Samsung galaxy criseA crise que começou a atingir a gigante coreana de eletrônica Samsung, logo depois do lançamento do mais novo produto da empresa, em 2 de agosto, quando alguns aparelhos Galaxy Note 7 começaram a esquentar, emitir fumaça e até explodir, atingiu proporções ameaçadoras nesta semana. Haveria mais de 100 relatos de incidentes semelhantes nos dez países onde o telefone é vendido.

O calvário da empresa começou com queixas de alguns usuários nos Estados Unidos que acusaram superaquecimento do dispositivo, logo após o lançamento. Fotos e até vídeos dos aparelhos danificados por fusão ou até explosão começaram a aparecer nas redes sociais. Essa viralização atingiu a empresa em cheio. Ao acompanhar os relatos de clientes, em 2 de setembro, a empresa convocou um recall de 2,5 milhões de unidades vendidas em dez países (o aparelho ainda não chegou para vendas no Brasil). Até aí poderia ser apenas a troca de uma bateria defeituosa. Mas a crise continuou.

Logo a seguir, em 8 de setembro, a U.S. Federal Aviation Administration recomendou os passageiros de aviões não ligarem e não dar carga nos aparelhos Galaxy Note 7, durante o voo, e nem despachá-los como carga. As maiores cias. aéreas no mundo, inclusive no Brasil, endossaram a recomendação. Em 9 de setembro, a U. S. Consumer Product Safety Commission recomendou aos usuários evitar o uso do aparelho, prosseguindo com recomendação de recall. Começam a aparecer ações de consumidores contra a empresa, na Justiça americana.

Nesta terça-feira (11/10), ante as pressões do mercado, clientes e acionistas, a Samsung anunciou o que o mercado temia: a interrupção total da produção do Galaxy Note 7 e pediu aos clientes para deixarem de usar os aparelhos, desligando-os imediatamente, enquanto investiga novos relatos de fogo nos celulares. Alega questões de segurança, após os casos de explosão começarem a ameaçar perigosamente, não só a integridade física dos clientes, como  a reputação da empresa e a cotação das ações nas principais bolsas. Atribuir o defeito ao fabricante da bateria também não ameniza a crise. A marca que está em jogo é da Samsung e só a ela cabe a responsabilidade pelo fracasso do produto.

O malogro do projeto

A interrupção da produção surpreendeu o mercado. Segundo o New York Times, “O drástico movimento é pouco usual na indústria da tecnologia, principalmente quando há vultosos investimentos. As empresas tendem a aperfeiçoar um produto, em lugar de bani-lo do portfólio definitivamente. O fato é que a Samsung há quase dois meses está batendo cabeça com essa crise. Isso levou investidores, reguladores de segurança e clientes a colocarem em xeque a capacidade da empresa lidar com o problema.

"Ajustamos recentemente os volumes da produção para realizar uma exaustiva investigação e um controle de qualidade, mas, ao considerar prioritária a segurança do consumidor, adotamos a decisão final de interromper a produção do Galaxy Note 7", afirma a empresa sul-coreana em um comunicado.

Antecipando-se à Samsung, empresas como a AT&T americana suspenderam a venda do aparelho nas lojas, o que ocorreu com as principais operadoras não só dos EUA, mas também da Austrália. Na segunda-feira (11) a empresa já havia anunciado que pediria a todos os parceiros globais a suspensão da venda e da troca do smartphone. O que significa isso para a opinião pública? Nem ela confia mais no Galaxy Note 7. Mesmo que viesse a corrigir o defeito, a credibilidade do produto estaria irremediavelmente arranhada.

Analistas do banco de investimento Credit Suisse ouvidos pela Reuters afirmam que uma eventual decisão de não vender mais o Note 7 vai se traduzir em vendas perdidas de até 19 milhões de telefones (25% das vendas globais de smartphones da empresa no segundo trimestre), ou cerca de US$ 17 bilhões (R$ 55 bilhões) a menos no faturamento, montante anteriormente previsto para ser gerado pela empresa durante o ciclo do produto em questão.

Recall não resolveu

Após o recall, a empresa reportou que 60% dos aparelhos na Coreia do Sul e Estados Unidos tinham sido trocados. Mas o recall parece não ter sido suficiente para resolver a crise. A recaída ocorreu no início deste mês, quando, na quarta-feira (5) um aparelho superaqueceu, dentro de um avião da Southwest Airlines, que taxiava na pista do aeroporto de Louisville, o que  provocou uma operação de evacuação da aeronave. Detalhe: esse aparelho havia sido substituído no recall, tendo sido trocado numa loja da AT&T, em 21 de setembro. Incidente semelhante ocorreu no mesmo estado de Kentucky, quando o Galaxy Note 7 pegou fogo durante a noite, sem que estivesse carregando, no quarto de um consumidor, que foi parar no hospital.

Segundo o jornal britânico The Guardian, “O incidente levanta questões sobre a qualidade dos aparelhos substituídos e a eficácia do programa de recall da Samsung.” A Samsung, a princípio, atribuía o aquecimento a baterias defeituosas, explicação essa que pulverizou na mesma velocidade do celular.

“Os clientes que haviam comprado o Galaxy Notes 7 tinham o direito de trocá-lo por uma nova versão do smartphone que não sofrem da mesma falha de bateria. Se esses telefones também são vulneráveis ao mesmo problema, analistas especulam que a Samsung pode ter um problema muito maior em suas mãos”. Ou seja, uma tremenda crise reputacional, financeira e tecnológica.

Em um comunicado um porta-voz Samsung disse: "Enquanto não somos capazes de recuperar o dispositivo, não podemos confirmar que este incidente envolve a nova versão do Galaxy Note 7. Estamos trabalhando com as autoridades e a empresa Southwest agora para recuperar o dispositivo e confirmar a causa. Uma vez que tenhamos examinado o dispositivo, teremos mais informações para compartilhar." Típico de quando a empresa não tem uma estratégia definida ou um plano para a solução da crise.

Essa atitude reativa e conservadora da Samsung é a repetição de casos semelhantes de crise envolvendo defeitos com produtos. A empresa fabricante parece não acreditar que um produto concebido com alta tecnologia, exaustivamente estudado, testado, antes do lançamento, possa apresentar um defeito a ponto de alijá-lo do mercado e causar um prejuízo incalculável. É uma postura de negação da crise, muito comum entre grandes companhias quando surpreendidas por eventos negativos.

Reuniões acaloradas, férias interrompidas e equipes monitorando as redes sociais exaustivamente para rastrear quaisquer incêndios em telefones: a Samsung ainda está tentando desesperadamente limitar o dano de um recall global recorde. A crise é pior que qualquer outra que a empresa já enfrentou, disse um informante da Samsung, que não quis ser identificado devido à sensibilidade do assunto. "Ela impacta diretamente nossos produtos, nossas marcas e a confiança com os consumidores", afirmou.

O que aconteceu com o badalado Galaxy 7?

Segundo reportagem da agência Bloomberg, “a Consumer Product Safety Commission, dos EUA admitiu que o compartimento é muito pequeno e comprimiria a bateria, causando curto-circuitos e superaquecimento. A Samsung assegurou anteriormente que uma falha de fabricação leva os pólos negativos e positivos a entrarem em contato, provocando calor excessivo. A empresa disse em um relatório diferente que um peça de tecnologia que separa os eletrodos pode ter levado a um curto-circuito. Embora a empresa tenha dito, no início, que o problema seria restrito a um único fornecedor, os incêndios foram relatados em peças substituídas. Mas por que alterar o tamanho da bateria? Estender o tempo útil da bateria é uma disputa mercadológica e tecnológica entre fabricantes. Trata-se de um diferencial para o cliente na hora da compra.

Outra explicação da Bloomberg, “o Galaxy Note 7 possui uma bateria maior do que o telefone antecessor. Essa bateria pode armazenar 3500 horas miliamperes/hora (mAh)  de energia elétrica, em comparação com 3000 mAh para a versão Note 5. Mais potência significa mais perigo quando algo dá errado. Ao invés de simplesmente o defeito ser atribuído ao mau funcionamento, estas baterias têm energia armazenada suficiente para pegar fogo ou explodir.”

Nessa disputa feroz pelo consumidor, fabricantes de smartphones buscam compartimentos menores de baterias com mais potência, bem como o recurso de carregamento rápido, o que coloca uma pressão adicional sobre as baterias. Uma série de outros telefones têm essa característica, enquanto o iPhone, por exemplo, não tem.

Arranhão na reputação

Segundo analistas, o defeito na bateria e a suspensão da fabricação do Galaxy Note 7 representa um grande revés para o gigante de eletrônicos sul-coreana em sua batalha com a Apple. O iPhone 7 chegou às lojas em setembro. O Galaxy Note 7 em agosto, pouco antes de a Apple lançar o iPhone 7. A Samsung já perdeu grande parte do impulso que construiu em vendas de smartphones. Em vez de, no momento, celebrar o lançamento de um produto premium, para combater o concorrente, a empresa teve de lidar com as queixas dos consumidores e sentimentos de humilhação dos trabalhadores e, muito provavelmente, com a condenação de um produto que representa, segundo o mercado, um potencial de venda de US$ 15 bilhões.

A pressa em correr para o mercado, atropelando a rival, pode ser a origem da crise da Samsung. Segundo reportagem do New York Times, a empresa ainda não sabe a causa real de os Galaxy Notes 7 pegarem fogo. Engenheiros da companhia não conseguiram replicar o problema que leva o aparelho a explodir, inicialmente atribuído a aquecimento da bateria. Para o New York Times, a cultura corporativa da Samsung pode ser parte do problema.

“Dois ex-funcionários da Samsung, que pediram para não serem identificados por medo de retaliação da empresa, descreveram o local de trabalho como militarista, com uma abordagem de cima para baixo, em que as ordens vinham de pessoas muito acima que não entendiam necessariamente como as tecnologias dos produtos funcionam.” Pior ainda, a reportagem revela que os testadores da Samsung foram ordenados a desligar todas as comunicações para evitar processos.

Ganância mercadológica, pressa, pressão por resultados, tudo isso pode ter contribuído para o malogro do Note 7. No momento, o principal problema da Samsung é encontrar uma resposta para esse tremendo erro industrial; depois, convencer o público de que os seus próximos smartphones serão seguros.

A longo prazo, o tropeço terá repercussão na imagem e reputação da empresa. Também é criticada a forma como se comunicou com os clientes, tão logo começaram a ocorrer as queixas sobre aquecimento estranho dos aparelhos. A Samsung anunciou um recall global do Galaxy 7, em 2 de setembro. No entanto, desde o início houve uma confusão sobre se o recall significava que os usuários deveriam parar imediatamente de usar e recarregar os smartphones ainda em poder deles. Ninguém sabia. 2,5 milhões de clientes que adquiriram o Galaxy 7 ficaram num vazio de informação. Alguns dias depois, em 10 de setembro, a Samsung recomendou aos usuários dos EUA “desligarem” os aparelhos e procurar trocá-los nos representantes. A empresa publicou um vídeo com desculpas pelos problemas.

"Como o Galaxy Note 7 foi retirado do mercado, a Samsung precisa fazer todo o possível para evitar que esse problema a impeça de avançar no futuro. A confiança do consumidor foi absolutamente abalada, e no mercado competitivo de hoje, não se pode dar ao luxo de perder a confiança dos tomadores de decisão em todo o mundo." (Erik Bernstein, PR e analista de Crisis Management).

Não há dúvidas de que esse episódio afetará a marca e, por extensão, outros produtos. Ainda é cedo para quantificar o prejuízo total da empresa. A Samsung admitiu que a retirada de linha do Galaxy Note 7 impactará o resultado do 3o. trimestre em US$ 2,3 bilhões. Pela extensão da crise, esses valores estão subestimados. Na semana passada, a Samsung anunciou que as vendas totais da empresa cresceram 6% no terceiro trimestre, atingindo US$ 7 bilhões, de um total de receita anual de US$ 43.9 bilhões. A empresa vendeu 76 milhões de smartphones no segundo trimestre de 2016.

Gestão da crise da Samsung

Twitter reacao da SamsungApós a Samsung suspender a produção do  smartphone, ela postou um comunicado no site dizendo aos proprietários do telefone para desligá-lo imediatamente e entrar em contato com o fornecedor, onde compraram, para obter um reembolso ou uma troca. Segundo o New York Times, “mas para as pessoas verem essas palavras, elas deveriam clicar em um link na parte superior da home page da Samsung com a etiqueta não tão urgente "Orientação ao Consumidor Atualizado para o Galaxy Note 7." Em 11 de outubro, as instruções ainda não tinham sido publicadas na página do Facebook da Samsung ou na conta de Twitter da empresa.”

Para experts em gestão de crises, ouvidos pelo New York Times, esta seria uma maneira desconcertante e excessivamente passiva para a gigante de eletrônicos sul-coreana lidar com um problema de destaque, que se agravou no último mês.

"Isso deveria ser mais visível – o problema é bastante sério", segundo Andrew Gilman, presidente-executivo da empresa de comunicação de crise CommCore Consulting Group, ao se referir ao aviso na home page da Samsung. A marca precisa “mostrar que se importa (com a crise) e está preocupada" por meio de uma comunicação consistente em seu site, Twitter, Facebook e outros canais sociais, disse ele.

Ainda segundo o New York Times, “Na terça-feira à tarde (dia 11), o tweet postado na conta Samsung Mobile EUA do Twitter, em 15 de setembro, ainda estava dizendo aos consumidores que eles poderiam trocar o velho Note 7 para uma nova versão do telefone (que também não resolveu). Na página do Facebook da empresa, o post mais recente é de 4 de outubro, quando ela compartilhou uma foto de uma estrela do YouTube usando sua nova câmera de realidade virtual. Esse post foi rapidamente bombardeado com comentários sobre como a produção do Galaxy Note 7 tinha sido parada.

"Este é um telefone que pode literalmente pegar fogo e destruir sua casa com você dentro dela", disse Dean Crutchfield, um consultor de marca independente em Nova York. "Eu não acho que isso está sendo destacado o suficiente." Como vemos, por mais forte que seja uma marca, quando crises improváveis surgem, elas ainda têm muito que aprender.

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