A sucessão de Notas que o Instituto Lula tem divulgado desde que surgiu e se agravou a denúncia sobre imóveis adquiridos ou usados pelo ex-presidente Lula, com o beneplácito de empreiteiras, é um exemplo clássico do que não se deve fazer ante uma ameaça de crise.
Para iniciar, respostas a crises devem ser assertivas, transparentes, verdadeiras e definitivas. Não existe meia resposta ou um ensaio de resposta. Quando um evento negativo começa a tomar contornos de crise é hora de agir. Dependendo do fato, uma entrevista bem construída, precedida de um Q&A, treinamento de perguntas e respostas bem estruturado, pode ser uma boa solução.
Mas entrevistas nem sempre significam a melhor alternativa nas crises. Em muitos casos, nem são recomendadas. A gravidade da situação irá definir qual a melhor estratégia, se uma coletiva, um Comunicado ou até mesmo entrevista exclusiva. No caso de Lula, não funciona, para se contrapor à crise, militantes, advogados, ministros, presidente do partido ou quem quer que seja denunciarem uma “conspiração” para desconstruir Lula, pelo fato de ele representar uma ameaça a oposição em 2018; ou que estão “tentando derreter” o petista ou algo semelhante.
Todos sabemos, após a prisão e condenação de militantes estrelados do PT, que o Lula é a bola da vez. Historicamente, a imprensa brasileira é conservadora e tem extrema dificuldade para aderir a movimentos de massa ou apoiar projetos populistas, como está na raiz da história de Lula. Quando sindicalista, ele se serviu bastante da imprensa que combatia a ditadura. Mas ao assumir a presidência, resolveu, sempre que possível, cutucar a mídia a ponto de classificá-la, hoje, como o maior partido de oposição. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra.
O que importa do ponto de vista da crise enfrentada por Lula são os fatos, não as versões. E nem o que os militantes, advogados, oposição ou imprensa acham. É assim que, do ponto de vista da boa Gestão de Crise, as acusações contra Lula devem ser encaradas. Para isso são necessários argumentos convincentes, documentação e ir para o confronto contra as versões divulgadas pela imprensa ou denunciadas pelo MP. Tentar se contrapor à crise com o já gasto argumento de que querem acabar com o PT e seus mitos não funciona, como provam as ações da Lava Jato contra estrelas coroadas do partido, além de lobistas, burocratas e empreiteiros amigos, até agora todas elas respaldadas pelo STJ.
Ao constatar que entrevistas ou pronunciamentos de Lula, declarações de admiradores, políticos ou militantes não estão conseguindo conter a avalanche de denúncias que recaem sobre o ex-presidente, a estratégia escolhida foi utilizar o Instituto Lula para centralizar a defesa da reputação do ex-presidente. Pelo menos a defesa oficial. Até porque manifestos, desagravos e quejandos fazem algum barulho nas redes sociais, mas não resolvem a crise, se ela for grave. “A comunicação de crise tem o poder de reduzir o dano provocado por um evento de crise. Não espere numa crise que a história seja publicada como se tivesse sido escrita pela sua equipe de relações públicas”, preconizam os especialistas. (1)
O Instituto adotou a estratégia de responder às acusações por meio de Notas, de forma pontual. Publicada uma denúncia sobre a aquisição do apartamento triplex em Guarujá, o Instituto divulgou Nota. Assim também com o sítio em Atibaia e outras denúncias correlacionadas. Mas a imprensa não se satisfaz apenas com versões oficiais, principalmente se elas são frágeis. E continua apurando outros fatos relacionados aos negócios do ex-presidente ou familiares. Nesse momento, se as versões não têm um sólido fundamento, com documentação e consistência, não precisa muito esforço para aparecer testemunhas que se dispõem a contar outras versões. E a mídia vai atrás. Esse é o jogo em que Lula está envolvido nesse momento.
A imprensa ouviu moradores, porteiros, mutuários prejudicados pelo Bancoop, essa cooperativa de araque que não conseguiu terminar 40 empreeendimentos, deixou 6 mil mutuários no prejuízo e se transformou numa cooperativa para arrecadar contribuições para campanhas políticas, segundo o MP de São Paulo. Os jornalistas foram procurar fornecedores de material ou eletrodomésticos para os imóveis para confirmar as presenças de Lula e família no edifício. Checaram e constataram 111 viagens de Lula ao sítio em Atibaia, em quatro anos, e a quantidade de seguranças que se deslocava para lá, nos fins de semana. Não vimos ainda uma explicação convincente do ex-presidente sobre essas viagens. Enfim, nessa hora a imprensa escrutina até o lixo da casa, se for preciso.
O fato acabou indo para as primeiras páginas unicamente porque trata-se de Lula. E porque a imprensa encontrou contradições, versões que não batem, e que não foram bem explicadas. E é isso que Lula precisa desmontar ou desconstruir se quiser acabar com a crise que o ameaça. Queixar-se da mídia e desconjurar a oposição não ajudam a explicar o imbróglio dos imóveis nesse momento.
Pode ser até que a mídia, como acusam os militantes, esteja interessada em acabar com a carreira política de Lula ou manchar sua biografia. Ao tentar investigar e expor onde estão as contradições naquilo que Lula e o Instituto dizem sobre os imóveis. Quando a resposta pinga em conta-gotas, conforme o avanço das denúncias, deduz-se que há dificuldade para construir uma versão consistente. Se está tudo correto, basta explicar, muito bem explicado e estamos conversados. Essa tentativa canhestra de produzir documentos que explicam mal, tanto a aquisição do apartamento, quanto o uso do sítio de Atibaia, e não ajuda a desanuviar o momento do ex-presidente, nesse momento de fragilidade, acaba fornecendo mais munição à mídia e à oposição para continuarem a cutucar esse passivo para ver se pega.
Segundo o colunista da Folha de S.Paulo Josias de Souza, “Nas notas do Instituto Lula, a verdade não só é muito mais incrível do que a ficção como é muito mais difícil de inventar. Tamanho é o desejo de criar uma verdade particular para Lula, que os textos mentem mal. Ao tentar remendar a situação, deixam as mais espantosas pistas.”
Falta explicar - inclusive por parte da OAS - por que uma empreiteira resolve investir R$ 777 mil na reforma de um apartamento triplex, além de R$ 380 mil em mobília (incluindo a cozinha) numa praia de S. Paulo, para oferecê-lo graciosamente ao primeiro comprador que chegar, admitindo que não fosse para o ex-presidente. Se a maioria dos mutuários da construtora não recebeu os apartamentos, por que um deles mereceu esse mimo? Tudo isso, num prédio de aparência bastante simples. Por que outra empreiteira reformaria um sítio em Atibaia, ainda que seja de propriedade dos amigos de Lula? Ou as empreiteiras agora estão fazendo obras de caridade nas praias e na zona rural de S. Paulo?
As notas emitidas pelo Instituto limitam-se a tentar desconstruir as reportagens com argumentos tão simplórios que não precisam de 24 horas para serem desmontados. Como aconteceu com a história mal contada pelo advogado de Lula, em entrevista ao “Jornal Nacional”, da Rede Globo, dizendo: “não tenho a menor ideia se houve essa reforma e quem fez essa reforma” e assegurando que o casal tinha apenas uma cota no edifício Solaris; e se desfez desse bem. Essa versão acabou desmentida pelo próprio Instituto, no dia seguinte, com uma nova versão para a história da compra, agora divulgada no site do Instituto, sob o pomposo título: “Os documentos do Guarujá: desmontando a farsa”. Ora, qual a credibilidade dessas notas, se as anteriores se dissolvem poucas horas após a divulgação?
Até mesmo a ficha de inscrição de D. Marisa, no projeto do prédio, apresentada à imprensa nessa nota, já começa a ser posta em xeque, por ser completamente diferente das utilizadas por outros condôminos do Bancoop, que passaram pelo mesmo cadastramento. Qual será o próximo capítulo? Se a estratégia – como se recomenda nas crises – foi assumir o controle da Comunicação, o Instituto Lula até agora não conseguiu.
Como diz Josias de Souza, no artigo citado, “Sempre tão loquaz, Lula deveria convocar uma entrevista para assumir sua própria defesa. Só um suicida terceirizaria a tarefa ao didatismo revolucionário dos redatores do Instituto Lula”.
Atualização do artigo em 04/02/16: O Jornal Nacional da Rede Globo informou na edição do dia 3 de fevereiro que a mesma loja, localizada em S.Paulo, forneceu instalações e móveis para cozinha tanto do apartamento triplex, de Guarujá, investigado pelo MP de S.Paulo, quanto para o sítio de Atibaia. E mais: a compra para os dois locais foi paga pela Construtora OAS, conforme Notas Fiscais mostradas pela reportagem. A informação também foi publicada em O Estado de S. Paulo, de sábado, dia 30/01. Mais uma informação importante que mostram uma relação bastante suspeita entre o ex-presidente e a Construtora.
(1) Gestão de Crises e Comunicação - O que Gestores e Profissionais de Comunicação precisam saber para Enfrentar Crises Corporativas. (Atlas, 2015), p. 125.
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