Alberto Dines no JB“…o jornalismo é uma das últimas profissões românticas… Eu chamo de Arte” (Alberto Dines)

Francisco Viana* e Cláudio Pimentel**

Partiu o grande jornalista, espelho de gerações. Que um dia sonhou em trabalhar em um kibutz, em Israel, e também sonhou em ser cineasta. Inclusive foi a Cena Muda, um semanário de cinema muito popular nos anos 50, que lhe abriu as portas para o jornalismo, iniciado na revista Visão (1952), como repórter cultural. Seu nome: Alberto Dines, que morreu aos 86 anos.

Ele foi um incansável defensor da liberdade de expressão e de imprensa. E o fez de maneira prática, por exemplo, desde que assumiu a direção do Jornal do Brasil, em 1962, criando o departamento de pesquisas do JB e os Cadernos de Jornalismo para discutir ética e técnicas de reportagem. Ficou no JB até 1973, período de maior censura à imprensa. Data dessa época a mitológica notícia sobre o golpe no Chile, com a morte do presidente Salvador Allende.

JB censuradoO censor determinou que a matéria não tivesse nem manchetes e nem fotografias. Insubmisso, Dines deu a notícia com letras no corpo 24, o maior que os equipamentos à época permitiam. Cumpriu a ordem, mas de maneira criativa, driblou a censura e publicou a notícia do golpe, e a morte de Allende foi o único assunto da primeira página.

A rebeldia custou caro a Dines. Ele foi colocado no index pelo regime militar. Não se rendeu. Levou sua experiência para a Folha de São Paulo, assinando a coluna Jornal dos Jornais (voltado à crítica da imprensa); posteriormente, para a Universidade de Campinas, com a criação do Labjor - Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo, nos anos 90; e a criação do Observatório de Imprensa.

Hoje, esse embate parece distante, como um navio que se afasta do porto, mas não deve ser esquecido porque a democracia se deve a pessoas como Alberto Dines, que semeou ideias de liberdade por onde passou – além do JB e da Editora Abril, seu currículo inclui revista Manchete, Última Hora, Diário da Noite e Fatos e Fotos, todos já desaparecidos.

Foi profético ao ver no jornalismo da televisão um grande concorrente da mídia impressa. Foi igualmente profético ao ter como referência o jornalismo de qualidade e a importância do trabalho em equipe. No livro Eles mudaram a imprensa, organizado por Alzira Alves de Abreu, Fernando Lattman-Weltman e Dora Rocha, Dines conta sua movimentada trajetória e fala dos riscos da autocensura, que ele também conheceu.

Combinando a biografia pessoal com a biografia histórica, ele traça vasto perfil da imprensa brasileira e sua influência. Além de jornalista, foi autor de livros imperdíveis como O papel dos jornal: uma releitura; e Morte no paraíso, a tragédia de Stefan Zweig: este dedicado à memória do talentoso escritor austríaco, que se suicidou, no Rio de Janeiro, temendo ser entregue aos nazistas pelo Governo Vargas. Mais uma vez, foi inovador ao denunciar os males dos factoides, que se tornaram precursores das fake news.

O legado do jornalista e escritor Alberto Dines é um marco indelével na história do jornalismo. Não é parte apenas da sua biografia pessoal, é sim a biografia do tempo histórico. E desse legado ficou muitas e preciosas lições. Em Eles mudaram a imprensa, ao falar das diferenças entre o jornalismo de sua época e jornalismo de hoje, Dines adverte: “Não, o problema não é etário. Grande parte dos jornalistas que hoje estão fazendo jornalismo, no seu inconsciente ou nos seus momentos de intimidade, talvez pensem como eu, mas não podem, não se permitem, não se dão ao luxo de se assumir dentro dessas condicionantes que mencionei. E capitulam totalmente diante de injunções, que eu chamaria quase mecanicistas, que são injunções tecnocrática, burocrática e mercadológica. Grande parte dos jornalistas das gerações mais velhas pensa mais ou menos como eu. Mas eu também vejo, por parte de estudantes de jornalismo e de jovens jornalistas, muita receptividade a essas coisas que tenho dito. Sinto um eco. No interior do Brasil, onde a imprensa ainda é muito pior do que a metropolitana, percebo áreas muito sensíveis. O problema não é só o etário, embora a nova geração que está fazendo jornalismo seja muito mecanicista.”

Morre o homem, ficam as ideias. Adeus, Dines.

*Francisco Viana é jornalista e doutor em Filosofia Política (PUC – SP) ** Cláudio Pimentel é jornalista, com MBA em Administração de Negócios (UFBa)

20 anos aprendendo com Alberto Dines

João José Forni*

jornalismo brasileiro BB

Se pudesse definir minha impressão de Alberto Dines, simplicidade seria a primeira palavra, aliada a uma profunda capacidade de falar e discutir sobre qualquer tema, com propriedade e uma erudição ímpar. Isso me impressionou desde o primeiro contato. Apesar da fama de um dos jornalistas mais brilhantes de sua época, quem conheceu e conviveu com Alberto Dines de cara percebia a facilidade de se familiarizar com as pessoas e conduzir uma conversa. Na verdade, era uma verdadeira aula. Ouvia, com a humildade de um novato na profissão. Ele conhecia não só a história do Brasil, a história da imprensa, mas o jornalismo na sua acepção mais completa, tanto do Brasil quanto do exterior. Era fascinante quando se empolgava e discutia os rumos do jornalismo e até do próprio país.  

Quando, em 1994, nós da Assessoria de Imprensa do Banco do Brasil tivemos a ideia de fazer um Seminário de Comunicação que trouxesse palestrantes e professores de renome, para fazer uma reciclagem do pessoal da comunicação, pedimos a colaboração do Dines e do professor Carlos Chaparro. Dines foi um dos primeiros a ser convidado para falar no Seminário. Mas queríamos mais. E ele aceitou prontamente nos ajudar na organização, mediação e condução dos Seminários de Comunicação Banco do Brasil, a partir de 1995. Junto com o professor Chaparro, foram pessoas que fizeram a diferença para o sucesso daquele evento e dos desdobramentos dessa iniciativa.

Era para ser apenas mais um Seminário. Concluído, pela excelência e receptividade das palestras, percebemos que o conteúdo deveria ser preservado. Degravamos todas as palestras, com a intenção de, no momento oportuno, se surgisse, publicar ou pelo menos deixar à disposição dos interessados todo aquele conteúdo inestimável. O Banco do Brasil abraçou a ideia de repetir o Seminário anualmente. Em 1995, junto com o Labjor – Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas, organizamos a 2ª edição do Seminário, com uma temática diferente. Dines à frente. Logo depois, juntamos o conteúdo dos dois seminários e aproveitamos para editar o livro “Jornalismo Brasileiro: no caminho das transformações”, com a íntegra das palestras ou de artigos dos autores, sobre o tema exposto nos dois seminários. O sucesso dessa publicação, distribuída gratuitamente a bibliotecas e aos cursos de comunicação pelo país, foi tanto, que em pouco tempo a edição estava esgotada. O prefácio do livro foi de Alberto Dines, falando sobre “Tendências no Jornalismo Brasileiro”. A íntegra do conteúdo foi, então, colocada à disposição na Internet.

Alberto Dines seminarioAssim começou uma história de parceria que duraria cerca de 20 anos, tendo, ano a ano (com algumas alternâncias), sido realizadas 19 edições do Seminário de Comunicação Banco do Brasil, começando em Brasília, mas também indo para São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro, alguns com a parceria da Previ. Era um evento gratuito, inclusive para convidados do governo. Cada ano, uma temática específica nas palestras, talk shows ou painéis, sempre com o conteúdo posteriormente editado e impresso. Acabou gerando uma coleção de temas, com artigos dos principais nomes do Jornalismo e da Comunicação Empresarial do Brasil.

Quando, anos mais tarde, em 2011, na edição do livro do XV Seminário, com o tema "A importância social da comunicação", Alberto Dines fez a Introdução que chamou de "A ponte entre o mundo interior e o mundo à nossa volta". Nesse artigo, ele recordou como esse Seminário havia se tornado uma referência na discussão dos rumos da comunicação no Brasil. Disse ele: "João José Forni, então Gerente Executivo de Imprensa do banco, não pretendia apenas introduzir um evento anual de confraternização e motivação para os comunicadores da casa. Sua intenção era montar um sistema de espelhos capaz de refletir as tendências e os confrontos do mundo exterior, trazendo-os para o universo da instituição. Queria, ao mesmo tempo, identificar pessoas e projetos que mereciam ser estimulados, amplificados e multiplicados. Um sistema viário de mão dupla, autenticamente midiático - essa foi a ideia que estava subjacente à criação dos seminários de comunicação."

Dines se empolgava com todo o projeto que fosse um desafio e, ao mesmo tempo, um estímulo ao desenvolvimento cultural das pessoas, principalmente os da comunicação. A idade não era empecilho para ele participar de debates, palestras, escrever artigos, com uma capacidade incrível de produção. Mas o que me fascinava na conversa com esse profissional era a vasta cultura geral e o profundo conhecimento de Brasil que ele possuía. Cada minuto em contato com ele, era extremamente precioso, pela experiência e a vontade de debater temas políticos e culturais.

Uma pena que tenhamos perdido esse capital humano e intelectual. Quando penso nisso, percebo a perda que foi não ter despendido mais tempo conversando com esse profissional da comunicação no sentido mais amplo da palavra. A contribuição que ele deu ao País, ao ensino e à prática do Jornalismo, e nos transmitiu no Banco do Brasil, para transformarmos a comunicação muito mais do que numa simples assessoria, foi decisiva. Tenho absoluta convicção de que, se algum sucesso tivemos da década de 1990 em diante, nas ações de marketing e no relacionamento com o público interno e a imprensa, reconhecidos pelo mercado, devemos muito à instigante provocação dessa figura humana e provocadora que foi Alberto Dines.

*João José Forni, jornalista, Consultor de Comunicação, professor de cursos de pós-graduação em comunicação institucional e pública; foi por muitos anos chefe da Comunicação do Banco do Brasil. Autor do livro "Gestão de Crises e Comunicação - O que Gestores e Profissionais de Comunicação precisam saber para enfrentar crises corporativas".

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