Francisco Viana*
Eis uma das questões mais recorrentes em palestras, cursos e reuniões com empresários e dirigentes de órgãos públicos. Recentemente, um jovem jornalista, que está preparando um documentário sobre relações das companhias com a mídia, me perguntou polidamente, mas com indiscreta ironia, se o mídia training não seria um treinamento para ensinar como manipular a imprensa, ocultar os fatos, fugir das questões essenciais.
Evidentemente, não. É o mídia training que contribui para democratizar as relações entre as companhias e a mídia e, como desdobramento, com a sociedade, sobretudo uma sociedade como a nossa em efervescente processo democrático. Há uma forte tendência hoje em dia a se esquecer o valor das palavras, dos compromissos, dos fatos acima de tudo. Em lugar de ser vista como processo, a verdade se tornou quase que preta e branca, suscitando errôneas posições de extremos. O mídia training contribue para tornar visível essa nuança nada sutil da realidade.
Igualmente, existem nas organizações um hábito, cultivado há séculos, desde o alvorecer do empreendimento mercantil organizado em torno das cidades-mundo, no século VII da era cristã, que é a surdez. As companhias simplesmente não escutam o que diz o cidadão, os movimentos organizados da sociedade e nem mesmo o Estado. Herdaram esse hábito do Exército, da Igreja e da própria cultura de geração do lucro. Não é diferente com o poder público, embora, pelo menos em teoria, não vise o lucro, mas o serviço ao público. O mídia training procura mostrar os impactos negativos da surdez, nas suas diferentes versões.
O mídia training é, por fim, também uma técnica de como se relacionar com a mídia e desenvolver posicionamentos. Há uns dez anos, li no L’ Express que o Congresso Nacional francês tinha organizado mídia training para parlamentares como o propósito de orientá-los a como dar entrevistas. Por que? Como não pensavam no impacto das suas falas, estavam transmitindo intranquilidade ao cidadão. Se contradiziam, brigavam constantemente. O fato fora constatado em pesquisas.
Seria diferente no conjunto dos três Poderes em nosso país? Não estariam as mídias sociais contribuindo para amplificar as dissonâncias? O treinamento para dar entrevistas não deveria ser permanente como forma de reduzir a temperatura da intranquilidade ou desconfiança? No Brasil dos dias atuais, a prática do mídia training poderia reduzir em muito o volume de crises que diariamente ocupa as páginas dos jornais.
Geralmente, busca-se o conflito, não a convergência, busca-se a polêmica não o entendimento, discutir os problemas, não as soluções. Briga-se muito por motivos fúteis, perde-se muito tempo. Uma das propostas vitais do mídia training é a redução dos conflitos. Hegel ensina que o homem é conflituoso por natureza. A função da filosofia política seria reconhecer a existência do conflito, mas, a partir da sabedoria da vida, encontrar caminhos para superá-los. Inspirado no venerando mestre alemão, poderíamos dizer que é exatamente esta a proposta do mídia training. Transcender a realidade conflituosa e semear o diálogo, o entendimento.
Por isso, a primeira questão destacada num curso de mídia training é o apego à verdade factual. Todos os cânones do jornalismo e da ética estão resumidos no respeito aos fatos. Tudo no relacionamento com a mídia e a sociedade está contido nos fatos: a entrevista, os artigos, a crítica, por mais contundente que seja, a prevenção e gestão de crises, o relacionamento com os jornalistas, o press release, as estratégias de comunicação, a cultura das organizações e dos profissionais de comunicação. Fora dos fatos é o inferno das contradições, as crises, a perda da credibilidade, da reputação, da identidade. Os lucros que se volatilizam. E, claro, a confiança. Sim, um inferno. Dante, se vivo estivesse, teria dificuldade para descrevê-lo, mas a mídia, nesse sentido, tem demonstrado que o inferno existe, é terrenal.
O mídia training nasceu, vamos dizer assim, com o direito de uma licença poética, com os sofistas na Antiga Grécia. Eles saíam de cidade em cidade ensinando as pessoas a viver melhor, viver em harmonia com elas mesmas e a natureza. Os romanos deram um passo à frente na história enviando seus senadores para aprender a arte da oratória. Onde? Na Antiga Grécia. Passava-se longo tempo treinando. Falava-se diante do mar, para a natureza, lia-se os grandes mestres, o objetivo era transmitir credibilidade, atrair atenção, virar as costas aos improvisos, falar de memória, sem recorrer às anotações.
No Renascimento, quando surgem os grandes movimentos populares na Europa, voltou-se a estudar retórica nas universidades. A fala profunda e respeitosa passou a ser sinônimo de estabilidade política. Quem desejar aprofundar o assunto basta mergulhar na história de Florença, enveredar pelos escritos de Maquiavel, mergulhar nos labirintos das utopias de Thomas More até a Revolução Francesa. A arte da convivência torna-se a arte do conhecimento e da linguagem. Entram em cena as grandes e as pequenas narrativas.
Nos tempos modernos, o direito autoral pertence aos americanos. E data do pós-II Guerra Mundial no primeiro momento da atual globalização. Era necessário aproximar-se de novas culturas, desvendar seus hieróglifos, em síntese, partilhar conhecimentos. E o que é partilhar conhecimento senão transmitir confiança? Falar com clareza e entender que ofensa não é argumento, mas que fatos são argumentos? O mídia training nesse novo contexto se universalizou. Ganhou nova dinâmica e aproximou os homens, no sentido do ser humano.
No Brasil, é uma prática que vem ganhando força. Enfrentou diferentes etapas: no passado, entre as décadas de 70 e 80 do século XX, contribuiu para abrir as organizações privadas ao diálogo com a sociedade. Havia interesse em se descobrir o mundo da mídia e, isso, de fato acontece. Foi uma autêntica cruzada. Organizar, participar, aprender no mídia training era uma festa. Um evento significativo. Levava-se às vezes dois dias treinando. Havia mídia training continuado, envolvendo organizações inteiras. Hoje, o mídia training é mais enxuto, tende a ser mais objetivo. Mas o seu significado se ampliou com a democracia. Quem faz mídia training organiza melhor as entrevistas, fala melhor, se comunica melhor. E não apenas com a mídia, mas com as pessoas que são o corpo e a alma das organizações públicas e privadas.
Na essência, o mídia training é fonte de geração de um recurso único e não encontrável à venda no mercado para as companhias: a cultura de mídia, construída ao longo do tempo. É um desafio permanente, uma prática para toda a vida.
* Francisco Viana é jornalista, mestre em filosofia política e consultor de organizações públicas e privadas.