Nesta terça-feira, 23, os principais executivos das maiores empresas públicas e privadas do planeta, incluindo as 500 maiores empresas com ações nas bolsas americanas, receberam uma carta de um dos investidores mais influentes do mundo. E o que ele diz é provável que cause uma tempestade nos escritórios das grandes empresas por todos os quadrantes e provoque um debate sobre a responsabilidade social que se estende de Wall Street à City de Londres.
Laurence D. Fink*, fundador e diretor executivo da empresa de investimentos BlackRock, vai informar os líderes empresariais de que suas empresas precisam fazer mais do que ganhar lucros. Eles também precisam contribuir com a sociedade, se quiserem receber o apoio da BlackRock.
O executivo tem credenciais para fazer esse tipo de demanda: sua empresa gerencia mais de US$ 6 trilhões em investimentos lastreados em planos de aposentadoria, fundos negociados em bolsa e fundos mútuos, o que o torna o maior investidor do mundo, e com influência enorme sobre os diretores eleitos ou conselhos das grandes empresas multinacionais.
"A sociedade está exigindo que as empresas, públicas e privadas, tenham um propósito social", escreveu Fink. "Para prosperar ao longo do tempo, todas as empresas não devem apenas oferecer desempenho financeiro, mas também mostrar como isso contribui positivamente para a sociedade".
A carta do CEO pode ter chegado num momento decisivo em Wall Street, que suscita todo tipo de perguntas sobre a própria natureza do capitalismo. "Será um furacão com certeza para as principais instituições que investem o dinheiro de outras pessoas", disse Jeffrey Sonnenfeld, reitor associado da Escola de Gestão de Universidade de Yale e especialista em liderança corporativa. "É ousado para um investidor institucional assumir essa posição em seu portfólio". Sonnenfeld não viu "nada parecido com isso", segundo artigo sobre a carta publicado no jornal New York Times“.
É um refrão que estamos ouvindo cada vez mais de vários bolsões da comunidade empresarial e, na verdade, no ano passado, os líderes empresariais discutiram questões como política de imigração, relações raciais, direitos dos homossexuais e muito mais”, diz o colunista do New York Times Andrew Sorkin.
“Mas para o maior investidor do mundo dizer isso em voz alta - e declarar que ele planeja responsabilizar as empresas - é um exemplo avançado da evolução da América corporativa", diz Sorkin. “O Sr. Fink diz que está contratando pessoal para ajudar a monitorar como as empresas respondem; só o tempo dirá se a BlackRock realmente usa o peso de sua marca para influenciar novas iniciativas sociais.”
Parte do argumento do executivo baseia-se no estado de mudança dos Estados Unidos em relação à responsabilidade social. Ele afirma que, se uma empresa não se envolver com a comunidade e tiver um senso de propósito, “em última análise, perderá a licença para operar a partir da pressão de stakeholders-chave".
“As empresas muitas vezes falam sobre contribuir para a sociedade - às vezes sem convicção -, mas tipicamente isso é encarado como um truque de marketing, destinado a aumentar os lucros ou a estimular os reguladores.” Na carta, ele cobra um "novo modelo de governança corporativa". "Chegou o momento de um novo modelo de engajamento de acionistas - aquele que fortalece e aprofunda a comunicação entre os acionistas e as empresas que controlam."
“A declaração de Fink é diferente porque o seu constituinte neste caso é a própria comunidade empresarial. Em certo grau, ele confronta muitas das empresas em que investiu, que consideram que seu único dever é produzir lucros para os acionistas, um argumento amplamente defendido por economistas como Milton Friedman”, segundo o artigo do New York Times.
"O que significa dizer que "negócios "tem responsabilidades? Somente as pessoas podem ter responsabilidades", escreveu Friedman, quase retoricamente, em 1970, nesse mesmo jornal. Os empresários que falam dessa maneira são marionetes involuntários das forças intelectuais que estão minando a base de uma sociedade livre nas últimas décadas".
O colunista do NYT diz que “na verdade, o Sr. Fink denunciou no passado os acionistas "ativistas" como muito focados no curto prazo. "Se você me perguntou se o ativismo prejudica a criação de emprego, a resposta é sim, ele comentava em 2014. Agora ele está mudando seu discurso."
Segundo o NYT, “Nos últimos dois anos, por exemplo, a BlackRock tornou-se discretamente um espinho cravado na garganta da Exxon. Em 2016, a empresa obteve o apoio de dois diretores como um protesto contra a política de "não envolvimento" da Exxon, que impediu os membros do conselho independente de se encontrarem com acionistas como o Sr. Fink. Então, em 2017, a BlackRock apoiou proposta de grupos de acionistas para aprimorar informações reservadas da Exxon sobre o clima, em parte porque a política da Exxon impedia a empresa de obter uma compreensão completa de sua estratégia de longo prazo e exposição ao risco.”
“A proposta de divulgação sobre o clima finalmente passou e apenas no mês passado a Exxon concordou em publicar relatórios de impacto climático. Talvez ainda mais notavelmente, a Exxon também mudou sua política de não envolvimento e agora permite reuniões entre acionistas e diretores independentes.”
“A BlackRock já começou a se aliar aos próprios investidores ativistas, algo que não divulgou. Um dos seus fundos votou em favor do ativista Nelson Peltz no ano passado em sua luta com a Procter & Gamble. A BlackRock votou a favor de propostas lideradas por ativistas em 19% das lutas que envolvem acionistas no ano passado e esse número provavelmente aumentará.”
Segundo Sorkin, “Em uma reviravolta surpreendente, mesmo investidores ativistas estão assumindo causas sociais. Jana Partners and Calstrs, o gigante sistema de aposentadoria da Califórnia, que gerencia as pensões dos professores públicos do estado (com bilhões de dólares em ativos), escreveu uma carta à Apple na semana passada, exigindo que se concentre mais nos efeitos prejudiciais que seus produtos podem ocasionar às crianças.”
O chefe executivo da Whole Foods**, John Mackey, já se referiu ao grupo Jana como "bastardos gananciosos" quando a empresa o atacava. Mas agora o Grupo Jana ressalta a importância de questões como saúde pública, gerenciamento de capital humano e proteção ambiental e dizendo que "as empresas que buscam práticas de negócios que fazem sentido a curto prazo podem estar prejudicando sua própria viabilidade a longo prazo".
"No caso da Apple", eles registraram: "acreditamos que a saúde a longo prazo de seus clientes mais novos e a saúde da sociedade, nossa economia e a própria empresa estão inextricavelmente ligados".
O executivo Lawerence Fink destaca em sua carta que o recente corte de impostos corporativos, aprovado pelo Congresso americano, poderia seduzir o tipo de investidores ativistas que uma vez denunciou. "As mudanças tributárias encorajarão aqueles ativistas com um foco de curto prazo para exigir respostas sobre o uso de fluxos de caixa aumentados", disse ele, "e as empresas que ainda não desenvolveram e explicaram seus planos terão dificuldade em se defender contra essas campanhas."
Apesar da insistência do CEO da BlackRock de que as empresas beneficiem a sociedade, vale a pena notar que ele não está minimizando a importância dos lucros e, embora seja um ponto sutil, ele acredita que ter um propósito social está inextricavelmente ligado à capacidade de uma empresa manter seus lucros.
*Laurence D. Fink é fundador, presidente e diretor executivo da BlackRock, Inc. Ele também lidera o Comitê Executivo Global da empresa. Fink e sete parceiros fundaram a BlackRock em 1988 e, sob sua liderança, a empresa tornou-se líder global em gestão de investimentos, gerenciamento de riscos e serviços de consultoria para clientes institucionais e de varejo. Hoje, a empresa é confiável para administrar mais dinheiro do que qualquer outra empresa de investimentos no mundo. Fink foi nomeado um dos "líderes mais respeitados do mundo" pela Fortune em 2016, "CEO da Década" da Financial News em 2011 e um dos "melhores CEOs do mundo" por parte de Barron por 11 anos consecutivos.
**Whole Foods, poderosa cadeia de supermercados dos Estados Unidos e Reino Unido, com quase 500 unidades, especializada em venda de alimentos sem conservantes artificiais, cores, sabores, edulcorantes e gorduras hidrogenadas.
Tradução: João Paulo Forni
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Íntegra da carta de Lawrence Fink, da BlackRock