*Rosângela Florczak
Que as redes sociais potencializam acontecimentos negativos e podem transformá-los, rapidamente, em crise para marcas e organizações já está claríssimo para todos os interessados no tema. O último dia do mês de agosto provou, definitivamente, o poder do aplicativo whatsapp na configuração de uma crise. O poder avassalador da viralização de áudios, vídeos e informações sobre a presença de uma bactéria nos frios (presunto, queijo e outros embutidos) vendidos a granel em unidades de um supermercado no Rio Grande do Sul espalhou o pânico entre os consumidores e estabeleceu uma crise séria sobre a reputação da marca de uma das empresas mais tradicionais do Estado.
Tudo começou na tarde do dia 31 de agosto, com a viralização do áudio de uma pessoa que teria um parente trabalhando na área administrativa do Grupo Zaffari e que sabia da descoberta de uma bactéria na fiambreria de uma das unidades. A voz feminina, com sotaque porto-alegrense forte, se disseminou com uma velocidade inimaginável nos smartphones dos gaúchos. Na mesma tarde, as secretarias da saúde do Estado e do Município confirmaram a informação. Em nota, deram detalhes sobre a Listeria Monocytogenes, que poderia causar danos à saúde, especialmente de pessoas com sistemas imunodeprimidos, gestantes, crianças e idosos. Também realizaram entrevista coletiva com a imprensa.
Foram necessários apenas alguns segundos para que o boca a boca, hoje mediado pelo whatsapp, transformasse o tema em assunto/crise do dia. Em uma atitude inédita em sua história recente, o Grupo Zaffari publicou nota de esclarecimento em seu site e promoveu, até mesmo, um recalldos produtos estocados nas geladeiras dos porto-alegrenses. Entretanto, mesmo sendo uma das mais importantes empresas gaúchas, ficou evidente que o grupo só fez o mínimo e que não possui política e processos claros de gerenciamento de crise. Como a grande maioria das empresas mais tradicionais, preferiu não agir sobre o problema na esperança de que o assunto perdesse força e fosse substituído pela crise do dia seguinte. É, pois, possível listar os principais erros cometidos pela marca que já vem chamuscada por eventos críticos recentes de apreensão de produtos vencidos ou mal armazenados em seus depósitos.
Cinco erros cometidos pelo Grupo Zaffari na gestão da crise da bactéria na fiambreria
1. Não ter interrompido a comercialização dos frios fatiados imediatamente e em todas as suas unidades. Essa atitude mostraria para a sociedade que a empresa está mesmo preocupada em apurar os fatos e preservar seus clientes de qualquer risco.
2. Continuar a sua comunicação publicitária sem alteração. No encarte de oferta de produtos que circulou no dia seguinte, 1º de setembro, estavam, entre os produtos ofertados, os itens da fiambreria.
3. Não assumir a condição de fonte sobre a informação, deixando que a primeira nota fosse divulgada pela Secretaria Municipal de Saúde, assim como a coletiva de imprensa, ambas feitas pelas instâncias públicas. Com isso, perdeu a condição de protagonizar a sua própria defesa e explicar, com detalhes, as medidas adotadas para solucionar o problema.
4. Ausência de porta-voz do Grupo. Nenhum executivo e/ou profissional falou em nome do Grupo. Apenas uma nota despersonalizada foi emitida.
5. Ignorar o tema em seus canais de redes sociais. Ao não prestar esclarecimentos para seus seguidos na fanpage do Facebook, o Grupo mostrou indiferença com o tema e acabou tendo que responder dúvidas e até xingamentos dos internautas nos comentários de notícias institucionais positivas. O comportamento das respostas se modificou à medida que os ataques se intensificaram, mostrando que não há uma política clara de gestão das crises da marca nas mídias sociais.
Como a maioria dos assuntos discutidos na arena pública, o tema ganhou viés de polarização. A sociedade se dividiu entre acusação e defesa, prolongando ainda mais os debates acirrados sobre o ocorrido. A marca, aparentemente, aproveitou-se da polarização. Não falou mais sobre o assunto, oficialmente e, no final de semana continuava com a venda ativa nas fiambrerias de suas unidades. Ao que parece, vai ficar esperando a próxima crise chegar.
Quem dera que, pela posição que ocupa, o grupo gaúcho buscasse as boas práticas internacionais no segmento que atua e começasse a levar a sério os eventos críticos e crises que vão, no longo prazo, enfraquecer sua marca e aumentar a intolerância da sociedade e de seus consumidores. Se quiser continuar ocupando a liderança de seu segmento de forma legítima e segura, que olhe para o que a Rede britânica Tesco viveu e como reagiu, em 2013, com a denúncia de presença de carne de cavalo em seus alimentos pré-prontos.
Uma empresa que se pretende líder deve ser referência de honestidade e transparência e, verdadeiramente, reconhecer o que aconteceu, pedir desculpas e tomar todas as medidas necessárias para contornar os transtornos e para não voltar a errar. Está mais do que na hora, portanto, das marcas e organizações brasileiras, líderes de seus segmentos, estabelecerem um processo confiável de gestão de riscos e crises. Esse é o único remédio possível para os vírus e bactérias informacionais que se espalham cada vez mais rápido impulsionadas pela força das mídias sociais.
*Professora da ESPM-Sul, em Porto Alegre; sócia da Engaje! Comunicação Inteligente e MC Consultores Associados.
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