Que crise pode ser pior do que uma companhia aérea ter um acidente grave, com vítimas fatais? O número de vítimas? Sim. Mas e ainda pior? Não conseguir respostas para os parentes sobre o que aconteceu aos passageiros que embarcaram numa das mais modernas aeronaves do mundo, passados quatro dias do acidente. Isso sim.
No sábado, 8 de março, o voo MH370, da Malaysia Airlines, perdeu contato com o controle de tráfego aéreo cerca de 2h40, após partir de Kuala Lumpur, na Malásia , às 12:41am. O voo do Boeing 777-200 tinha previsão de chegada em Pequim, na China, às 6h30 do mesmo dia. Viajavam no avião 227 passageiros, incluindo duas crianças, e 12 tripulantes.
Com ocorreu no acidente do voo AF447, da Air France, rota Rio de Janeiro-Paris, em 2009, no mar brasileiro, a expectativa de todos, incluindo parentes, uma vez anunciado o desaparecimento, é de encontrar uma resposta, já no dia seguinte, mesmo que o presumível acidente tivesse sido no mar. Mas isso, no caso do MH370, não ocorreu até o momento. O que agravou a crise da Malaysia Airlines.
Embora as mais especulativas e implausíveis explicações sobre o desaparecimento tenham aparecido na mídia nos últimos dias, não faltando até mesmo a absurda hipótese de uma abdução, por seres de outros planetas, como sempre se especula quase como uma lenda, nesses casos, a dura realidade é que aviões do porte de um Boeing 777 não caem do céu ou desaparecem, voando a 13 mil metros, sem uma razão muito séria. Embora não seja um caso inédito (veja artigos sobre o voo Varig 997, abaixo), não existem relatos na aviação mundial de aviões desse porte terem desaparecido sem deixar vestígios. E isso será descoberto, mais cedo ou mais tarde.
Aos poucos, as autoridades dos países envolvidos, a Interpol, CIA, FBI, especialistas em aviação e controle de voo, além dos representantes das empresas Malaysia Airlines e da Boeing, começam a montar o quebra-cabeças para ver se chegam a alguma conclusão que permita localizar o avião. Essa é a prioridade total, no momento. Quanto mais o tempo passa, mais aumenta a angústia dos parentes, o desgaste da Cia. Aérea e os custos com uma operação que envolve 11 países e centenas de aviões e navios, além de milhares de pessoas.
Não é preciso achar o avião para as investigações começarem. As pistas vão desde o fato intrigante de que dois passageiros embarcaram com passaportes falsos, até constatações de que o avião teria dado uma volta, sem comunicar às torres de controle, e voado por cerca de 500 km – mais de 40 minutos, com o transponder desligado, ou seja, não poderia ser detectado pelos radares. Por isso, a área de procura foi ampliada nesta terça-feira, levando em conta o sinal que apareceu numa ilha no Estreito de Malacca a oeste da rota. Não há explicação para isso, ainda.
Como a prática tem mostrado que nenhum acidente aéreo grave acontece por uma única causa, a não ser por fatos excepcionais, como ataque terrorista, por exemplo, (atentado do World Trade Center, o atentado contra um avião da Panam, em Lockerbie, na Escócia, em 1988), os investigadores abrem várias frentes de pesquisa: uma falha catastrófica mecânica ou elétrica; um erro do piloto; interferências meteorológicas, sendo o tempo um fator importante nessa análise; causas com interferência humana, o que significa, entre outras, sabotagem criminosa, ataque terrorista, surto paranóico ou briga entre os passageiros, que tenha interferido na segurança do voo (abrir a porta, por exemplo) ou atividades militares, como mísseis disparados contra a aeronave .
No caso do MH370, parece já descartado problemas com o tempo. As condições eram excelentes para voo na região naquela noite. Existe a possibilidade de erro do piloto, como aconteceu no voo da Air France. Mas, nesse caso, ao constatar o erro, pela altitude do avião (13 mil metros), haveria tempo de algum comunicado ou pedido de orientação, antes do acidente. O fato de a aeronave já estar em altitude de cruzeiro (o avião não estava subindo, nem descendo), quando o contato por rádio foi perdido, daria aos pilotos pelo menos um certo tempo para corrigir eventual problema. Na altitude de cruzeiro, os pilotos também teriam tempo para, eventualmente, usar o rádio e relatar quaisquer problemas. Portanto, uma causa bastante improvável.
Do ponto de vista investigativo, a ausência de um alerta da tripulação pode ter sido causada por uma descompressão catastrófica na cabine, o que teria provocado uma desorientação espacial dos pilotos, tornado-os incapacitados para interferir no comando do avião.
Com poderia acontecer isso? Poderia ser causado por uma falha estrutural maciça da aeronave ou, eventualmente, por um dispositivo explosivo repentino. A suposta mudança de direção do curso, antes de a aeronave desaparecer, como relatado em alguns meios de comunicação, pode ser um indicativo de rompimento do nariz da cabine, obrigando o avião a mudar de direção antes da queda. Nada indica que a mudança de direção, sem comunicar absolutamente nada aos controladores de voo, tenha sido provocada como uma manobra conscientemente conduzida pelos pilotos.
Portanto, quais as outras causas que restam? Com as informações atualmente disponíveis, uma falha mecânica catastrófica ou um problema mecânico grave, provocado pelo homem, seriam as possíveis alternativas de investigação. Hoje, a Interpol praticamente descartou a hipótese de ataque terrorista, ao identificar os dois passageiros com passaportes falsos. Seriam jovens iranianos que apenas tentavam emigrar para a Alemanha, onde a mãe de um deles mora.
Mas, pergunta-se, se o avião tivesse explodido em voo, como se especula, não teria aparecido nenhum fragmento, tanto na região mapeada, como em outras regiões, considerando agora a hipótese de mudança de rota? Além disso, especulam analistas internacionais, é também muito razoável supor que alguém, tanto na região, quanto nos arredores, pudesse ter capturado um sinal - ou uma imagem - da explosão do avião, incluindo as poderosas lentes da Estação Espacial Internacional. Nenhum satélite até o momento identificou qualquer sinal estranho na região, no sábado à noite. Se imagens existem, elas poderiam ajudar a desvendar o mistério do voo MH370.
Lições de crise
Que lições até o momento podemos tirar dessa crise grave? Primeiro, a empresa Malaysia Airlines tem agido corretamente em não se precipitar. Informa, passados quatro dias, que o avião está desaparecido. Então não se fala em mortes. As notas são lacônicas e se limitam ao estritamente necessário. Até o momento (11h30pm de 11/03/14), a aérea já divulgou 12 Comunicados, atualizando as informações.
A empresa tomou as providências para transportar e dar assistência aos parentes, no aeroporto de Pequim, de onde era a maioria dos passageiros (150) e nos demais aeroportos. O presidente da cia. não se escondeu, já concedeu várias entrevistas. Periodicamente, no site, ela vem atualizando as informações sem entrar na paranoia de estender o comentáio ou divulgar factóides ou especulações.
A comunicação, tanto interna, quanto externa, nesse momento grave de crise, precisa estar muito bem administrada. Hoje (11) à tarde, a empresa divulgou uma nota onde desabafa: "Como sabem, nós estamos no meio de uma crise e não queremos nosso foco desviado"... "Instamos também os meios de comunicação e o público em geral para respeitar a privacidade das famílias dos nossos colegas e passageiros."
A empresa também descartou, hoje à tarde, com uma lacônica mas incisiva nota, o boato de que quatro passageiros teriam feito checkin e não embarcado. Isso não ocorreu. Os passageiros compraram a passagem, mas não embarcaram, deram "no show". Isso mostra que ela está atenta a versões não confirmadas.
A Malaysia informou também, por meio de nota, atualizadas diariamente, que providenciou cerca de 200 assistentes sociais para atuarem em Pequim e Kuala Lumpur dando suporte emocional às famílias e assegurando as necessidades básicas "para que tornem essa situação suportável". Também providenciou, diz o informe, assistência financeira para todas as famílias dos passageiros, como passagens, acomodação, referições e suporte médico por conta da empresa. Além disso, ofereceu tradutor de mandarin, para facilitar a comunicação com os que não entendem inglês.
A mídia repercutiu a reação dos parentes que se queixam da falta de informação. A cada hora sai uma versão nova. Numa entrevista das autoridades um pai chegou a gritar, pedindo por notícias do filho. Mas o que a empresa pode fazer num caso desses? A descoberta do avião transcende a capacidade da empresa no momento. É competência das autoridades aeronáuticas. Parentes alegam que os celulares dos passageiros tocam, como se estivessem chamando, mas ninguém atende. Especialistas dizem que isso é possível, enquanto as baterias estiverem ativadas, o que não convenceu muito bem os parentes.
A empresa anunciou também a criação de um Centro de Coordenação de Resposta: "As we wait for updates from SAR teams, to support the families, a Response Coordination Centre will be established once aircraft located"
A Malaysia Airlines não pode especular, sobre qualquer hipótese. Ela está tão perdida quanto as autoridades. O que resta, portanto, é a terrível e lenta agonia de esperar o desenlace para tomar as providências que se seguem a um acidente de graves proporções: resgate dos corpos, identificação, liberação. E passar pelo difícil purgatório de ações na Justiça e discussão de indenizações com parentes dos passageiros e seguradoras. Enfim, uma crise que a empresa aérea jamais esquecerá.
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Mapa da área de procura do avião
Fonte: AFP (Via Twitter @JohnSaeki)