O ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli compareceu quinta-feira, 12, à CPI na Câmara dos Deputados, para prestar esclarecimentos sobre os descalabros ocorridos durante sua gestão na empresa. Ele tentou se eximir da responsabilidade pelos desvios financeiros na Petrobras e argumentou ser impossível descobrir que diretores tinham esquema criminoso de propinas. Ou seja, admitiu publicamente que não tinha controle total da empresa. Era um comandante que não tinha o navio sob seu completo comando.
Essa cidadão deveria ter vergonha de se apresentar na terceira CPI, que investiga basicamente seu período de administração na Petrobras, nem tão curto (sete anos), com aqueles argumentos, apenas para se defender ou se eximir da responsabilidade sobre ilícitos graves cometidos sob sua gestão na maior empresa brasileira.
Como um gestor tem a coragem de ir no Parlamento do país e dizer que fez uma boa gestão e que os desvios na empresa foram pontuais? Se o país está meio travado há um ano, perplexo diante do que se revela todos os dias sobre a atuação desse grupo de espertos que se apossou da Petrobras durante a gestão de Gabrielli e tomou de assalto algumas áreas da Petrobras.
Num país mais sério, esse cidadão deveria estar arrolado e responsabilizado nesse processo, como aconteceu com outros tantos CEOs no exterior, nos últimos anos. Não fosse, ainda, pelas acusações diretas por envolvimento no esquema de propina instalado sob suas barbas na Petrobras, deveria sê-lo pela responsabilidade por má gestão, que acarretou bilhões de prejuízo à empresa e ao país.
Está consagrado pela literatura de Crisis Management o papel relevante e decisivo do líder nas crises. O escândalo da Petrobras, na ótica do depoimento de Gabrielli, foi facilitado pela omissão do líder diante da crise e pela sua incapacidade de gerenciar uma das premissas mais importantes na prevenção de crises: o controle. A empresa tinha controles frouxos e pouco confiáveis. O que permitiu executivos fazeram gatos e sapatos com as licitações da empresa.
As vítimas da gestão temerária
Esse prejuízo é incalculável, até porque não se sabe ainda o tamanho do rombo. Nem a empresa foi capaz de quantificar esses desvios, a ponto de estar com problema sério no mercado nacional e internacional, porque não publicou os balanços desde o ano passado.
Sem falar nos transtornos e crises criadas em inúmeras empresas, entre estaleiros, fornecedores e terceirizados que dependiam da estatal para contratar e realizar negócios. Como consequência, eles tiveram que demitir milhares de trabalhadores, do Nordeste ao Rio Grande do Sul, enquanto o Sr. Gabrielli desfruta das rendas do polpudo salário de mais de R$ 100 mil que recebia para administrar e, por dever, gerenciar a empresa. Além das lautas gratificações semestrais.
Além dos demitidos, os acionistas minoritários também são vítimas da má gestão do ex-presidente. Eles acreditaram no potencial, na tradição, na marca, pensando que Gabrielli e os diretores estavam lá para defender esse patrimônio do povo brasileiro, que completou 60 anos em 2013.
E o que ele fez? Uma auditoria internacional consideraria esse período de Gabrielli uma boa gestão? Onde estavam os controles da empresa, quando ele era presidente? O que faziam auditoria, controladoria, a área de compliance? Se não funcionavam, ele deveria ter descoberto e mudado. Como um gestor pode chegar com aquela cara de paisagem numa CPI do Congresso Nacional e dizer que era impossível descobrir o que lá acontecia? É a declaração pública de sua incompetência e da falência completa de um sistema de governança que ele deveria ter reconhecido, tão logo chegou, que era falho.
Se existe um personagem diretamente responsável por tudo que está acontecendo com a Petrobras, ele se chama Sergio Gabrielli.
Cabe perguntar: o que faria o sr. Gabrielli se ele fosse dono de uma empresa e tivesse confiado a presidência a alguém que, após sete anos na presidência dessa empresa (de propriedade dele), declarasse não saber que diretores e gerentes dessa sua empresa roubavam, faziam acordos na calada da noite, negociando propinas, percentuais de milhões de dólares distribuídos a amigos, em conluio com operadores externos, que faziam a intermediação em contratos milionários?
Que providência o Sr. Gabrielli tomaria em relação a esse presidente? Pois é isso que a Justiça e o povo brasileiro deveriam fazer com esse cidadão.
Quando um governante entrega a presidência de uma empresa estatal, principalmente do tamanho e importância da Petrobras, a alguém, esse governante (em nome do povo que o elegeu) delega um mandato (outorgado por quem votou nele) ao preposto dele nessa empresa. É como se essas pessoas dissessem: olha, estou te dando a vez, a oportunidade de pegar o meu patrimônio, a minha empresa e, por favor, administra direito, faz uma boa gestão, promove o desenvolvimento por meio dela, gera emprego, me entrega lucro, enfim, seja correto. Ela não é sua. Você apenas está recebendo um mandato e para isso vai receber um excelente salário.
O que o sr Gabrielli entregou, após esses sete anos na Petrobras? O maior esquema de corrupção da historia do país. Desvios de bilhões de reais, que nem a PF, o MP, nem o juiz do caso ainda conseguiram quantificar. Muito menos a própria empresa ou as auditorias externas.
E vem o sr Gabrielli, com uma cara de vítima na CPI, dizer: “É impossível se identificar esse tipo de comportamento internamente. Isso é um caso de polícia e, como tal, vai ser descoberto por investigação policial… Portanto, é impossível se pensar que era possível identificar na Petrobras, no funcionamento normal da empresa, esse tipo de comportamento”. Poupe-nos caro ex-presidente. Nem os deputados que estavam lá para segurar a barra para o depoente acreditaram nessa versão.
Maioria das crises provêm de erros de gestão
Um gestor jamais deveria admitir isso, a não ser que esteja confessando sua completa incompetência para a função. Para que serviam os órgãos de fiscalização da Petrobras, com gerentes e dezenas de empregados recebendo bons salários, se foram incapazes de descobrir os desvios? Deveriam também ser responsabilizados pelo menos pela omissão, por não terem cumprido com seu dever.
A crise que hoje enfrenta a empresa tem vários responsáveis, sem isentar sequer o Conselho de Administração, que tinha na presidência, num primeiro momento, a atual presidente Dilma Roussef, e num segundo, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega.
Mas ir à CPI e tentar se justificar, sob o argumento de que “as negociações de propina eram feitas por “um ou outro” funcionário com representantes de construtoras, e não tinham relação com os “processos internos” da Petrobras”, é de uma insensatez e de uma irresponsabilidade sem limites.
E mais: ele teve a coragem de dizer que os “números confirmados de corrupção” pela Operação Lava Jato “são relativamente pequenos” em relação ao volume de operações da Petrobras. Pequenos? Para quem? Talvez seja para a quadrilha montada dentro da empresa, com conluio com empreiteiras e operadores, sem falar nos intermediários de partidos politicos que carregam mochilas para facilitar o transporte do dinheiro.
Conforme o Ministério Público e a Polícia Federal, o esquema de lavagem de dinheiro e corrupção na estatal movimentou mais de R$ 10 bilhões. O JP Morgan, dos Estados Unidos, no ano passado, calculou os desvios em R$ 20 bilhões. Isso é pouco? E o prejuízo colateral, vindo desses desvios, refletido no arranhão na reputação da empresa e do país, algo incalculável, pela multiplicidade de interesses envolvidos.
A crise é o grande momento do líder, dizia o empresário Bill George, autor do livro True North. Quando ele pode crescer. A crise da Petrobras mostra um fracasso de liderança de todos os administradores que tinham responsabilidade sobre a empresa.
O depoente chegou ao ponto de negar os fatos que estão desfilando no horário nobre do país há um ano. Disse que os escritórios contratados pela Petrobras e as auditorias do TCU não chegaram à conclusão sobre a corrupção em contratos da estatal. E o que significam os depoimentos colhidos nas delações premiadas até agora divulgadas? Seriam o doleiro Alberto Youssef e os executivos da Petrobras, que concordaram com a delação premiada, uns kamikazes que estão mentindo e, em consequência, podem passar o resto da vida na cadeia?
Ao comentar a delação premiada e o depoimento do ex-gerente da empresa, Pedro Barusco, Gabrielli disse: “O sr. Barusco, por exemplo, confessa que fazia isso há 18 anos e não foi pego, porque é impossível, no comportamento normal, se pegar esse comportamento”.
Qual a conclusão que podemos tirar? No tempo do Sr. Gabrielli, a Petrobras não era uma empresa, na acepção correta da palavra, mas a Casa da Mão Joana, pois ele confessa publicamente que a maior empresa brasileira não tinha controles que permitissem descobrir que um gerente desviava milhões de reais, como ficou evidente na delação premiada do ex-gerente Pedro Barusco.
Podemos, por essa declaração, inferir que outras dezenas de desvios poderiam ter acontecido ou estão acontecendo na empresa, sem que o ex-presidente, nem tampouco a diretoria, pudessem ou possam saber.
O depoimento do ex-presidente, sob a ótica da gestão, demonstra o fracasso da famigerada política de lotear cargos nas empresas estatais por partidos políticos, deixando de colocar técnicos, funcionários de carreira competentes e que deveriam estar lá para defender a empresa e não para saqueá-la.
Ou, sob outro ângulo, que a governança da Petrobras – e quiçá de outras empresas estatais - precisa de uma revisão urgente, porque o gigantismo da empresa e a falta de controles tornaram impossível à direção controlar esse monstro, na versão de Gabrielli. O que os brasileiros pedem é que não mais precisemos assistir ao triste espetáculo proporcionado na semana passada por um executivo que ficou sete anos no comando na empresa, destruiu sua reputação, e vem confessar de público que era incapaz de controlá-la.
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