crise nos transportesQuanto custa ao País e principalmente aos brasileiros o péssimo serviço de transporte público e a gestão do trânsito oferecidos pelos governos? Engarrafamentos monumentais, centenas de milhares de carros e ônibus nas ruas das grandes cidades. Poluição e desperdício de combustível. E milhões de brasileiros perdendo parte de sua vida para se locomover pela manhã e à noite por diferentes meios de transporte, quase sempre superlotados e desconfortáveis.

Essa é uma crise agravada cada vez mais pela má gestão dos recursos públicos e pela falta de planejamento. Por mais dinheiro que o país coloque em projetos bilionários, não importa quem seja o governante, não há contrapartida para o trabalhador em melhorias do sistema. O transporte público nas grandes capitais brasileiras continua de péssima qualidade. Assim também nas principais cidades do interior. É um problema econômico e social. Mas também é um problema cultural. Parece que nos acostumamos a um sistema de transporte falho e ineficiente.

Boa gestão e soluções simples

Essa reflexão vem a propósito de exemplos tão simples e funcionais que a gente consegue ver no exterior, em cidades da Europa, algumas que há 70 anos estavam completamente arrasadas pelos bombardeios da II Guerra Mundial. Para falar apenas de uma, Viena, capital da Áustria. Viena, uma cidade de pouco menos de 2 milhões de habitantes, se transformou em porta de entrada para o Leste Europeu. Além de cidade turística, atraindo cerca de 12 milhões de visitantes por ano, é a sede de várias organizações internacionais e um importante pólo cultural.

transito em VienaEm Viena, parece que as pessoas não têm pressa. Não se veem engarrafamentos, nem atropelos, nem carros em alta velocidade. A convivência harmônica entre os carros, poucos nas ruas, ônibus, VLT (veículos que trafegam nos trilhos, com três ou quatro vagões) na cidade, motociclistas e ciclistas, trafegando nas mesmas pistas e respeitando a faixa de pedestres é de causar inveja ao brasileiro, acostumado ao barulho ensurdecedor, às 'fechadas', aos atropelos e buzinas dos "motoqueiros", à disputa estúpida para ver quem consegue ultrapassar quem e total desrespeito aos pedestres e ciclistas. A integração perfeita entre os vários modais, trem, VLT, metrô, ônibus, carros é apenas parte da solução do transporte público da Áustria.

Nos subterrâneos da cidade, o metrô funciona numa perfeição suíça, dando outra opção de transporte a quem quiser se locomover protegido do frio, rapidamente, para qualquer lado da cidade, inclusive na periferia, além do rio Danúbio. Como explicar que essa cidade teve cerca de 50% dos prédios públicos e residenciais destruídos até 1945, durante os bombardeios da última grande guerra? Nem a Igreja de Santo Estevão, monumento nacional, escapou das bombas, tendo uma de suas torres, o campanário e parte do prédio destruídos.

Como os austríacos, assim como aconteceu com os alemães, conseguiram reconstruir e transformar essa cidade de dois milhões de habitantes num exemplo da convivência da modernidade, do progresso, da tecnologia com os mais simples anseios de qualquer cidadão. Levantar pela manhã, chegar rapidamente ao destino, seja longe ou perto. E, no fim do dia pegar o transporte público e chegar em casa em 15 ou 20 minutos. É um sonho de todo o brasileiro, de qualquer trabalhador das grandes cidades, que depende do transporte público hoje.

Seis horas por dia, 50 dias por ano desperdiçados

Renata mora em Duque de Caixas(RJ), na baixada fluminense. Gasta 3 horas para chegar à zona sul do Rio de Janeiro e mais duas horas e meia para voltar, utilizando dois ônibus. Antonia mora em Planaltina, no entorno de Brasília. Levanta às 5 horas, caminha 30 minutos para pegar um ônibus e levar duas horas para chegar ao Plano Piloto, no centro de Brasília. No fim da tarde, mais 2 horas e meia na volta, entre esperas na parada, engarrafamentos e caminhada.

As duas simbolizam o brasileiro médio que usa transporte público todos os dias de Manaus a Porto Alegre. O que elas poderiam fazer nessas cinco ou seis horas diárias que perdem dentro dos ônibus ou trens urbanos? Muitas coisas. Estudar, ler, cuidar de casa, da família, se dedicar a outra atividade, para melhorar a renda, se divertir. Ou descansar, apenas. Multiplique-se essa perda por 30, 40 milhões de pessoas. E teremos uma crise de proporções gigantescas, porque essas pessoas não conseguem se atualizar, estudar e se preparar para os desafios que estão vindo por aí. É uma geração que está se perdendo, não importa o nível de renda.

Literalmente, o país está surrupiando, confiscando dessas pessoas 50 dias por ano. Sem dar absolutamente nada em troca. É um incrível desperdício de tempo e de atraso para essa população. Segundo pesquisa da CNI, hoje, quase metade da população que se desloca diariamente utiliza transporte público, seja para ir ao trabalho ou à escola. Um quarto dos brasileiros (25%) utiliza algum tipo de transporte público.

Significa, portanto, que essa massa de brasileiros, calculada em 50 milhões de pessoas, não têm tempo, condições, vontade (porque muito cansadas) e oportunidade de fazer o que bem entendem com seu tempo. É um preço muito alto que o país cobra dos cidadãos que pagam a maior carga tributária do mundo.

Entra governo, sai governo, continuamos cada vez pior. As obras faraônicas, a maioria com milhões de reais desviados em propinas ou desperdício puro e simples, não resolvem esse dilema. Porque são projetadas para encontrar soluções para o automóvel ou para o bolso do governante ou do político e não para as pessoas.

Voltando a Viena, mas que poderia ser Londres, Paris, Praga ou Amsterdã, para ficar apenas na Europa, como os governantes encontraram soluções rápidas, práticas e econômicas para proporcionar transporte de qualidade? Não bastassem todos esses meios de transporte, nos países desenvolvidos os trens têm um papel decisivo. Eles são uma boa opção para quem deseja apenas trabalhar na cidade grande e residir na periferia ou até mesmo em outra cidade. Num processo inverso ao do Brasil, na Europa ocorre de as pessoas desejarem morar fora da cidade, num lugar mais agradável e livre de poluição. E podem se deslocar tranquilamente das cidades, não importa se nos dias de trabalho ou feriados, porque não há engarrafamentos. No caso brasileiro, as pessoas fugiram da cidade pelo preço dos aluguéis e dos demais serviços e acabaram sitiadas em megalópoles, com difícil acesso à cidade grande, onde estão os empregos, como é o caso de São Paulo e Rio de Janeiro.

Há muita gente que torce o nariz para comparações do Brasil com os bons exemplos do exterior. Vez ou outra, governantes e parlamentares visitam outros países para buscar alternativas para o país com esses exemplos de uso racional do dinheiro público em obras que realmente foram feitas para ajudar o cidadão. Isso mostra respeito pelas pessoas e compromisso do governante. Aqui, enquanto tivermos governantes que só se lembram dos gargalos do trânsito nas eleições e depois fingem que não é com eles, e empresários interessados sempre em ganhar mais, continuaremos dia a dia a transformar nossas cidades num verdadeiro caos e, o pior, a surrupiar o precioso tempo de milhões de pessoas que, infelizmente, não têm outra opção de transporte.

Fotos: Trânsito congestionado em S. Paulo e Viena, Áustria.

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