Brasília virou um vulcão de crises. Como sempre. Mas ao mesmo tempo um laboratório de como não administrar crises. As estratégias do governo, de políticos e até de empresas estatais ou privadas, quando se veem envolvidos em denúncias graves ou erros que desencadeiam crises, são quase sempre equivocadas. Não é por falta de assessoria, mas muitos governantes e líderes julgam a opinião pública idiota e tentam subverter a verdade com argumentos ou desculpas desmentidos horas depois.
A reportagem publicada pela revista Istoé pode até ser desqualificada pelos porta-vozes do governo. Delcídio pode até dizer que não reconhece o que foi publicado. Podem os políticos que defendem o governo, não importa os erros que este esteja cometendo, dizerem que toda essa denúncia atribuída a Delcídio é um absurdo e não a qualificam como uma delação, porque o Senador teria assegurado aos seus pares que não faria delação premiada. Mas uma coisa é certa: não se pode varrer a notícia que caiu como uma bomba hoje em Brasília para baixo do tapete.
Por enquanto, temos uma reportagem documentada com cópias de documentos e farto material com bastante coerência com tudo que apareceu até agora relacionado ao escândalo da Lava Jato. Não passa de uma reportagem, se quisermos admitir como verdadeiras as negativas do governo e a desqualificação de Delcídio. Mas a gravidade do fato é o "furo" da revista não trazer mais um escândalo de um político qualquer, como nos acostumamos a ver às pencas, desde 2014, quando começou a Lava Jato.
A revista Istoé toca em pontos extremamente graves para a presidente Dilma e também para o ex-presidente Lula. E não faria denúncias tão graves se não estivesse documentada. E ninguém pode dizer, a priori, que todo o conteúdo da reportagem é uma peça de ficção. Até a desqualificação da reportagem precisa ter uma estratégia de resposta. Ponto por ponto. Caso contrário, as dúvidas persistirão. Coerência tem, principalmente pela qualificação da fonte, um ex-líder do governo, que privava da intimidade de Lula e frequentava o Planalto. Informação privilegiada Delcídio tem muita. Se arrependeu-se da delação, é outra coisa.
Além disso, nem a presidente Dilma, nem Lula são intocáveis. Gritar, desqualificar Delcídio, dizer que a imprensa “irresponsável” novamente ataca o governo nada disso irá amenizar a crise. A oposição e todos os movimentos sociais e entidades de classe, e são muitos, que não mais reconhecem capacidade deste governo de resolver os problemas graves do país, receberam farta munição suficiente para colocar Dilma e Lula no córner. Pedidos de renúncia e afastamento da presidente não faltaram hoje no Congresso e na imprensa. A OAB pediu ao STF acesso à delação, se de fato existe, por considerar as denúncias “gravíssimas”.
Comunicados com o verbo “repudiar”, moda em Brasília nas respostas dos inúmeros acusados arrolados ou citados na Operação Lava Jato, não resolvem crises graves. Se Delcídio falou ou não falou, ele, o Judiciário, o Ministério Público, a PGR ou o STF precisam se manifestar de forma objetiva e definitiva para que o país não fique na dúvida sobre a conduta da presidente da República e sobre as interferências de um ex-presidente no governo. Quando uma acusação grave paira sobre qualquer autoridade ou governo, a retórica não é suficiente para desqualificar as fontes ou a publicação e contornar a crise. Exige-se mais.
É preciso desmentir categoricamente, com documentos e evidências, item por item, todas as acusações publicadas. Se para a presidente Dilma governar com crises nas áreas econômica, social e política já é uma tarefa extremante difícil ou quase impossível, até porque tem se mostrado perdida, lenta e inábil, continuar no governo sob suspeita de atos irregulares, má conduta política e outros absurdos vazados na pseudodelação de Delcídio, é uma ameaça à democracia. E não o contrário, como fazem crer aqueles que defendem a tese de que não se deve falar em impeachment. Como se o simples fato de citá-lo já fosse um atentado à democracia.
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