A Petrobras conseguiu dar uma respirada, após meses na UTI. A divulgação do balanço, ontem, se dá algum fôlego à companhia, expõe uma das maiores crises e os prejuízos financeiros e reputacionais provocados pela incompetência, má gestão e irresponsabilidade administrativa na maior empresa brasileira por pessoas que deveriam estar lá para preservá-la, torná-la mais forte e mantê-la como uma das forças da economia brasileira.
Naturalmente, que os descalabros ocorridos em algumas diretorias, principalmente a de Abastecimento, comandada por Paulo Costa, indicado pelo PMDB; e na de Serviços, por Renato Duque, ligado ao PT, contribuiu para que a gestão da empresa fosse um desastre. Mas, independentemente do que fizeram diretores e gerentes, denunciados pela PF e o MP, alguns beneficiados por delações premiadas, a má gestão de projetos bilionários contribuíram para que os ativos da empresa despencassem R$ 51 bilhões conforme números do balanço divulgado nesta quarta-feira (22).
O prejuízo de R$ 21,6 bilhões, o primeiro em 23 anos, decorre dos valores abatidos dos resultados, atribuídos à corrupção (R$ 6,2 bilhões), mas principalmente de obras faraônicas, algumas iniciadas apenas para agradar políticos, mal planejadas e mal projetadas, com orçamentos inflados, sem qualquer critério, provavelmente para que a propina pudesse correr solta. O balanço foi impactado em R$ 21,8 bilhões pela aventura do Comperj, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro; e em R$ 9,1 bilhões, pelo projeto megalômano do ex-presidente Lula, da Refinaria Abreu Lima, em Pernambuco. Obras essas paradas, em decorrência de superfaturamento, projetos básicos cheios de furos e investimentos descontrolados.
Em consequência de todos esses erros, a conta do passivo da Petrobras sobrou para os contribuintes. O Tesouro, como controlador da Petrobras, acaba tendo que assumir qualquer tipo de prejuízo. Além de não receber os polpudos dividendos que a Petrobras pagava, fato que também afeta a vida de milhares de acionistas, prejudicados pelos desmandos das diretorias dos últimos 12 anos. A decisão de não pagar dividendos, que contribuiu ainda mais para desgastar a imagem da Petrobras no Brasil e no exterior, decorre, segundo o diretor financeiro da empresa, para “preservar o caixa da companhia”.
Sucessão de erros
Em depoimento à CPI da Petrobras, o empresário Augusto Netto, executivo da Toyo Setal, que fez delação premiada por ter sido preso na Operação Lava Jato, disse que foi montado, realmente, um clube na Petrobras, que compartilhava licitações e que os empresários “tinham medo” dos diretores (referindo-se aos dois diretores envolvidos no esquema de corrupção), porque um diretor tem muito poder e as construtoras não queriam perder os negócios com a estatal.
Essa é uma pequena mostra do que acontecia na empresa. “Além da corrupção, a Petrobras enfrentou a má gestão, os custos inflados e as decisões irracionais tomadas na administração”, diz a colunista Miriam Leitão. A falta de cuidado na gestão custou R$ 44,6 bilhões, valores que foram retirados dos ativos pela quase impossibilidade de retorno. A dívida líquida da empresa chegou a US$ 110 bilhões, sendo 80% em moeda estrangeira, o que a torna a petroleira mais endividada do mundo.
Como foi possível a uma empresa, que em 2008 tinha a melhor reputação do país e o maior ativo, no início de 2015 despencar para o 40º lugar, segundo ranking divulgado pela Troiano Branding? Simplesmente, por falhas e omissão em cadeia das diretorias da Petrobras, do conselho de administração, do ministério das Minas e Energia e da própria presidência da República. Como diretores e até gerentes tomaram de assalto a empresa e desviaram bilhões sem que ninguém soubesse e impedisse? Fica difícil acreditar que a auditoria interna, a área de compliance, controladoria e outros órgãos de controle interno não tivessem fiscalizado e descoberto que dois diretores, pelo menos, além de gerentes, manipulavam licitações, negociavam propinas e superfaturavam preços de obras na estatal. Como analisamos no artigo “Crise da Petrobras corrói reputação de 60 anos”.
E onde essa crise começou? Muito provavelmente, grande parte do que aconteceu poderia ter sido evitado se o presidente Lula, em 2003, tivesse tomado o cuidado de colocar nos postos-chave da empresa pessoas de reputação ilibada, técnicos preocupados em aumentar a competitividade da Petrobras e em torná-la ainda maior do que já era. Mas não. A prática patrimonialista de rifar as empresas estatais entre os políticos da base aliada e companheiros de partido acaba sendo a principal causa dos desmandos. “O que um político vai fazer numa empresa estatal, como a Petrobras?”, pergunta o diretor do Portal Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo.
A resposta pode ser encontrada em várias empresas aparelhadas nos últimos anos, como Correios, Infraero, Eletrobras, Conab, fundos de pensão das estatais e outras tantas. Na Petrobras, em particular, faltou gestão e controle, da presidência à portaria. Deu no que deu. "A Petrobras, maior empresa do País, paga o preço do aparelhamento. Os diretores envolvidos no desvio de recursos para pagamento de propina a políticos eram funcionários de carreira, mas foram promovidos por indicações políticas a cargos em que podiam fazer essas operações, sem que fossem pegos pelos órgãos de controle interno e externo", diz o diretor da Transparência Brasil.
As crises não nascem por geração espontânea. Elas provêm em sua maior parte – cerca de 80% dos casos, segundo dados internacionais – de falhas de gestão, falta de controle, fraudes, ganância ou desonestidade dos empresários e até mesmo incompetência dos dirigentes. "Os escândalos revelados pela Operação Lava Jato foram o lamentável sinal vermelho de uma situação financeira insuportável, fruto de incompetência gerencial, erros de planejamento, contenção artificial de preços, megalomania de projetos e ausência de controles, até mesmo os rudimentares", diz o jornal Valor Econômico, em Editorial.
Não bastasse tudo isso, o país ainda tem que assistir, vez por outra, sindicalistas, até mesmo com o respaldo do ex-presidente Lula, fazerem manifestações “em defesa da Petrobras”, como se a maior ameaça à empresa não tivesse partido de atos de gestão tomados pelo então presidente da República, ao nomear os diretores que agora estão presos e condenados, como aconteceu ontem, coincidentemente, com o ex-diretor Paulo Roberto Costa, que ficou nove anos fazendo gatos e sapatos na empresa, com o beneplácito do ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli, da presidente do conselho de Administração, Dilma Roussef, e do próprio presidente Lula.
A crise da Petrobras se transformou num case internacional de crise gerada dentro da empresa e muito mal administrada pela sua gestão e pelo governo. Precisa ser estudada por quantos se interessam pelo futuro do país, como um exemplo de como a gestão temerária facilitou a rapinagem por uma quadrilha que se instalou na empresa para se locupletar. Foi uma ação coordenada com empresários corruptores, funcionários desonestos e gestores omissos, para não dizer coniventes.
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