eleicoesFrancisco Viana*

À primeira vista, não há dúvidas. Quem perdeu foi o PT, pois o partido encolheu. Um indicador emblemático: seu candidato à reeleição em São Paulo perdeu, e perdeu feio, para o candidato do PSDB, vitorioso já no primeiro turno, fato inédito na história; e nas outras capitais e municípios importantes o partido, colecionando derrotas – elegeu apenas 237 candidatos contra 644 em 2012 – em nada lembra o fato de ter por 13 anos governando o país. Com o PT, naufragaram também lideranças históricas, como por exemplo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de Marina Silva, da Rede, que se eclipsou em meio à avalanche de rejeição aos candidatos de esquerda ou com linguagem que tivesse alguma afinidade com tal tendência.

Mas o grande perdedor, independente de siglas, foi o marketing político. Perdeu influência e os altos salários do passado se transformaram em mera lembrança, não mais constituindo o princípio e o fim de organização das campanhas. No caso do PT, a imagem na sociedade, antes entendida como um partido com ideais e princípios, declinou ao ponto de um dos seus principais líderes, Tarso Genro, passar a defender a renúncia da cúpula partidária. O partido está ameaçado de se dissolver? Ocorrerá uma dissolução ou refundação? Continuara a ser o catalisador do pensamento de Esquerda? Seja qual for a resposta, não se pode desconsiderar que o eleitor está aprendendo a votar votando. E isso é real: insatisfação contra Michel Temer não é uma repetição do que aconteceu com Dilma Rousseff?

Sem a genialidade de João Santana, atropelado pelas investigações da Lava Jato, a estrela do PT perdeu brilho e praticamente se apagou. Teria se apagado rapidamente, é certo. Mas o mito do marketing se desfez. Seria necessário, refiro-me ao PT, que um dia tocou o coração do país com a mensagem de que “a esperança venceu o medo” ( que logo mostrou ser apenas um slogan publicitário) uma rigorosa autocritica e veemente revisão dos seus métodos, sobretudo a condenação pública da corrupção e a mensagem comunicacional voltada para a solução de problemas práticos e árduo trabalho de conscientização, além, é claro, da política de alianças.

Nada disso aconteceu ou pelo menos foi insuficiente, para prestar contas à vivacidade do pensamento moral do cidadão comum, aquele que é influenciado pela mídia, não questiona as notícias e vota no candidato que lhe parece ser mais convincente. Em nosso entender, o mundo da vida racionalizada possibilita o crescimento da consciência do eleitor e não adianta fugir da realidade, pois os fatos se tornam autônomos e ricocheteiam de modo destrutivo sobre o próprio mundo real, se as acusações não merecerem respostas imediatas e verdadeiras, isto é, ter o lastro em fatos.

Foi o que certamente ocorreu com a prisão do ex-ministro (Fazenda e Casa Civil) Antonio Palocci. Se somadas a muitas outras anteriores como teria influenciado o eleitor, em um universo em que se acentua a midiatização do mundo da vida? O PT deveria ter pensado nessa questão midiática há muito tempo, desde o caso do chamado mensalão, pois suas consequências, no entender do filósofo Habermas, delineiam as condições formais do agir comunicativo. No início, passam desapercebidas, no momento seguinte atingem de morte a reputação. Foi o que aconteceu com a prisão do ex-ministro, militante histórico contra a ditadura e fundador do PT, José Dirceu. Pensou-se que ele poderia não ser confundido com o partido. Foi uma forma errada de análise. A fórmula da objetividade não prevaleceu. Tanto predominou a subjetividade que o partido trincou e perdeu prestígio junto às massas.

Assim, ficou com o pensamento conservador a responsabilidade de explicar a quase totalidade do real, sem que a esquerda reunisse condições para fazer ouvir a sua voz. E o que diz  sua voz: não me refiro à linguagem formal, mas à linguagem que transpira da confiança que inspira ou que quem falar representa. O caso de São Paulo é o que mais preocupa: se no passado a esquerda era perseguida, hoje simplesmente é tratada como se fosse um atavismo e desconsiderada. Nesse ponto, o fracasso do governo Dilma teve o condão de atrasar a história por um tempo impossível de ser calculado, com desdobramentos que sequer ainda é possível avaliar. E o que é igualmente desalentador.

Quem é a grande massa de eleitores que não votou, fosse por não ter comparecido às urnas ou por ter votado branco ou nulo (cerca de 30% do eleitorado)? Para que lado tende a pender esse incógnito personagem, o eleitor que não votou? Ele já tinha se feito presente antes, na eleição presidencial. Foi esquecido, como se não existisse. Hábito muito comum desse nosso tempo em que se constrói com dificuldade, se deleta com facilidade.

Num plano mais amplo, pode-se argumentar que as eleições espelham um país sem filosofia política e mesmo sem filosofia moral, mas um país pragmático. A referência marxista, que sempre foi frágil, rapidamente foi substituída pela filosofia do resultado. É uma prática que atinge, sobretudo, o mundo da representação política que não se sente responsável com problemas do calibre da violência urbana, elevado custo da justiça e o desemprego. Não se ouve uma única voz falando em reformar o país, nem resgatar a confiança de um cidadão esmagado pela crueza do dia a dia. Onde está a esquerda, que devia ser uma voz ressonante agora quando há uma crise política e economia de resultados imprevisíveis?

Este momento da vida política brasileira ganha, possivelmente, uma importância sintomática. Ele marca um período de declínio da ideologia de esquerda e pode levar o país a uma guinada conservadora. Caso a esquerda fique isolada e não tenha espaço para participar do processo político, qual seria o caminho a seguir?  O monólogo, como tem ocorrido desde as revolução de 1930 e os golpes de Estado de 1937 e 1964? O monólogo não interessa. Somos o país do monólogo. Se o oponente incomoda, de prende, mata, arrebenta. Onde chegamos? Ao nada. Adiamos a solução dos problemas, um após outro em nome do monólogo, o anticomunismo, o antimarxismo, o anti-tudo que fosse a favor do progresso social.

O país pensou em acabar a história, tal como fizera Portugal no século XVIII. O que conseguiu? A história não acabou, como previa Hegel no século XIX e o norte-americano Francis Fukuyama, quando, ao ver a queda do Muro de Berlim, reafirmou, primeiro com um artigo, depois com a obra “O fim da história e o último homem”. Pelo contrário, parece que recomeça, com novas questões para antigos problemas. Por exemplo, como não matar a identidade partidária? Como manter a coerência num mundo povoado pela incoerência? Como não ceder às alternativas ilusórias, como por exemplo ser corrupto na prática, mas não no discurso? Como aliar teoria e prática, eis a questão, que envolve em particular a esquerda, uma vez que a direita é por natureza incoerente. Como fazer conviver ordem com liberdade ou a liberdade, melhor dizendo, com a ordem?

Claro, pode-se evitar o pior, modelar uma alternativa de país, mas isso vai exigir recriar a arte da política. Não a partir do choque entre aqueles que se acusam mutuamente de corrupção, que procuram se posicionar como salvadores da pátria ou querem calar toda voz que soe como oposição ou ameaça à ordem. As esperanças agora, mais do que nunca, repousam sobre a política. Uma política ética, que seja guardiã do Estado e alicerçada nas leis. Essa a grande lição que se projeta da República de Platão aos nossos dias: o Estado precisa ser balizado pela ideia do bem comum. Isso não acontecerá enquanto as responsabilidades individuais e coletivas não se façam sentir. Nesse contexto qual seria o papel da ética? Pode-se pensar em bem comum sem antes se pensar em ética? Pode-se pensar em ética e teimar em iludir o cidadão com imagens e palavras?

É necessário assim levar a sério a derrota dos marqueteiros. Não por causa dos profissionais de marketing. Eles erraram, mas comandam campanhas com autorização dos candidatos. Não tinham autonomia. São apenas profissionais criativos que se colocaram à disposição de políticos que se filiaram ao espírito do tempo – não ter compromisso com as palavras. Se desapareceram ou se tornaram muito menos presente nessas eleições, foi por falta de recursos dos candidatos e da autêntica caçada que vem sendo empreendida contra o Caixa 2. A questão que fica é essa: os marqueteiros se tornaram supérfluos nas campanhas porque os candidatos desejam falar a linguagem do eleitor, sem concessões à ilusão, ou se trata de um acontecimento passageiro, datado pelas circunstâncias? O tempo, o senhor da razão, dirá. Logo o eleitor saberá.

*Doutor em Filosofia Política.

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