AlemanhaPassada a eleição, ainda reverberam nos ouvidos as promessas dos candidatos de um “país melhor e mais justo”. Se 20% das promessas fossem cumpridas, transformariam o Brasil numa Suíça. Mas é hora de cair na real. Chegou a hora de pensar um pouco por que estamos a anos-luz de países adiantados. Alguns, nos últimos anos, enfrentaram crises muito mais graves do que as nossas. Nações que literalmente quebraram, foram parcial ou quase totalmente destruídas, e conseguiram se reerguer.

Analisemos a exemplo da Alemanha. Um país com população de 82 milhões de habitantes, confinada numa área relativamente pequena, 357 mil km2 (do tamanho do Mato Grosso do Sul). Viveu a maior crise da história moderna no final dos anos 1930: crise política e econômica, que culminou numa hiperinflação. Dela se serviu o então chanceler Adolfo Hitler para assumir o poder, liquidando a oposição e implantando o nacional socialismo, com todas as consequências nefastas para a Humanidade, que nós tanto conhecemos.

Como um país praticamente destruído, durante a II Guerra Mundial, devastado e com dívidas, pôde se erguer tão rapidamente? Em 1945, quando a guerra acabou, a maioria das grandes cidades como Berlim, Munique, Frankfurt, Hamburgo, Dresden, Kassel e Darmstadt estavam quase completamente destruídas. Edifícios públicos, escolas, igrejas, pontes, ruas, indústrias tinham virado escombros. Isso há menos de 70 anos. Para o tempo da História, não é tanto tempo assim.

E o que dizer dos anos da cortina de ferro, quando o país foi rateado entre os aliados, vencedores da guerra? O lado ocidental, República Federal da Alemanha-RFA, ficou sob os auspícios dos Estados Unidos, Inglaterra e França. O regime soviético se apossou do lado leste do país, a partir de Berlim, a República Democrática Alemã-RDA. No início, o trânsito de cidadãos era tolerado. O crescimento mais veloz do lado ocidental faz na década de 1950 um milhão de alemães emigrarem para a RFA, no Ocidente, e o governo comunista resolve fechar as fronteiras.

Em 1961, os comunistas resolveram endurecer, impondo restrições à livre circulação dos cidadãos alemães. À meia noite do dia 13 de agosto, a cidade é cortada por barricadas e arame farpados e o muro começa a ser construído, ante o espanto da população que tinha relativo acesso a ambos os lados. Berlim foi dividida literalmente por um muro de tijolos e ferro (156,4 km), durante 28 anos, até a queda, pela pressão popular e a falência do regime soviético, em 1989. Nesse período, teriam havido 5 mil fugas bem sucedidas e 137 pessoas morreram tentando fugir.

Para quem não viveu essa época, ou não conhece a história, nos dias atuais não há como imaginar viver numa cidade separada por um muro de concreto que não deixava parentes se encontrarem ou pessoas circular livremente. Foram famosas as tentativas desesperadas de fuga pelo muro, punidas com a morte pela repressora polícia-política da RDA, a famigerada “Stasi”, tão bem retratadas em dois magistrais filmes: "Adeus, Lênin", de 2003, e "A vida dos outros", de 2006.

As lições de um povo

Dez dias na Alemanha, nos permitem algumas reflexões sobre quão distante o Brasil está da realidade de um país que funciona. Começa pela dimensão das cidades. A infraestrutura e os serviços públicos têm padrões e eficiência de grandes metrópoles. Mas sem pressões migratórias, os investimentos públicos acabam tendo efeitos mais rápidos e visíveis. Frankfurt, por exemplo, com um dos mais modernos aeroportos da Europa, e com importância econômica semelhante a de São Paulo, para os padrões da Europa e da Alemanha, tem pouco mais de 650 mil habitantes.

Munique, outra metrópole alemã, tem menos de 1,5 milhão de habitantes, com 370 mil estrangeiros. Só Munique recebe por ano mais turistas do que o Brasil. Uma economia pujante e sem pressão de aumento da população ajudam a administração trabalhar com planejamento de curto e longo prazos de maneira mais efetiva.

Vendo como tudo funciona, parece fácil administrar as cidades alemãs. Não há engarrafamentos. O transporte público é impecável e as pessoas ignoram os carros. É mais fácil deslocamento em bicicletas ou pelos ônibus, VLT (trem de superfície sobre trilhos que cobre toda a cidade) ou metrô, do que de carro.

A exemplo da maioria das grandes cidades europeias, tanto Berlim, quanto Munique, Hamburgo ou Frankfurt têm no trem urbano (VLT) a base do transporte local. Mas milhares de pessoas se deslocam em bicicletas. O ciclista é respeitado e respeita as leis de trânsito, até porque existem ciclovias por todas as cidades.

Além disso, num país com curtas distâncias, o trem se transforma no meio de transporte mais confortável dentro do país, facilidade que o Brasil desconhece. Convém lembrar que toda a malha ferroviária e a maioria das estações foram destruídas pelos bombardeios na II Guerra. Nos anos 1950, os trens da Alemanha já circulavam de novo.

Aqui, ao contrário dos países europeus e dos Estados Unidos, a malha ferroviária foi destruída em benefício da indústria rodoviária, uma aberração difícil de ser entendida pelos estrangeiros. Como não existem trens para deslocamentos num país de dimensões continentais como o Brasil? Por que depender basicamente das rodovias?

Dos escombros da guerra para quinta potência mundial

Como a Alemanha conseguiu se financiar, após a II Guerra Mundial, devastada pelos bombardeios, para reerguer as cidades com os padrões atuais. Quem vê o centro de Berlim hoje, não é capaz de imaginar como a cidade ficou, no fim de 1945, e nem como estava há 25 anos, quando a queda do muro desnudou o fracasso do regime soviético, com uma Alemanha Oriental empobrecida e ultrapassada, em comparação à parte Ocidental moderna e reconstruída. O New York Times calculou que 1,7 milhão de pessoas (de uma população à época de 16,1 milhões) deixaram a Alemanha Oriental desde 1990.

Em pesquisa publicada na edição da revista The Economist desta semana, a Alemanha foi considerado o 4o país europeu melhor para fazer negócios, só atrás da Suécia, Luxemburgo e Finlândia. Grécia, Eslovênia, Itália e Chipre são os piores. É o país mais populoso da União Europeia e o 15º do mundo.

A par de vultosos investimentos em obras de infraestrutura, principalmente nas cidades-sede da Copa do Mundo de 2006, a Alemanha conseguiu se modernizar sem apagar os ares tradicionais do país, principalmente no lado Oriental. Apesar das linhas retas e dos padrões muito parecido dos projetos arquitetônicos urbanos, eles guardam a beleza de uma época que evoca um passado com organização, limpeza e disciplina, mantidos até agora, mesmo depois da reunificação.
 
Na Alemanha, não há fiscalização rigorosa nas passagens urbanas, por exemplo. Isso só funciona com uma população culturalmente educada, onde a ética é um valor impregnado na cultura local. Ninguém deixa de pagar a passagem, por aparentemente não existir fiscalização.
 
À noite, nas grandes cidades, não há preocupações com assaltos, porque existe algo que há muito tempo deixamos de ter nas metrópoles brasileiras: “a sensação de segurança”. Jovens patinam ou caminham altas horas da noite, em praças e parques, sem grandes preocupações com assaltos. É mais fácil o frio, a neve e a chuva espantarem as pessoas das ruas do que a insegurança. Mesmo assim, milhares de jovens, a maioria com cigarros numa mão e a cerveja na outra, ficam nas calçadas nas primeiras horas da noite estendendo o “happy hour” até a madrugada.
 
Não fosse pelo famigerado hábito do fumo, que realmente choca ainda na Europa (há muitos jovens, sobretudo mulheres fumando), e pelos excessos, por vezes, no consumo de bebidas alcoólicas, diríamos que é um excelente lugar para os jovens, embora seja um país onde a população está envelhecendo, já que o crescimento populacional é negativo. A propósito do fumo, é visível o progresso brasileiro em reduzir o tabagismo, quando nos comparamos com países europeus e alguns latino-americanos.
 
Ética e respeito pela coisa pública
 
A II Guerra Mundial causou a morte de quase 10 milhões de soldados e civis alemães. E acabou com as perspectivas da economia local. Entre 1943 e 1946, o PIB da Alemanha recuou 65% e o do Japão 48%. Quando chega a década de 1950, acumuladamente entre 1946 e 1950, o PIB da Alemanha cresce 85%, graças à ajuda dos Estados Unidos e das demais potenciais ocidentais.
 
A Alemanha gastou bilhões de dólares para se reconstruir. As potências aliadas, interessadas em manter a Alemanha Ocidental sob controle e longe da influência soviética, foram generosas em financiar o país, que se recuperou rapidamente. Mas dinheiro somente não resolve. Veja-se o exemplo do Brasil. Após alguns anos recentes de euforia, enfrenta uma crise sem precedentes na economia, por falta de planejamento e excesso de gastos na área pública. A Alemanha fez diferente.
 
Entre 1949 e 1952, a República Federal da Alemanha recebeu, só dos Estados Unidos, 30 bilhões de dólares para aplicar na reconstrução. Esses recursos faziam parte do Plano Marshall, patrocinado pelos Estados Unidos, destinado a ajudar a economia europeia se recuperar após a guerra. O Japão recebeu ajuda de 16 bilhões de dólares.
 
Mas não adiantam recursos generosos, se não forem bem aplicados. Certamente a cultura da ética e do respeito à coisa pública contribuíram para a recuperação rápida e forte da Alemanha. Quando se comparam fotos do fim da guerra, de algumas cidades da Alemanha, e como se encontram hoje, talvez a única palavra para descrever a transformação seja “milagre”. Mas “milagre” só teria sentido se o povo alemão e governos competentes não fossem responsáveis por tudo isso.
 
Na Alemanha, se percebe como é possível construir um país, e até mesmo reconstruí-lo, não interessa em que situação, se todos estiverem mobilizados para o mesmo objetivo; se os homens públicos tiverem compromisso com as metas e com a racionalidade na aplicação dos recursos. Percebe-se concretamente que tudo ali é resultado de muito trabalho, disciplina. E que o caos, a barbárie não conseguem destruir um país se todos resolverem lutar contra esse destino.
 
Bilhões de dólares foram empregados na reconstrução da Alemanha, mas não se tem registro de denúncia de  algum político ou governante ter-se locupletado com a intermediação. Pode até haver  eventualmente alguns deslizes, mas a corrupção não é uma crise endêmica, que permeia os negócios públicos, como ocorre no Brasil e em grande parte da América Latina.  
 
Lições de crises
 
Quando vemos lá como tudo funciona, mesmo num período de forte crise econômica, ou ainda no meio de uma crise da União Europeia, da qual a Alemanha é a grande pilar de sustentação, já que a Grã-Bretanha está sempre ameaçando sair do Grupo, ficamos com uma pontinha de inveja. Por que estamos tão longe do padrão alemão ou europeu de organização, infraestrutura, respeito à coisa pública, cultura, ética e educação?
 
Talvez porque tenhamos ainda uma democracia muito frágil, com políticos que se perpetuam no poder apenas para se locupletar, pela carência de líderes, estadistas, na acepção real da palavra, que tomem o poder ou assumam cargos públicos com o único propósito de melhorar o país e não as próprias vidas ou de suas famílias. Não é apenas com programas assistencialistas, com patrimonialismo, subsídios, obras faraônicas e megalomania, apenas para citar algumas de nossas fraquezas, que os grandes problemas do país serão resolvidos. É preciso algumas “revoluções”, uma delas na educação. Foi assim que a Coreia do Sul deu o passo gigantesco para sair da condição de país pobre e se transformar num “tigre asiático”. É preciso fazer a famigerada “reforma política”, seguida da “reforma tributária” e de tantos outros gargalos que precisamos desatar.
 
E qual o horizonte para termos um padrão de vida, se não igual, pelo menos parecido com o dos europeus, principalmente de um país como a Alemanha? De forma bem realista, pelo andar da carrugagem, não será para nossos filhos ou netos. Eles não terão esse país a curto prazo. Será preciso uma “limpeza” de homens e costumes no nosso sistema político. Uma revolução? Talvez, uma revolução nas práticas políticas e, principalmente, uma grande “revolução”, um salto de qualidade na educação. Pela valorização e profissionalização dos professores e investimentos maciços em infraestrutura, escolas, equipamentos, materia escolar, etc.
 
Quando se passa numa biblioteca de uma universidade alemã, altas horas da madrugada, vendo a quantidade de jovens ali estudando e comparamos com nossas sucateadas bibliotecas das universidades públicas, fechadas durante a noite, perdemos um pouco a esperança de que a grande mudança ocorra num futuro próximo. E o que têm a ver as bibliotecas das universidades com nosso futuro? É porque o estado delas diz muito de como um país dá importância e está preparando as gerações futuras que irão assumir o país.
 
Todo governante brasileiro antes de assumir um cargo deveria fazer estágio de um ano num desses países desenvolvidos. Talvez a mudança pudesse começar por aí. O problema, como noticiado, é que ao financiar um ano de estudos fora do país nossos jovens ou políticos acabem preferindo fazer turismo ou compras do que realmente aprender.

Ao fim e ao cabo, mais do que vislumbrar um futuro para nós, parecido com o que ocorre nos países desenvolvidos, acabamos apreensivos tendo uma miragem... um vislumbre de realmente nos transformar numa potência econômica, com oportunidades iguais para todos escolherem a melhor forma de viver, com base no mérito e não em indicações. Miragem ou um mero sonho? Infelizmente, quando voltamos ao mundo real, somos obrigados a admitir que não seremos nós, a nossa geração, que veremos esse país dos sonhos.

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