Jessica Behrens*

china poluicao boaA poluição em Pequim está tão terrível que o nascer do sol teve de ser televisionado em um gigantesco telão de LED na Praça Tiananmen para que a população pudesse vê-lo. Aí está mais uma notícia absurda que vai para o rol dos acontecimentos bizarros! Digna de compartilhamento, capaz de provocar questionamentos éticos e filosóficos sobre o ser humano e o meio ambiente. Não hesitei e postei no Facebook.

Pouco tempo depois, alguém revela a verdade: é mentira, essa notícia é falsa. Envergonhada publicamente por ter sido tão ingênua, reparo a fonte: o site da Época Negócios. Ah! Então até eles foram enganados? Mas como explicar uma falha tão grosseira (a não apuração da informação) vindo de um conglomerado de mídia, como a Globo, tão ciosa do seu jornalismo? Pior, não fomos os únicos. Em todos os quadrantes, sites da grande mídia, blogs, redes sociais espalharam a notícia, como se tivessem descoberto um novo planeta.

Enquanto isso, do outro lado do mundo, uma jovem jornalista inglesa desabafa (em grande estilo) na coluna do jornalista Roy Grenslade, no britânico The Guardian.Com apenas 24 anos, a jovem possui um currículo invejável: graduada pela City London University, desde então já passou por três jornais nacionais. Atualmente está em uma redação digital. Para evitar possíveis retaliações por parte de seus empregadores a jovem quis manter sua identidade no anonimato. Seu depoimento soa como um grito de socorro.

"Não é apenas a velha escola, como Brian MacArthur e Phil Moger, que lamentam o falecimento do barulho das prensas após a transição para o novo mundo digital.Tendo estado no mercado de jornais por pouco menos de dois anos (não remunerada na maior parte desse tempo), estou decepcionada também. Eu sei que pareço como uma recém-chegada mimada, mas por favor, me escute.

Como eles, eu sabia que queria ser jornalista desde pequena. Aos 10 anos, eu escrevia histórias e desenhava layouts de primeira página. Aos 16, escrevi no anuário da escola que a minha única ambição era "ser uma repórter.

Eu queria investigar, encontrar furos e escrever com prazos apertados. Eu queria tudo que MacArthur e Moger descreveram sobre suas experiências passadas. Mas a realidade do jornalismo moderno não é mais assim.

A realidade de uma redação digital moderna é a confiança completa nos fios. Eu tenho trabalhado para três sites nacionais de jornais, e todos eles querem jogar uma cópia com uma foto. Nenhum jornalismo é necessário. É basicamente administração."

A referência da jovem aos jornalistas MacArthur e Phil Moger foram objeto de duas análises de Roy Greenslade, em janeiro deste ano, pouco antes de ela escrever ao colunista, quando Brian MacArthur, 73 anos, declarou “Agora estou convencido de que a era Gutenberg 500 anos acabou e estamos testemunhando o começo do fim do jornal impresso."

Esse desabafo mereceu ampla repercussão no Reino Unido, onde o jornalista, com passagens por vários veículos de comunicação, manteve uma coluna na mídia impressa por 20 anos. Ele saudou, com uma ponta de conformismo, menos que aceitação, aqueles que ainda relutam em entrar na era digital, apegando-se à mídia impressa: "Bem-vindos ao admirável mundo novo. Ele não é tão assustador quanto você pensa."

O outro veterano jornalista, Phil Moger, fez carreira na televisão, mas confessa sua paixão pelo jornalismo impresso. Atravessa também o dilema do colega. Da mesma forma, mereceu comentário na coluna de Roy Greenslade, no The Guardian. As duas análises sobre a supremacia do jornalismo digital sobre o impresso serão objeto de outro artigo neste site.

Os tentáculos da teia

Aí está a chave do mistério em relação à notícia chinesa: “jogar uma cópia com uma foto”. Por mais embaraçoso que seja, foi exatamente isso que a Época Negócios fez. Inicialmente, o contraste entre as fotos do vídeo do céu ensolarado e a poluição foi comentado nas redes sociais chinesas. Mas eles sabiam, pelo menos, que aquele céu ensolarado era “fake”.

sol na chinaDifícil dizer como a história começou. O tabloide britânico Daily Mail talvez tenha sido um dos primeiros da grande mídia a repercutir essa “barriga”, no jargão jornalístico, publicando reportagem em 17 de janeiro “China começa a transmitir nascer do sol em telas gigantes porque Pequim está coberta em poluição”.

No dia anterior, a revista Business Insider, a quem o Daily Mail se reporta, havia publicado a mesma notícia. Pelo menos ela dá uma pista. Atribui o crédito da notícia ao retuíte do jornalista Edward Wong, do New York Times, a partir da foto do fotógrafo  Wang Jinhua da CFP, também retuitada pelo correspondente da CNN Jim Sciuto, que cravou: "If smog blocks out the sun, throw up a video of it". Um samba do crioulo doido. Basta dar uma navegada pelo Google e se verá a extensão da teia.

A partir desse ponto, com várias replicações na mídia impressa, que, last but not least ainda mantém uma grande credibilidade, poucos se preocuparam com a verdadeira história, apenas reproduzindo o que foi dito. A falsa notícia se tornou um viral entre os meios de comunicação e nas redes sociais. Não foram poucos os que caíram na roubada.

No dia 20 de janeiro, o site brasileiro Gizmodo dizia que a história era uma mentira. Baseado no site TechInAsia esclarecia a "barriga". O grande painel na praça Tiananmen não passava de um mega outdoor, um anúncio de turismo para a província chinesa de Shangong. Até a marca de quem o assinou dá para ver na foto. Voltemos a Roy Greenslade:

"Não há orgulho em colocar seu nome em uma história que não é sua. Mas muitas vezes somos forçados a isso. Você pode ler a mesma história, palavra por palavra, em dezenas de sites. O público está perdendo a fé na imprensa e eu acredito que essa é uma das razões para isso.

Repórteres sub-qualificados recebem mais e mais responsabilidades (sem remuneração extra, é claro), devido ao aperto do orçamento e ao encolhimento do número de empregados. Um repórter entusiasmado obviamente aprecia a oportunidade, mas é aí que os erros jornalísticos são cometidos."

O preço da informação

china poluicao fakePara compreender melhor o que está ocorrendo no mundo do jornalismo, responda sinceramente a seguinte pergunta: quanto você está disposto a pagar por informação na era do Google? Este artigo, por exemplo, é de graça. Muitos blogs e sites de notícias também são de graça. Entre os mais jovens, a maioria vem consumindo informação, principalmente através do Twitter e do Facebook. Tudo na ponta dos dedos, no computador ou no celular, a qualquer hora e lugar.

Isso tem complicado a vida dos veículos impressos. Os anunciantes, que eram responsáveis por uma boa parte da receita, estão migrando para a publicidade online, muito mais barata. A crise do modelo de negócios foi instalada. Com um orçamento mais estreito, cada vez mais jornalistas perdem seus empregos (no Brasil, em 2012, mais de 1.230 foram demitidos, de diversas áreas, número que não ficou atrás em 2013). Para os que ficam, restam baixos salários e longas e solitárias jornadas de trabalho. Segundo Roy Greenslade, ao comentar a aposentadoria dos veículos impressos para os dois jornalistas:

“Claro, os novos repórteres são muito mal remunerados, recebendo a faixa de £ 14.000 por ano (R$ 55.000), apesar da necessidade de hoje possuir um diploma (além de um mestrado). Apenas aqueles com respaldo financeiro podem fazê-lo.

Se você olhar em qualquer site de emprego você verá os mesmos anúncios. As organizações estão procurando por editores caros e experientes ou estagiários muito, muito baratos. Obviamente, ainda existe reportagem original. Jornais estabelecidos em papéis estão conduzindo investigações de nível mundial. Mas isso ainda está no papel, e não online.

Se uma geração de jornalistas está perdendo seus dentes em um ambiente digital, que requer somente algumas das habilidades, que tradicionalmente associamos com reportagem  então, ao longo do tempo, os padrões irão cair."

A questão é complexa. O que está em jogo é a própria maneira de fazer jornalismo e, do outro lado, o modo de consumir informação. Não há dúvidas, contudo, que o consumidor de notícias está cada vez mais crítico e exigente. Se nem um post falso de um amigo é tolerado no Facebook, imagine o que pensar de um grande veículo. O público não perde a oportunidade de criticar. Equívocos, como a falsa notícia chinesa, minam a credibilidade e comprometem a reputação da mídia. Mostram também outra realidade: os filtros estão cada vez mais frágeis e isso representa um perigo para o futuro da mídia.

Diante desse cenário, torna-se essencial primar pela qualidade técnica e ética. Ou se faz um jornalismo sério, transparente e comprometido com a verdade dos fatos ou este será descartado cruelmente pelo público. Sim, para o consumidor é simples assim, tão simples como deixar de seguir alguém no Twitter. É ainda Greenslade, que encerra uma das colunas com uma mensagem para aqueles que ainda acreditam no bom jornalismo:

“Eu só quero que todos saibam que jovens repórteres, treinados e com um desejo ardente de investigar ainda existem. Nós ansiamos pela oportunidade de fazer um trabalho jornalístico adequado. E é por essa razão que bebemos das histórias dos velhos tempos.

Eu aceito que a transição do impresso para o digital acabará por chegar a algum tipo de estabilidade e, quando isso acontecer, um novo tipo de jornalismo irá surgir. Mas como ele será? Tão bom quanto a era descrita por MacArthur e Moger? Eu me pergunto.” Nós também.

Com a colaboração de João José Forni

*Jessica Behrens cursa Comunicação Organizacional na Universidade de Brasília.

Fontes:

Época Negócios: Tomada por poluição, China tem nascer do sol em telas de LED

Gizmodo: China precisa exibir nascer do sol em telões por causa da poluição? Mentira.

TechInAsia: No, Beijing residents are NOT watching fake sunrises on giant TVs because of pollution

The Guardian: The reality of digital newsrooms: 'copy thrown online with a photo'

The Guardian: The roar of the presses... the passion... the smell of print - an old reporter's happy memories

USP: Pesquisa analisa mudanças no papel do editor com o avanço da internet e a crise no jornalismo

Kotaku: China's Virtual Sunrise Story Called "Bullsh**t"

Luiz Nassif Online: Mais de mil jornalistas foram demitidos em 2012.

Labjor: Mais demissões em 2013.

 

 

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