assassinatoA decapitação dos jornalistas americanos James Foley e Steven Sotloff (este também cidadão israelense) pelos terroristas islâmicos (chamados ISIS), que invadiram regiões da Síria e do Iraque, inaugurou o terror-espetáculo. O grupo terrorista sequestra, julga, sentencia e executa inocentes, se não for pago resgate; pressiona os governantes, ao confrontá-los publicamente; e mostra força e estratégia, ao expô-los ao vivo.

Eles aproveitam a tecnologia e o poder da disseminação da informação para fazer uma produção cinematográfica profissional e sofisticada, pontuada deliberadamente com símbolos que desafiam governos e civilizações.

O uniforme laranja imposto aos jornalistas, postos na frente das câmeras para serem decapitados, lembra os prisioneiros muçulmanos detidos pelos Estados Unidos na Baía de Guantánamo. Ali está o confronto, ou revanche, dos terroristas com os carrascos de Guantánamo. “Podemos fazer igual ou pior”, parecem dizer, utilizando militantes que falam o inglês impecável dos nascidos na Grã-Bretanha, como comprovou o serviço secreto britânico.

A escolha da vítima e a morte por decapitação são apenas detalhes. O que importa no gesto, publicado em toda a grande imprensa internacional, é desafiar o “Império” e o mundo ocidental, por representarem, segundo eles, as forças do mal, ou porque o estado islâmico não admite interferência nem a cultura do Ocidente: “Enquanto os teus mísseis continuarem a atingir o nosso povo a faca vai continuar a atingir os teus cidadãos", diz o carrasco dirigindo-se a Barack Obama.

O gesto dos terroristas remete ao pioneiro da teoria da comunicação, Marshall McLuhan (1911-1980), quando cunhou a famosa expressão “O meio é a mensagem”. A vítima de joelhos, com uniforme de prisioneiro, o carrasco mascarado de pé, com uma faca, parecem dizer: “veja como fazemos você se ajoelhar, Obama. E teu cidadão, como tantos outros, está aqui na minha mão, vulnerável, e você nada pode fazer. Nós somos os juízes e os carrascos.”

O assassinato do jornalista é apenas detalhe no espetáculo midiático do Isis. Isoladamente, sem transmissão, sem gravação, talvez merecesse um pequeno registro, como os milhares de assassinatos diários que os grupos terroristas e os governantes cometem todos os dias, nas guerras que viraram rotina. Sem visibilidade, nada representaria para os propósitos do grupo islâmico.

Ou seja, o conteúdo aqui é menos importante do que a forma. Foi a maneira que eles encontraram para cutucar os Estados Unidos e os ocidentais, enviando uma mensagem completa, para impactar. A morte sempre é chocante. Ainda mais quando se trata de inocentes, que, no caso, nada têm a ver com as decisões políticas de Washington. A única culpa dos jornalistas é serem americanos e tentarem fazer uma cobertura in loco.

Por que um jornalista, gravado naquela posição de humilhação, para divulgação via satélite para o mundo? Talvez porque os jornalistas sejam os intrusos nesse cenário de barbárie, onde os rebeldes ficam perseguindo minorias populacionais que não querem se converter ao islamismo. A “limpeza”, na concepção deles, executa de preferência os homens, principalmente aqueles que não querem se converter ao Islã, e escraviza mulheres e crianças. Quem denuncia a barbárie? A mídia, essa intrusa, que está presente nos recantos mais remotos do mundo. Mas a mídia também é instrumento de publicidade.

Por que a decapitação? Talvez porque era a forma mais vil de matar os condenados durante séculos, na Idade Média. Por ter um componente teatral, visualmente dramático e chocante. O uso da faca, na frente da câmera, visa chocar, confrontar, assustar. A cena completa mostra o corpo do jornalista, já decapitado, com a cabeça em cima da barriga. Existe ícone mais poderoso, para quem quer agredir toda uma civilização?

Como diz a jornalista Deborah Orr, do jornal britânico The Guardian, “Nós podemos nos recusar ver a cena do assassinato do jornalista James Foley, mas o grupo Isis ainda está infectando nossas mentes”.

Isso explica também a reação irritada de Obama, ao dizer que o objetivo claro é “conter e destruir o Isis... não nos deixaremos intimidar”. Bem como a reação de David Cameron primeiro ministro britânico, de não ceder à chantagem de terroristas, por mostrarem uma foto de um cidadão britânico, que seria, segundo o terrorista, a próxima vítima do grupo.

Antes da gravação do vídeo terminar, o jihadista avisa os governos dos países aliados dos EUA para deixarem o Estado Islâmico em paz. Enquanto faz este aviso, o combatente islâmico mostra um cidadão britânico sequestrado, identificado como David Haines.  O aviso, portanto,  é extensivo a países que dão apoio aos Estados Unidos, como o Reino Unido.

Os recados do terror e o Ocidente refém do medo

O que mais pretende o grupo terrorista ao transformar a morte dos jornalistas num espetáculo de mídia, transmitido ao vivo para o mundo?

Primeiro, marcar posição. “Se vocês não nos conhecem, está na hora de saberem quem somos e do que somos capazes.” Os fatos só existem, se forem para a mídia. Eles sabem bem o que estão fazendo. “Nós damos as cartas, vocês agora são reféns do grupo e deveriam recuar.”

Segundo, eles também, além de dizerem o que querem - como o mais notório grupo terrorista do planeta, no momento –, descobriram a forma mais fácil, e talvez mais poderosa, de fazer propaganda. A mídia internacional não pode ignorar o acontecimento, por mais deprimente e afrontoso que seja. Ao cumprir o dever de informar, acaba aderindo ao jogo perverso dos terroristas, que querem visibilidade exatamente para impressionar. E conseguem.

“Propaganda é agora de longe a arma mais barata e mais fácil de obter numa guerra. Chamamos-lhe a batalha por corações e mentes, e isso está sendo travado em todo o planeta. Infelizmente, sua matéria-prima é o verdadeiro sofrimento e a morte real. As pessoas não matam apenas porque gostam, mas para obter "boa publicidade" para suas causas”, diz a jornalista Deborah Orr, no The Guardian.

A escolha do carrasco nascido britânico, jovem islamita radical do oeste de Londres, com seu impecável acento britânico, não foi por acaso. Talvez o recado seja: “temos adeptos, até mesmo no mundo de vocês. Que seguem rigorosamente as leis islâmicas e aderiram à nossa causa”. A declaração do militante, chamando Obama para o confronto, tem conotações  que misturam arrogância, fanfarronice e messianismo. "Eu posso não ter muitas armas à minha disposição, mas olhem o que eu estou preparando para fazer apenas com o que eu tenho na mão.”

Enquanto não saírem do Oriente Médio, querem eles dizer, nós continuaremos sendo uma ameaça constante aos americanos e a quantos teimam em ajudá-los. Por isso, o recado não é só para os Estados Unidos. O Reino Unido, um dos países visados, já prometeu se juntar às tropas que atacarão o Isis. O grupo chantageou os britânicos, ao exigir resgate para libertar o próximo sentenciado à morte, segundo eles, um cidadão do país. Por isso, a Grã-Bretanha elevou o nível de ameaça de um ataque terrorista, nos últimos dias de substancial para “grave”.  A política dos americanos e britânicos é não negociar com terroristas.

Ainda segundo Deborah Orr, “para aquelas almas inocentes entre nós que estão sem entender por que esse ato, associado ao Estado Islâmico, poderia ser "boa publicidade", dando visibilidade a esse ato terrível, especialistas explicam que ele é usado para recrutar outras pessoas justamente porque o mal, o niilismo, a oportunidade de ser um selvagem e bárbaro, é divisionista. Ele atrai potenciais recrutas e, literalmente, horroriza todos os outros. Tenho certeza de que está certo. Mas eu também tenho certeza de que usar o filme como uma ferramenta de propaganda islâmica é muito mais amplo do que isso.”

Comunicados ou vídeos terroristas, embora não sejam ideia original do grupo, pois Bin Laden usou e abusou de mandar recados para os americanos pelo mesmo meio, não há dúvida que a liturgia cinematográfica do Isis representa um divisor de águas ou, pelo menos, uma forma macabra de ser reconhecido. A cobertura hoje é muito maior e a repercussão também. Quanto custa inserir um vídeo de propaganda em escala mundial?

Pois os terroristas compulsoriamente fazem propaganda de sua causa, sob o beneplácito de todas as grandes redes mundiais de comunicação. É uma ironia que essa mesma tecnologia responsável por tantos avanços, seja instrumento de um filme de horror, apenas para justificar crenças religiosas e diferenças históricas com os americanos. 25 anos depois da Guerra Fria, os Estados Unidos significam para essa minoria o “eixo do mal”, às avessas. Ironia, porque o termo foi cunhado pelos americanos ao se referir ao Irã, à Coreia do Norte e Cuba.

“É quase obrigatório salientar que esta é uma história sobre a indescritível barbárie, a crueldade e a maldade, como se isso por si só fosse a razão pela qual a cobertura é tão grande. Mas a verdadeira singularidade da narrativa reside no fato de que seus protagonistas provêm, ambos, do Ocidente. Ninguém pode ser ingênuo o suficiente para pensar que o insulto profundo e absoluto dos terroristas contra o que os acadêmicos gostam de chamar de "privilégio branco" não seja parte integrante de uma história de alcance maciço e diabólico”, diz Deborah Orr.

O dilema desse ato midiático, é que para milhões de pessoas no mundo, simpatizantes da causa dos rebeldes do Isis, os americanos são os vilões. Daí por que o ato toma uma dimensão diferente. Como diz a jornalista do The Guardian:

“Muitas pessoas estão felizes o suficiente para concordar que os jihadistas são os vilões, mas permanecem profundamente desconfortáveis com a idéia de que os americanos são os heróis. Mesmo algumas das pessoas que concordam absolutamente que a morte de Foley está muito, muito além do aceitável, argumentam que parte do problema com os ocidentais é que nós somente escutamos quando outros ocidentais estão contando as histórias. O próprio jornalista James Foley se sentiu compelido a contar a história do sofrimento dos sírios, por entender que os meios de comunicação ocidentais precisam de tradutores ocidentais.”  

Empresas de tecnologia bloqueiam vídeo

O impacto da divulgação dos vídeos da decapitação dos jornalistas é tão forte que empresas do Vale do Silício foram preparadas, ou criaram uma força-tarefa na semana passada para bloquear a divulgação da decapitação do jornalista norte-americano Steven Sotloff, frustrando assim o objetivo maior do grupo terrorista: dar o máximo de publicidade ao ato criminoso. O vídeo anterior da morte do jornalista James Foley ricocheteou nas redes sociais e, por isso,  foi encarado como um golpe de propaganda dos extremistas.

O vídeo da semana passada, mostrando a decapitação de Steven Sotloff, foi enviado primeiro para um site diferente e rapidamente foi apagado, quando copiado para o YouTube, retardando a propagação de mensagens associadas a ele, disse uma fonte de uma empresa do Vale do Silício, na California, falando sob condição de anonimato devido à sensibilidade do tema. Mais uma prova de que não é apenas uma guerra ideológica ou religiosa que provoca a captura e morte de jornalistas, mas uma batalha de comunicação.

Obs. Na linha dos provedores e sites internacionais que boicotaram a manutenção ou inclusão do vídeo da decapitação dos jornalistas, também preferimos omitir o link do assassinato dos jornalistas.

Edição e pesquisa: João José Forni. Tradução: Jessica Behrens.

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