Como vazamento de emails, combinado com cochilo de assessores e decisão estúpida, pode implodir uma candidatura.
O episódio descoberto no início do mês, nos EUA, envolvendo o governador americano de Nova Jersey, Chris Christie, mostra como a Internet, combinada com decisões suspeitas e auxiliares irresponsáveis e descuidados, pode ser nitroglicerina pura nas pretensões políticas de um candidato.
A rápida reação do governador, negando desconhecer o fato, demitindo imediatamente os auxiliares, supostos culpados pelo ato, além da humildade de reconhecer o erro e assumi-lo, podem, como diz um especialista em gestão de crises, manter sua cabeça fora d’água. Mas não conte que o eleitor irá perdoá-lo.
A crise em que Christie se envolveu, até agora um forte candidato para confrontar Hillary Clinton, suposta indicada democrata nas próximas eleições, podia ser evitada. Analisada sob o aspecto operacional, é tão infame quanto ridícula. Como se ninguém fosse descobrir.
Na segunda semana do ano vazaram emails para a mídia, com troca de mensagens entre auxiliares do prefeito, nas quais eles combinavam fechar a ponte George Washington, que liga Nova Jersey a Nova York, em determinado horário de grande afluxo no trânsito.
Essa ponte é uma ligação estratégica num dos lugares mais movimentados dos Estados Unidos; a combinação era dificultar propositadamente o trânsito no lugar para desgastar o prefeito da cidade de Fort Lee, democrata, que não apoiou Christie nas últimas eleições. De tão amadora a represália, mais parece um ato de uma república de bananas.
As suspeitas sobre a confusão no trânsito vinham sendo exploradas pela mídia, desde o ano passado, mas o governo estadual sempre negou qualquer conotação política nos engarrafamentos. Em meados de setembro de 2013, a Autoridade Portuária de Nova York e Nova Jersey, inesperadamente, fechou duas pistas de acesso no lado de Nova Jersey, da ponte George Washington, que atravessa o Rio Hudson, e serve como a principal rota entre os dois estados. Isso causou um enorme engarrafamento, bloqueando as ruas perto da cidade de Fort Lee.
A crise
Após o vazamento dos emails para a mídia, neste início de ano, Christie disse estar "envergonhado e humilhado" pelas atitudes de sua equipe e afirmou que não tinha ideia de que seus assessores haviam fechado ruas por punição política. Acredite se quiser. Incontinenti, anunciou a demissão da assessora Bridget Anne Kelly, "porque ela mentiu para mim".
"É hora de termos alguns problemas de trânsito em Fort Lee", escreveu a assessora do prefeito, Anne Kelly, em agosto do ano passado, para David Wildstein, funcionário nomeado pelo governador para a Autoridade Portuária de Nova York e Nova Jersey.
"Entendido", respondeu Wildstein. Cerca de um mês depois, ele ordenou o fechamento de duas das três faixas de tráfego que ligam Fort Lee à ponte George Washington, entre Nova Jersey e Nova York, e instalou o caos no trânsito. Especula-se agora que o engarrafamento pode até ter causado mortes e os dois, sem ainda considerar a conivência do governador ou de outros funcionários do governo, podem responder na Justiça pelo tresloucado ato.
A mensagem estava entre uma série de emails e textos obtidos pela agência de notícias Associated Press e outros veículos de imprensa, o mais claro sinal de que os assessores de Christie estavam envolvidos nos fechamentos das pistas. O vazamento desmentiu o próprio governador, no mês passado, quando foi levantada a hipótese de congestionamentos propositais, provocados por motivos políticos, e ele negou o envolvimento de seu governo no episódio.
Em uma entrevista coletiva em dezembro, Christie disse que o episódio não era "grande coisa". Alegou que a política partidária estava em jogo e culpou, como sempre, a mídia por estar obcecada pela história. A divulgação dos emails escancarou um escândalo que pode custar o futuro político de Christie, um governador bem aceito, que se aproximou de Obama durante o furacão Sandy, no ano passado, e vinha fazendo um bom trabalho. Ele acabou virando estrela dos Republicanos e sério pretendente à Casa Branca.
Como consertar
"Erros ocorreram claramente. E, como resultado, decepcionamos em servir as pessoas que tinham nossa confiança. Sei que os nossos cidadãos merecem melhor. Muito melhor. Eu sou o governador, e eu sou responsável por todas as coisas que acontece no meu espaço - boas e más”. Disse o governador, na entrevista.
"Eu estou embaraçado e humilhado pela conduta de algumas pessoas do meu staff”, frisou na entrevista coletiva dada quinta-feira, dia 9.
O escândalo já está sendo chamado “Bridgegate”, alusão ao famoso escândalo “Watergate”, (invasão da sede do Comitê Nacional Democrata) que ajudou a derrubar o presidente americano Richard Nixon, que renunciou, em 1974, após os desdobramentos da invasão.
Para o especialista americano em gestão de crises, Jonathan Bernstein, se o governador de Nova Jersey está sendo honesto, ele vai ter que caminhar, agora, num fio muito tênue para merecer a confiança dos eleitores; e não poderá dar nenhum motivo de suspeita de outras ações manipuladoras. Ele não pode mais errar.
Os eleitores, os adversários políticos, os críticos e, certamente, a mídia estarão observando qualquer oportunidade para atacar deslizamentos similares do político. Uma grande ameaça sempre vem dos empregados demitidos, até porque, com o processo na Justiça, vai ser difícil mantê-los quietos por muito tempo. Além disso, quando um escândalo desse tipo estoura, o escrutínio público sobre o acusado se intensifica. Todos os olhos da mídia e da oposição irão estar sobre Christie, a partir de agora.
O escândalo está longe de ter terminado. Vai ser lembrado na campanha. Mas se houver uma pequena possibilidade de que o governador ter tido conhecimento da represália ao adversário, então, sua carreira política vai entrar para o rol dos "que foram sem nunca terem sido". Um bom candidato que morreu na praia vítima de mais um caso de crise.
Atualização do artigo 22/01/14
Em 21 de janeiro, o governador Chris Christie tomou posse para o segundo mandato em Nova Jersey. Não foi mencionado no discurso o "bridgegate", nem outras acusações, que apareceram depois, de ele ter feito chantagem, envolvendo vítimas da supertempestade Sandy, em 2012. Existe também outra acusação de uma prefeita democrata de Christie ter condicionado a ajuda às vítimas da tempestade Sandy à aprovação de um projeto imobiliário. Tudo isso ele já negou.
Ele ignorou as denúncias e o escândalo da ponte no discurso de posse. Mas os eleitores dificilmente esquecerão. Pesquisa realizada, na semana passada, mostrou queda no apoio do governador. Há um ano, 40% tinham opinião favorável ao seu governo. 17% não gostavam. Agora, 34% desaprovam a gestão e 38% o aprovam. Antes do escândalo, Christie tinha 48% das preferências num embate com Hillary Clinton, contra 46%. A NBC/Marist fez um levantamento após a crise e mostrou Hillary com 50% e o republicano com 37 das intenções de voto.
Artigos relacionados ao tema
New York Times - Bridge Scandal Papers Point to Cover-Up by Chris Christie Allies
New York Times - Christie Faces Scandal on Traffic Jam Aides Ordered
Republicanos evitam defender Christie
Governador já era questionado politicamente antes da crise