O Rio de Janeiro destacou-se nos últimos anos no noticiário nacional sobre segurança com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadoras – UPPs, o cartão de visitas do secretário de segurança do Rio, José Beltrame. Elas também foram bandeira eleitoral de Sérgio Cabral, durante dois mandatos. E ainda elegeu o sucessor, apesar das graves crises de governo e de reputação pessoal que enfrentou no segundo mandato, a ponto de esse desgaste tê-lo alijado de cargos ou disputas eleitorais.
Mas, a despeito dos recursos ilimitados postos à disposição do governador, pelo amigo Lula, desde seu primeiro governo, e de toda a badalação em torno da experiência exitosa de “pacificação” das favelas mais violentas do Rio, parece que o modelo está entrando num processo de esgotamento ou pelo menos está sofrendo de desgaste material. Moradores que acompanharam o início da ocupação do Complexo do Alemão, em 2010, têm sofrido com o aumento da violência. E até os policiais, diante da pressão por atos violentos cometidos contra moradores, desabafam de forma anônima pela imprensa que são colocados nas UPPs sem nenhum preparo especial para situações extremas.
Tiroteios entre policiais e bandidos são quase diários desde janeiro. A morte de quatro moradores e três feridos, em apenas dois dias, na semana passada, além dos ataques ousados às unidades policiais, no Complexo do Alemão, a mais badalada UPP, é uma mostra de que a experiência deve ser revista ou reavaliada. Essas escaramuças não são de hoje. Elas vêm num crescendo e os conflitos recentes são apenas a ponta do iceberg de um problema que pode se tornar maior.
A Segurança continua no topo dos maiores problemas do país. Pesquisa de dezembro/2014, da CNI, mostra que para 29% da população brasileira, combater a violência e a criminalidade é o segundo maior desejo do brasileiro para este ano, perdendo apenas para a saúde, escolhido por 51% da população. Especialistas em segurança, em passado recente, viam muito marketing nas UPPs e questionavam esse modelo. É uma experiência onerosa e arriscada, porque utiliza um grande contingente de policiais, numa área de alto risco. Além disso, eles não viam a ação dos policiais como o fim em sim mesmo da "pacificação", se isso não fosse acompanhado de trabalhos complementares do poder público, principalmente de serviços básicos que iam da educação ao saneamento, calçamento, iluminação, serviços comunitários, assistência social e saúde.
A tomada das favelas, em anos recentes, transformou-se em evento coberto como se fossem capítulos de novelas, algumas transmitidas ao vivo pela TV. Transformadas em "espetáculo" da mídia, a ocupação não passava de uma operação militar, com desfiles de blindados e contingentes de soldados fortemente armados, subindo "pacificamente" ladeiras e escadas, como se estivessem a passeio. As ocupações, porém, não têm sido um "passeio".
Em pleno século XXI, na maior cidade turística do Brasil, regiões inteiras não eram ou não são controladas pelo poder público. E, o pior, aceitava-se isso como natural, fruto de anos de descalabro com a segurança de uma área estigmatizada, onde vivem milhões de pessoas, no Rio de Janeiro. O confronto dos policiais com os traficantes deveria ser aplaudido pelos moradores, como se mostrou algumas vezes. Mas hoje, não se sabe se, diante do poder de fogo dos traficantes ou porque os policiais de certa forma perderam o controle ou o coração dos moradores, o que existe, na verdade, é um questionamento em relação à presença da polícia na favela, principalmente após atos de violência que culminam em morte ou ferimento de moradores.
Um contêiner da UPP foi depredado no Complexo do Alemão, na última quinta-feira. E periodicamente unidades da polícia sofrem atentados de traficantes. Em setembro de 2014, o capitão Uanderson Manoel da Silva, 34 anos, comandante da Unidade de Polícia Pacificadora Nova Brasília, no Complexo do Alemão, morreu, após ser baleado num confronto com traficantes na favela. Este ano, morreram no Rio de Janeiro 16 policiais em confronto com traficantes, sendo seis em favelas que têm UPPs.
"A polícia foi truculenta, sempre agiu de forma truculenta no Alemão. Nunca fomos ameaçados por bandidos, mas sempre pela polícia. São soldados destreinados, que não sabem conduzir uma arma. É uma coisa terrível. Sai atirando em quem estiver pela frente”, afirmou José Maria, pai do garoto Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, morto na semana passada com um tiro na cabeça supostamente da arma de um policial.
UPPs serão reocupadas
Traficantes, milicianos e policiais corruptos, por razões econômicas, querem e lutam pela volta do sistema anterior. As UPPs encontram-se numa encruzilhada e o poder público terá que decidir se o modelo está esgotado, deve-se revê-lo, ou se essa reação faz parte do momento que o país vive, de questionamento da autoridade, pelo enfraquecimento moral sofrido nestes últimos anos pelos governantes, políticos e líderes.
O secretário de segurança do Rio de Janeiro e o próprio governador admitem que as UPPs precisam de reforço e ser repensadas. Ou melhor, o Morro do Alemão precisa ser reocupado. Isso demonstra que houve erros na tão badalada ocupação anterior. E elas precisam de recursos, muitos recursos, algo escasso na conjuntura atual do país.
Em entrevistas, sem identificação, policiais e outras pessoas ligadas à ocupação falaram à imprensa que “não têm preparo e nunca havia ido à favela, e nem sabia manejar direito um fuzil”. As instalações de algumas UPPs são precárias. O escritório e alojamentos fazem parte um contêiner em algumas favelas, desgastados pelo tempo e com muitos problemas, como falta de lâmpadas, torneiras, colchões, janelas sem vidros e com banheiros precários. Não há água, muitas vezes, e nem comida.
O secretário disse que na origem da criação das UPPs não era para ter confronto entre policial e bandidos. Mas começou a ter e isso mudou tudo. Ele admite que o treinamento não é adequado para esse momento que as UPPs atravessam. Das 38 UPPs instaladas até agora, em 22 o índice de homicídios caiu em relação ao resto do conjunto de favelas. No Rio, nas regiões com UPPs, o índice de homicídios caiu 25%, o menor índice dos últimos anos.
A crise das UPPs não ocorre desvinculada da crise política, econômica e institucional que o país enfrenta. Mas é urgente atacá-la, sob pena de o modelo de combate à violência do Rio de Janeiro começar a ser posto em xeque sem que tenha atingido os principais objetivos e, pior ainda, desmantelado e desmoralizado por aqueles que no passado se beneficiavam da exploração dos moradores e mantinham o controle das áreas sob a bandeira do medo e da extorsão.