: quem melhor do que eles para descrever o que aconteceu na reunião de fevereiro", comentou a revista L'Espresso.
O professor Brencich questionou as técnicas usadas para examinar a ponte e advertiu publicamente sobre sua segurança, mas na reunião de fevereiro ele acompanhou as propostas de seus colegas. Se tivesse discordado e denunciado o perigo à mídia, talvez não estivéssemos comentando o acidente. Ferrazza disse: “Se alguém achar inadequado para eu presidir a comissão, estou pronto para me afastar. Mas eu defendo o trabalho do meu escritório. Nós fizemos tudo o mais rápido possível. Infelizmente o tempo não estava do nosso lado.”
Em entrevista a um jornal de Gênova, Ferrazza negou ter sido informado da suposta corrosão de 20% dos cabos de aço da ponte. “Eu desafio alguém a provar isso. É um ponto crucial. O resultado desse bate-boca público é que dois ministros do governo disseram que apoiariam a nacionalização de autoestradas. Um tema que sempre vem à luz, quando tragédias acontecem por inépcia de empresas privadas, concessionárias de serviço público.
Tanto o ministro dos Transportes, Danilo Toninnelli, quanto o ministro do Interior, Matteo Salvini, defenderam que o setor público deveria estar no controle. Algo que vem de encontro ao que todos os especialistas recomendam. Na maioria dos países, os problemas surgem exatamente do excessivo controle ou descontrole do Estado, incapaz de ter uma boa gestão e recursos financeiros para evitar tragédias.
De qualquer forma, no episódio do desabamento não há inocentes, nem na concessionária (que obteve lucros de 10 bilhões de euros em 15 anos), nem no governo, que não fiscalizou adequadamente. Um das maiores tragédias em rodovias da Itália poderia ter sido evitada. Desde que cada um tivesse assumido a responsabilidade que lhe competia. Mais uma crise grave que não deveria ter acontecido, se houvesse um bom trabalho de compliance, de governança e de auditoria. Que desculpas as autoridades vão dar para dezenas de parentes dos 43 mortos no acidente?
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