Por que a comoção internacional em torno de 132 vítimas fatais em um atentado em Paris? Por que os brasileiros sentem e acompanham o drama dos irmãos franceses, se em nosso país morrem em média 120 pessoas no trânsito diariamente? Outras 150 pessoas morrem assassinadas no Brasil todo dia, segundo os números divulgados pelo Observatório de Homicídios. O que explica a repercussão do atentado em Paris, se na mesma semana em Beirute morreram 40 pessoas e 180 ficaram feridas, num duplo ataque perpetrado pelo Isis, e não se registrou tamanha comoção?
Paris foi atacada por um grupo terrorista, numa ação organizada, em cinco locais, em ações terroristas quase simultâneas. As pessoas foram surpreendidas numa sexta-feira, num horário em que muitos franceses e turistas vão se divertir, por isso os alvos preferidos dos terroristas foram na zona boêmia da cidade. O número de vítimas fatais no primeiro dia (129) aumentou para 132 no domingo; entre os 352 feridos, há perto de 100 em estado grave, vítimas de tiros ou de estilhaços das explosões provocadas por suicidas. E esse número é atualizado periodicamente.
O que chama a atenção nesse ataque, que ainda está sendo apurado, foi a ousadia dos atiradores. Eles não tiveram nenhum escrúpulo ou sequer receio de atacar perto do Stade de France, onde se realizava um jogo da França com Alemanha, com a presença do presidente François Hollande. É de se supor que em vista do estado de alerta contra o terrorismo adotado na França desde janeiro, quando 12 pessoas morreram no atentado contra o jornal Charlie Hebdo, a segurança estivesse reforçada. Principalmente em locais de grande aglomeração e, ainda mais, com a presença do presidente do país.
Outro fato inusitado nesse atentado assumido pelo exército islâmico é o fato de ter suicidas entre a maioria dos atiradores, o que foge do modus operandi desse grupo. No comunicado distribuído, o Isis diz que os ataques são represália sobre os bombardeios da França na Síria. A Inteligência francesa está sob intenso escrutínio para explicar por que não detectou nenhum indício de ataque.
O pior atentado terrorista na Europa em 11 anos tem um simbolismo muito grande, semelhante, guardadas as devidas proporções em relação ao número de mortos, ao 11 de setembro; ao atentado na estação Atocha, em Madrid, em 2004 (191 mortos) e ao ataque terrorista da Al Kaeda realizado em Londres, em 2005, com 52 mortos. É um tiro no coração do mundo ocidental, exatamente no dia em que os Estados Unidos anunciaram a morte do conhecido terrorista do Isis, “jidhai John”, o britânico que virou militante, aparecendo em vídeos degolando reféns do Japão, EUA e Inglaterra. E no momento em que a Rússia intensifica ofensiva, junto com a França, para desalojar terroristas do território da Síria. Pode não ser mera coincidência.
Não há dúvidas de que os tentáculos do grupo que aterroriza e mata os homens; escraviza mulheres e crianças, no Oriente Médio, chegou ao coração da Europa. E não foi um atentado igual ao perpetrado por fanáticos, ou “lobos solitários” como o ocorrido em janeiro, contra a publicação Charlie Hebdo, em represália a charges do profeta Maomé. Aquela pode não ter sido uma ação articulada, com comando e estratégia, mas um ato terrorista isolado, embora de princípios religiosos fanáticos muito parecidos.
Em nome da religião muçulmana o Isis aterroriza o Oriente e tenta impor os rígidos princípios da “Sharia”, baseada no radicalismo dos preceitos do islamismo. Mas isso é apenas o pretexto para matar, estuprar, escravizar e faturar com os poços de petróleo que eles invadem. "O terror não tem religião", disse hoje o primeiro-ministro da Turquia, Recep Erdogan. Na verdade, é uma aberração, uma distorção sob o álibi de uma religião, resultado de anos e anos de conflitos, desrespeito aos direitos humanos, muita pobreza, guerras e falta de esperança. E que deve ser banido, como foram outras formas de tirania.
O que eles querem? Perguntou alguém à mídia internacional. Eles querem destruir os valores ocidentais, naturalmente. E impor um regime terrorista, assustando os países que fazem parte da facção que os combate impiedosamente na região. O que de certo modo é uma alucinação, porque esse ataque irá exatamente provocar o efeito contrário: uma reação violenta da França e das potencias ocidentais para, quem sabe, tentar uma ação definitiva no sentido de aniquilar ou pelo menos enfraquecer o poderoso grupo terrorista. Não esquecer que nesta semana, além da morte do membro do Isis, que fazia o papel de carrasco degolador, eles tiveram também uma derrota com a retomada pelos curdos da cidade de Sinjar, no Iraque.
O jornalista José Maria Irujo, editor do espanhol El País, diz que o acontecimento da França transcende as fronteiras do país, já que “a ameaça é global, é europeia”. Nesse sentido, recorda as palavras do chefe dos serviços de Polícia de Londres, no início da década de 2000, quando do atentado do 11 de setembro, nos Estados Unidos, ao assegurar que a possibilidade de um atentado na capital britânica era “inevitável”. Essa máxima, diz o jornalista espanhol, tem que ser incorporada por todos os serviços de inteligência do Continente.
A França declarou guerra aos terroristas. E entrou em estado de emergência, fechando as fronteiras. Cerca de 6 mil policiais e soldados do exército estarão nas ruas de hoje em diante, caçando eventuais terroristas que fugiram. Fala-se na morte de pelo menos oito. E foram encontrados passaportes da Síria e do Egito, nos escombros do ataque suicida a alvos de Paris.
Antes que o grupo tivesse reivindicado responsabilidade pelos ataques coordenados pelo menos por três grupos, Hollande disse que o Estado Islâmico (Isis) - conhecido na França por suas iniciais em árabe Daesh - havia realizado os piores ataques na França desde a Segunda Guerra Mundial e prometeu contra-atacar.
"Este é um ato de guerra cometido por um exército terrorista, Daesh, um exército jihadista", disse Hollande. "Este foi um ato de guerra preparada, organizada e planejada no exterior e com cúmplices no interior do país, que a investigação nos permitirá estabelecer". Ele acrescentou: "A França vai ser implacável ... dentro e fora do país".
A dramaticidade do ataque, sobre a maioria de pessoas jovens, pode ser avaliada pelo relato em primeira mão vindo de Julien Pearce, uma repórter sênior para a rádio Europe 1, que estava no Bataclan. "Havia corpos por toda parte quando nós nos deitamos no chão com os mortos e feridos em torno, na tentativa de se esconder", disse ela. "Eu vi algumas pessoas que tentaram até fugir e acabaram sendo levadas para baixo, e mortas pelos pistoleiros. Eu fiquei prostrada por longos minutos no chão protegida por várias pessoas em cima de mim, o que sem dúvida salvou a minha vida. Eu mal podia respirar. Eu vi seus rostos."
Prevenção e contenção
Ainda é cedo para analisar exatamente o que e como aconteceram os assassinatos em série na noite de ontem em Paris. Mas à primeira vista, pode-se inferir que houve uma grave falha do serviço de inteligência francês, há 15 dias da reunião de chefes de estado (dia 30), que irão discutir mudanças climáticas. Como um grupo de terroristas, fortemente armados, circula pela cidade e começa a atirar em alvos civis próximos ao estádio onde está o presidente? E depois saem, como se estivessem passeando, para invadir restaurantes e atirar com fuzis kalashnikov, matando dezenas de pessoas, sem que haja registro de confronto com a polícia local, antes da invasão da Casa Bataclan.
Na sequência, talvez os mesmos terroristas que já vinham aterrorizando a região, invadem um clube onde se encontram 1.500 pessoas. E onde estavam e o que fizeram os seguranças? Não consta que tenha havido algum confronto. Tentaram bloquear a entrada do grupo? Até a reconstituição completa dessa sequência de atentados ficaremos com muitas dúvidas, mas com a suspeita de que falhas graves ocorreram. O serviço de inteligência falhou em não detectar a ameaça. E a polícia francesa foi incapaz de garantir a segurança das pessoas que circulavam livremente na noite de ontem pelo centro de Paris. Essa é a dura verdade.
Não há dúvidas de que pelo menos a ação no estádio, provavelmente pretendida pelos terroristas, foi frustrada. Autoridades de segurança disseram que o número de mortos poderia ter sido ainda mais terrível se os terroristas que explodiram seus artefatos tivessem entrado no estádio, como se presume. Eles detonaram seus dispositivos nas proximidades depois de aparentemente serem dissuadidos pelo forte esquema de segurança para uma partida que estava sendo assistida pelo presidente francês e pelo ministro das Relações Exteriores alemão. O ataque rápido do Bataclan pelas forças de segurança também deteve um tumulto que poderia ter durado mais tempo, causando mais vítimas, disseram autoridades.
Quando do ataque ao jornal Charlie Hebdo, muito se escreveu sobre o que representava aquele ato. Uma invasão numa redação em que não havia soldados ou militantes, apenas jornalistas, que exerciam o direito da livre manifestação do pensamento, uma das conquistas do mundo livre. A morte de 12 pessoas, incluindo os dois policiais, covardemente assassinados, despertou um grito de revolta sobre a ameaça que o ataque representava: um tiro na liberdade de expressão. Agora também convém perguntar o que representa esse ataque coordenado na noite de Paris?
Da mesma forma, a invasão do direito das pessoas expressarem suas formas de cultura, de se divertir, de viver numa sociedade livre, foi afrontado pelo atentado. Ele, na verdade, agride todos os povos ocidentais, que abominam a violência como forma de resolver as pendências. O que está em jogo são valores que nós conquistamos e dos quais não queremos abrir mão. A palavra ultraje vai aparecer. Tanto após Nova York, quanto Madrid, Londres, a morte de inocentes só por estarem naquele local e naquela cidade, naquele momento, poderá ser o último estopim para o mundo livre reagir à possibilidade de um grupo extremista querer impor seu regime e decidir quem deve ficar vivo ou morrer.
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