comunicacao confusaPassada mais de semana do estouro da Operação “Carne Fraca”, da Polícia Federal, foi preciso decantar tudo que rolou nesse controvertido processo para tentar analisar o que isso tem a ver com comunicação, com gestão de crises, reputação e imagem.

Uma operação da Polícia Federal, com grande visibilidade e estardalhaço, bateu em cheio na reputação de um setor estratégico para a economia brasileira. A indústria da carne é um dos ramos do agronegócio que ainda passava ao largo da crise econômica, que desde 2013 assola o país. Em 2016, as exportações desse setor representaram R$ 14 bilhões na balança comercial. Em alguns períodos, só o agronegócio se salvou do desastre da economia em nosso país. A PF anunciou a operação como a maior da história da instituição, com mais de mil policiais cumprindo mandados, prisões, apreendendo documentos, levando gente para depor. Enfim, uma verdadeira devassa.  

De repente, por causa de alguns frigoríficos inescrupulosos toda a indústria da carne foi atingida. O ministério da Agricultura, associações de criadores e exportadores, agropecuaristas pularam alto, acusando a PF de exagerar, dimensionar mal e até errar na interpretação de algumas gravações. Ficou um jogo de empurra muito confuso para a opinião pública entender quem estava com a razão. Afinal, comíamos carne estragada, comprometida, vencida? Ou tudo não passava de um arroubo policial?

“Enfim, o que fica evidente nesta inesperada e megassurpreendente crise de que o agronegócio e o País não precisavam é a ausência de governança e de gestão da cadeia produtiva”, disse José Luiz Tejon Megido, Conselheiro Fiscal do Conselho Científico Agrossustentável.

Decantando o imbróglio

Os dois grandes grupos da indústria da carne, BRF e JBF, reagiram imediatamente ao “ataque reputacional” da PF, publicando Notas pagas na televisão, primeiro, e depois nos grandes jornais. Devem ter gastado os tubos nesse esforço de comunicação. Pena que foi em vão. As primeiras Notas, tanto da JBF, quanto da BRF, na sexta-feira, 17, dia da operação, divulgadas pela TV em horário nobre (veja aqui) foram autorreferenciais e vazias por não explicar a crise. Insinuavam nada haver contra o grupo, minimizavam a operação da PF, exaltavam a dimensão da empresa, certificações, mercado,  tradição, "que sempre respeitou..." e ainda contava uma lorota “mais de 100 mil colaboradores comunicarão pessoalmente aos consumidores qualquer desvio isolado ou individual que não esteja em linha com sua histórica qualidade”. Só se forem kamikases. O funcionário que vaza informação confidencial sempre ficará marcado, naturalmente. Ah se todos os empregados denunciassem malfeitos dos empregadores!

No mesmo dia da operação, as ações da JBS e da BRF foram as que mais se desvalorizaram na Bovespa, o que fez o índice Ibovespa fechar o dia com baixa de 2,39%. As ações da JBS foram as que mais caíram, com perda de 10,59%. As ações da BRF ficaram em segundo lugar no ranking de desvalorização, com queda de 7,25%. Com isso, a JBS perdeu em um só dia cerca de R$ 3,5 bilhões em valor de mercado. Foi cotada a R$ 29,3 bilhões. A BRF amargou perda de R$ 2,4 bilhões, passando a valer R$ 30,1 bilhões. Por tabela, a Caixa e o BNDES perderam R$ 1 bilhão com a desvalorização das ações.

Nos anúncios na TV, até o slogan do fundador soava pretencioso: “A gente só produz os alimentos que a gente coloca na mesa da nossa família”. Pode ser. Mas no dia seguinte, sentindo que aquele comercial não agradou e nem explicava o bombardeio da PF, a BRF fez o que devia ter feito no primeiro dia: um “Comunicado Oficial à imprensa” mais completo, rebatendo item por item as acusações (veja aqui). Um “statement” mais elucidativo.

O Grupo abriu o site para amplas explicações sobre cada uma das acusações. Melhorou um pouco em relação ao anterior. Mas mesmo assim, para completar um bom plano de comunicação de crise, onde estavam os porta-vozes da empresa? Em nenhum momento diretores dos grandes frigoríficos apareceram para dar explicações. Nas crises, as empresas e os governos precisam mostrar uma “cara”, não necessariamente o CEO.* A comunicação dos grandes frigoríficos limitou-se às Notas pagas ou postadas nos sites. Elas deixaram por conta do ministro os esforços para apagar o incêndio, uma missão árdua e difícil. Como se eles dissessem, “essa crise não é comigo”.

“O que precisamos urgentemente é de um porta-voz da crise. Um fundamental comitê de gestão da crise. E que todas as informações e o verdadeiro tamanho e dimensão do real problema fiquem limitados ao seu espaço, e não amplificados pela comunicação ou pela manipulação de interesses predadores ou detratores dos interesses do País. A competição global vai tirar imenso proveito do fato, e os consumidores da carne brasileira levaram uma chifrada de desconfiança. O que era sadio ficou com percepção de insalubre”, segundo o conselheiro José Luiz Tejon Megido.

Nas entrelinhas da investigação, apareceram denúncias graves, como a influência dos frigoríficos no Ministério da Agricultura, ao escolher servidores que ficariam responsáveis pela fiscalização das unidades. Executivos da BRF (Sadia e Perdigão) tinham acesso a senha pra entrar no sistema dos processos do MAPA. Típico caso da raposa tomando conta do galinheiro.

Como negar ou minimizar essa crise se as investigações apontaram inúmeras irregularidades em diversos frigoríficos brasileiros, incluindo unidades da BRF (proprietária das marcas Sadia e Perdigão) e da JBS (dona das marcas Friboi, Seara e Swift). Entre os presos pela Polícia Federal, estavam executivos da BRF e um da JBS. Além disso, a BRF teve uma de suas unidades interditadas pelo Ministério da Agricultura: a de Mineiros, em Goiás. Apenas isso caracterizaria uma crise grave.

O ministério da Agricultura, numa primeira entrevista um tanto tumultuada, e depois na pessoa do ministro, assumiu o controle da comunicação, tentando mitigar o estrago da operação nos negócios do Brasil. A bomba foi que vários países, entre eles China, México, União Europeia, Hong Kong, Suíça, Chile, suspenderam as importações de carne do Brasil, causando enorme prejuízo à indústria. No fim da semana passada, 18 países tinham posto restrição à entrada da carne brasileira. Um exército de técnicos do Mapa saiu para apagar o incêndio e o ministro não teve mais descanso. A tentativa foi explicar que as interferências da PF eram pontuais, em apenas alguns frigoríficos e não na indústria como um todo. Que a maioria da indústria trabalha de forma correta. O que pode ser verdade.

A propósito, o desempenho do min.da Agricultura foi o que amenizou o estrago nessa crise. Ele não mediu esforços, nem tempo, para esclarecer que nem toda a cadeia produtiva tinha problemas. Foram duas semanas em que ele fez tudo que foi possível para salvar a reputação carnívora do Brasil. Esse esforço acelerou o processo de liberação da exportação nos maiores compradores, como União Europeia, Hong Kong e China.

Mas o estrago já estava feito. Sabemos que a opinião pública e principalmente clientes estrangeiros se sensibilizam por percepções. E numa guerra entre percepção e realidade, a percepção sempre vence. A realidade defendida pelo MAPA era uma, mas o que chegava lá fora era outra coisa. E isso sensibilizava autoridades de outros países e até mesmo clientes brasileiros.

Nem a imprensa escapou do imbróglio dessa operação. Ela reverberou o discurso da PF, sem qualquer questionamento, como a história de papelão na carne moída. Como diz Carlos Alberto Di Franco, no “Estadão” de 28 de março, “Nós, jornalistas da chamada imprensa de qualidade, não soubemos separar o joio do trigo. Ficamos reféns da narrativa precipitada da PF. Faltaram apuração e edição criteriosa. A Operação Carne Fraca ganhou acordes em lá maior. Foi conduzida com pouco cuidado. Desvios de alguns executivos e funcionários jogaram no lixo a reputação de todas as empresas."

Os estrangeiros ouviram o galo cantar e, não sabendo de onde vinha o cacarejar, por precaução resolveram cancelar compras e desembarques.

Dando nome à crise

Afinal, do ponto de vista da imagem e da reputação, o que significou a Operação Carne Fraca? Nem tanto ao Céu, nem tanto à Terra. Não há como o MAPA dizer que a crise foi maximizada, que a PF errou em não chamar os técnicos para explicar melhor o que estava acontecendo, porque somente naquele ministério foram afastados 33 funcionários, por corrupção, omissão, recebimento de propina. Apenas esse fato já teria manchado a reputação do ministério e do serviço de controle da carne, porque entre eles, pasmem, havia dois superintendentes estaduais, indicados politicamente. Não há como salvar uma reputação com um barulho desses e com aparelhamento.

E da parte dos frigoríficos? Nas denúncias aparecem diálogos comprometedores entre funcionários dos frigoríficos e fiscais, demonstrando uma relação promíscua e sem qualquer responsabilidade com o múnus público a eles atribuído. Eles fechavam o olho para liberalidades no controle da carne, em troca de presentes e gratificações. Os dois lados são culpados. Quem corrompe e quem é corrompido. O que se conclui que nessa relação não há inocentes. Vítimas já podemos lamentar: cerca de 450 empregados demitidos de duas unidades do Frigorífico Pecin, em Curitiba e Jaraguá do Sul(SC), punido e que praticamente fechou.

Os frigoríficos por meio de notas e até mesmo autoridades tentavam salvar a própria pele e a reputação, afirmando que as irregularidades eram pontuais e não tinham a dimensão atribuída pela PF. Nada disso adiantou para as autoridades estrangeiras. O cancelamento de compra, de embarques e de transporte veio em cascata. Muito ruim para a imagem do Brasil no exterior, o segundo maior exportador de carne no mundo, com clientes em 150 países.

Problemas de gestão nos frigoríficos existem, como transpareceu. Eles mesmo dão tiro no pé. Dois frigoríficos (Transmeat e Souza Ramos) que receberam ordem da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) para um recall de produtos, recorreram à Justiça para não fazê-lo. Recall é fato grave. Representa um desgaste na reputação e prejuízo financeiro.

A Senacon informou que, enquanto os pedidos das empresas não forem julgados, elas são obrigadas a recolher os produtos. Caso as empresas não retirem os produtos, elas podem ser multadas em até R$ 9 milhões, multa essa, segundo a secretaria, prevista no Código de Defesa do Consumidor.

“Os excessos da PF devem ser condenados. Mas a corrupção, mesmo pontual e minoritária, deve ser exemplarmente punida. É necessário dar um basta nisso. Quando vamos romper esse ciclo?”, diz Carlos A. Di Franco.

A impressão de todo esse imbróglio é que a verdade teve extrema dificuldade de aparecer, cada um tentando minimizar os desvios éticos dentro do seu quintal. “A renúncia à verdade não soluciona nada, ao contrário, conduz à ditadura da arbitrariedade.”, diz Di Franco. Um dos mantras do gerenciamento de crise é “fale a verdade”, mesmo que dolorida, vergonhosa e onerosa. Obliturar a verdade numa crise piora a percepção, compromete a credibilidade da empresa e desrespeita os clientes. Quando isso acontece, fica claro que “a responsabilidade, consequência direta e lógica dos atos humanos, simplesmente desapareceu. O fim justifica os meios. Sempre”. Esse o cenário que emana todos os dias nas notícias divulgadas no Brasil. E o episódio da carne, que galvaniza o país, demonstrou muito bem.

Em resumo, existem inúmeras variáveis nessa crise. De um lado, um desgaste grande da indústria da carne internamente, porque ficamos sabendo que alguns frigoríficos, não importa o tamanho, mascaravam carne com excesso de água, usavam produtos para dar uma cara nova a peças de carne já vencidas. Corrompiam fiscais. Misturavam carne proibida nas linguiças. E sabe-se lá mais o quê.

De outro, o desgaste internacional da imagem e da reputação do Brasil como um exportador sério. Junte-se a isso tudo, nossa imagem de descalabro econômico, violência, corrupção, doenças transmissíveis e está feito o prato para um tombo monumental não apenas na indústria da carne, mas na economia do país.

E as celebridades-propaganda, que inundaram nossas televisões, jornais, rádio numa caríssima campanha dos dois maiores grupos? Mauro Segura, executivo de marketing e comunicação da IBM, resume bem como se comportaram. Tony Ramos declarou à imprensa: “Eu sou apenas contratado pela empresa de publicidade, não tenho nenhum contato com a JBS”. Mauro Segura contrapõe: "Você tem entrado na minha casa todos os dias, nos últimos quatro anos, dizendo que “carne confiável tem nome: Friboi” e agora vem dizer que não tem relacionamento com a empresa para a qual você entrega a sua credibilidade a cada comercial?" Não há como desvincular a marca dos garotos-propaganda. Fátima Bernardes era a cara da Seara. E, se as empresas venderam gato por lebre, os artistas têm que assumir que também compraram e não podem dizer que não têm nada com isso.

O ministério da Agricultura e os frigoríficos, não importa o tamanho, foram expostos, publicamente, da pior forma, num momento delicado para a economia e o país. Vai levar tempo para consertar todo esse estrago. Por parciais ou pequenas que tenham sido as falcatruas dos frigoríficos, ante o tamanho da indústria, sobressai aqui um pecado recorrente nos negócios, a “ganância do empresário”, sempre querendo lucrar mais, não importam as consequências para a saúde do consumidor. É o tipo de crise que cai no campo da ética. Palavras bonitas, com trilhas musicais sugestivas, depoimento de empregados fazem mais a alegria das agências de publicidade do que realmente sanar o rombo na reputação que toda essa operação causou tanto aos servidores envolvidos, e ao país, no âmbito internacional, quanto à indústria da carne.

*CEO - Chief Executive Officer

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