A resposta do mercado foi rápida. As ações do BB lideraram a queda no dia do anúncio da troca de guarda na empresa, com um tombo de 8,15%. Mais do que o índice da Bolsa, pesa a perda de confiança. O Banco do Brasil conseguiu administrar e passar ao largo dos escândalos que ocuparam a mídia durante mais de seis meses em 2005, por conta da CPI dos Correios e o chamado mensalão. A empresa conseguiu a proeza de segregar a crise da área de negócios, mesmo com ampla visibilidade dos escândalos na mídia. Não deixou, pois, a crise contaminar os seus resultados. Isso aconteceu certamente porque optou por uma gestão técnica, evitando, pelo menos nos cargos mais estratégicos, a indicação de pessoas ligadas a partidos. Na mesma ocasião, a Caixa teve que amargar a queda de um presidente, suspeito de ter colaborado no vazamento da conta do caseiro que denunciou o então ministro da Fazenda.
O BB não apenas conseguiu preservar a imagem, como obteve voto de confiança dos investidores, tanto brasileiros quanto estrangeiros. Fez duas ofertas de ações, com ampla receptividade no país e no exterior. Ingressou no novo mercado da Bovespa. Mostrou transparência nos resultados e apresentou lucros crescentes. O mercado, que não é bobo, acompanhou toda essa movimentação e percebeu que realmente na cabeça do banco havia uma gestão eminentemente técnica, que resistia à interferência política. Os analistas recomendavam a compra de ações do BB. O maior beneficiado disso tudo foi o próprio Tesouro Nacional, seu maior acionista.
Desde o início deste ano, o governo vem dando sinais, pelas palavras do próprio presidente da República, de que não estava satisfeito com os spreads bancários. Os brasileiros em geral também não estão. Uma coisa é não estar satisfeito. Outra é tentar interferir, forçar a queda do spread (diferença entre a remuneração paga na captação e a taxa cobrada nos empréstimos), contrariando os estudos técnicos que certamente devem apontar o aumento dos riscos e a necessidade de preservar a remuneração dos acionistas.
Tentar administrar bancos estatais por decreto ou por palpite não dá certo. Tentar regular taxa de juros para fazer média com o povão é pior ainda. A Caixa Econômica e o próprio BB recentemente tiveram que engolir um programa de concessão de financiamento imobiliário para pessoas de baixa renda. Como a Caixa não estava dando conta sozinha, resolveram incluir o BB no pacote, o que foge totalmente ao perfil de cliente do banco. A imprensa noticiou à época “que o presidente Lula deu ordem para o banco participar do pacote de habitação popular”. Então, esse programa não resulta de estudos de mercado, para um banco que tem ações na Bolsa? Não foi uma decisão do conselho de administração? Foi porque o presidente mandou? Como o mercado vai assimilar isso?
Como bem lembrou Carlos Alberto Sardenberg, quando soube da queda do presidente do BB: na década de 90, o Tesouro teve que colocar R$ 8 bilhões na instituição, por conta de financiamentos concedidos com interferência política. Parece que o atual governo não aprendeu com os erros do passado. Até agora, o grande mérito dos últimos anos foi exatamente a indicação de técnicos, que, até certo ponto, blindavam a instituição de interferências políticas, pelo menos nas grandes decisões. Experiências em outras estatais com companheiros, todos sabem no que deu.
Embora a troca de presidente tenha sido por um funcionário de carreira, a forma e o motivo explorado pela mídia são notícias negativas para o mercado, num período de crise, em que os investidores estão com as barbas de molho, muito reticentes em voltar ao mercado de ações. Analistas de mercado, quando começou esse debate em torno do spread, temiam interferência do governo nas taxas cobradas pelo BB e recomendavam cautela na aquisição de papéis do banco. O presidente da República em alguns pronunciamentos informou que determinara a redução de spreads. Imaginem o alvoroço que provocaria no mercado se Obama ou o Brown determinassem redução de spreads em bancos oficiais dos EUA ou Inglaterra. Até para limitar os salários dos executivos, em bancos que sofreram intervenção, eles necessitam negociar com o Parlamento.
E aí? O que tem isso a ver com crise? Tudo a ver, como diz uma certa TV brasileira. O que os acionistas podem entender dessa troca? Aquilo que a imprensa e analistas não escondem: o presidente do BB foi afastado por não ter aceito pressão para baixar os spreads. Nas entrevistas oficiais, naturalmente, a rotina dos desmentidos. O que é isso? Mandar baixar os spreads? Não, absolutamente. Então, por que a troca do presidente? O mercado até agora não entendeu. Se o vice-presidente que está assumindo vai fazer o mesmo trabalho do anterior, não haveria necessidade de troca. O discurso do spread está muito mal explicado. A manchete do jornal Valor Econômico do dia seguinte resume tudo e inquieta: Sob nova direção, BB passa ao controle de Mantega e PT. Péssima notícia para o banco e para o mercado. Quem tem que controlar o BB é a sociedade brasileira, por meio dos conselhos do banco e dos acionistas. O Tesouro, controlador do Banco, não é propriedade do ministro da Fazenda ou do partido que está no poder.
Os acionistas e clientes do BB têm razão em se preocupar. Não estaria a pressão do presidente, com o beneplácito do ministro da Fazenda, colocando em risco a lucratividade e a saúde financeira do BB? Em nenhum lugar, talvez só na Venezuela, presidente da República interfere na taxa de juros de bancos, ainda que oficiais. Quem regula é o mercado. E, no caso do Banco do Brasil e da Caixa, são bancos que tradicionalmente já praticam as menores taxas e os menores spreads, apesar das estatísticas do Banco Central, divulgadas com erro e corrigidas depois. Alguns analistas econômicos chegaram a especular que o Bacen divulgou propositadamente os spreads errados em relação ao BB, para aliviar a pressão que estava sofrendo por conta da relutância em baixar a taxa Selic. Se é verdade, com um Banco Central assim, quem consegue administrar banco público?
A interferência do governo no BB acende uma luz amarela entre os analistas e acionistas. O resultado da empresa agora vai ser acompanhado com lupa, porque ninguém acredita que o novo presidente chegou lá para deixar como está. O discurso de aumentar crédito, é apenas retórica do ministro para não sofrer pressão da imprensa e da sociedade. O que não foi dito nessa troca, é muito mais importante do que aquilo que está sendo dito. Lamentavelmente, como aconteceu em outras estatais, há um cheiro de crise no ar.