Qual o papel da diretoria numa crise? Uma nova pesquisa sugere que esse papel não é suficientemente bem compreendido e precisa de muito mais atenção. Um contato mais próximo com a sala da diretoria, principalmente em momentos decisivos para a empresa, mostra uma vulnerabilidade preocupante em torno de preparação e prevenção de crises.
É com essa provocação que o especialista em Issues and Crisis Management,Tony Jacques, diretor da empresa australiana de gerenciamento de crises Issue Outcomes, comenta estudo da Consultoria Deloitte, que pesquisou as atitudes de administradores – não executivos - em todo o mundo, quando afetados por fatos negativos graves. O resultado revela uma grave lacuna quando se trata de preparação para crises e planejamento.
A pesquisa constatou que mais de três quartos dos membros dos conselhos diretores acreditam que a empresa pode lidar com uma situação de crise, no entanto, menos de metade estão confiantes de que estão devidamente preparados. Apenas 49% dos pesquisados admitem que a empresa monitora crises e tem sistemas de comunicação para detectar potenciais crises - ou tem um "manual" para prováveis cenários de crise - e ainda menos (34%) puderam assegurar que suas empresas se engajam em simulações de crise e treinamento. E mais: embora 73% dos diretores pesquisados apontem a reputação como a única grande vulnerabilidade na crise, apenas 39% tinha um plano para isso.
Enquanto a pesquisa procurou saber a opinião dos membros dos conselhos em todo o mundo, a resposta dos administradores não executivos na Austrália, por exemplo, foi particularmente preocupante. Apenas 11% avaliaram a capacidade da sua organização para responder a uma crise como "muito eficaz" e apenas 17% acreditam que "extensivamente" identificam os riscos potenciais que poderiam criar uma crise. Pior, apenas 3% dos membros dos conselhos na Austrália admitiram que a organização era "muito capaz" na prevenção de crises.
Globalmente, o cybercrime foi identificado pela gestão das empresas como a segunda área mais vulnerável, e um estudo à parte reforçou esse risco. Uma nova pesquisa britânica com quase 200 profissionais da área de segurança cibernética descobriu que quase metade dos pesquisados acredita que os Conselhos de Administração de suas empresas têm grande dificuldade na compreensão do risco de cyberataque, ou simplesmente não entendem o risco na sua completude. A pesquisa também descobriu que eles acreditavam que a equipe de executivos seniores da empresa também não tem consciência do risco inerente ao cyberataque, e que os principais fatores para confundir a estratégia de segurança cibernética foram restrições orçamentárias, conscientização de segurança pobre e falta de compreensão da ameaça real.
A revista Forbes fez uma pesquisa no ano passado e constatou que a maioria dos CEOs das grandes organizações consideram o cyberataque hoje como a segunda maior ameaça a uma organização, só perdendo para os desvios de conduta dos executivos, como crimes do colarinho branco. Em 2015, em evento realizado em Londres e São Francisco com especialistas da área, o cyberataque foi apontado como a maior ameaça ao setor financeiro. 36% dos participantes manifestaram-se muito preocupados com a sucessão de ataques perpetrados por hackers nos sistemas de grandes organizações.
O importante papel dos conselhos de administração ou diretor das empresas na gestão de crises não deveria ser uma surpresa. Por exemplo, após o falso alarme da contaminação que teria atingido a empresa de produtos lácteos Fonterra*, em 2013, na Nova Zelândia, a investigação oficial concluiu que o Conselho deveria "explicitamente aceitar" responsabilidade pela supervisão de melhoria do sistema e deveria desenvolver o seu próprio protocolo para a gestão de crises, diz Tony Jacques.
Da mesma forma, o inquérito sobre o incêndio e explosão na refinaria da British Petroleum, perto de Houston, Texas, em março de 2005, que deixou um saldo de 14 mortes e 100 feridos (não confundir com a explosão da plataforma Deepwater Horizon, da British Petroleum, em 2010, no Golfo do México), uma crise pouco divulgada no Brasil, claramente atribuiu a responsabilidade à diretoria que estava a 8 mil km de distância, em Londres.
Então, o que pode ser feito pelos profissionais de gestão de problemas (ameaças) ou gestão de crise para melhorar a preparação da organização e da diretoria? Pelo menos parte da resposta está em uma outra conclusão do estudo da Deloitte. Menos de metade dos membros dos Conselhos pesquisados globalmente relataram que haviam se envolvido com a administração para entender o que tinha sido feito para apoiar um programa de preparação para crises, e apenas metade dos conselheiros e gestores tiveram discussão específica sobre prevenção de crises.
Conclui o articulista: “Isso é um estado preocupante na área de administração das empresas. Melhorar o engajamento entre a administração e o “board” das empresas, certamente, não é a resposta completa. Mas certamente seria um bom lugar para começar.”
* Fonterra é um grupo neozelandês de produtos lácteos, que em 2013 enfrentou uma crise grave com suspeita de contaminação por botulismo no leite utilizado em alguns produtos. Testes mostraram indícios de botulismo em alguns lotes de produtos. A empresa teve que fazer um recall em pelo menos mil toneladas de produtos em sete países. O que tornou essa crise grave é que entre esses produtos que utilizaram o leite estavam alimentos para crianças.