secaRetrospectiva 2013

Poderíamos começar pelas águas de janeiro. Todos os anos ceifando vidas na região Sudeste. Em 2013, pelo menos no início do ano, a natureza foi complacente com o Brasil. Atacou no fim. Mas, em janeiro, ocorreu a crise mais grave do ano no país: o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria. Analisado esse episódio, sob qualquer aspecto, ali não há inocentes entre os diversos responsáveis que deveriam ter evitado essa tragédia.

As vítimas são os 242 jovens, confinados numa autêntica ratoeira. E, naturalmente, suas famílias e amigos. São vítimas da incompetência e a ganância de empresários;  da falta de fiscalização do poder público, principalmente Bombeiros e Prefeitura; e até da omissão da imprensa e dos órgãos fiscalizadores. O segundo maior incêndio do Brasil, e um dos mais graves ocorridos em casas noturnas no mundo, deixou sequelas que o tempo não conseguirá apagar. 

Passado um ano do episódio, as lições parecem não ter sido aprendidas. Continuam a pipocar pelo Brasil espetáculos  que colocam a vida dos frequentadores em risco, da violência nos campos de futebol à insegurança nos equipamentos dos parques de diversões; das boates aos shows ao ar livre. Essa tragédia, que chocou o país, e a cadeia de culpados foram analisados num denso artigo publicado alguns dias após o incêndio, no início do ano: "Os verdadeiros culpados da tragédia de Santa Maria". Continua válido.

O Brasil foi para as ruas

passeatas2013 vai ser lembrado também pelas passeatas que sacudiram o Brasil. De início, o mote eram aumentos nas passagens de ônibus. Aos poucos, a população se apropriou de outras bandeiras e passeatas viraram rotina. Reclamava-se de tudo. Em meados do ano, não havia dia em que não houvesse uma manifestação. A incompetência do poder público e os pruridos eleitorais, coibindo as polícias de reprimir a baderna, levou vários grupos a se acharem no direito de interromper estradas, invadir prédios públicos e partir para cima da polícia por qualquer motivo.

As interrupções e protestos começaram a fazer parte da triste rotina da vida das grandes cidades, e a população virou refém. Um movimento sadio, que poderia ter produzido resultados concretos tão importantes para o país, acabou – como tantos outros – apropriado por grupos radicais, partidos políticos e até por facções criminosas, que acharam uma oportunidade para confrontar a fraqueza das autoridades.

As passeatas foram contaminadas pela horda de arruaceiros dispostos a destruir bens públicos e propriedades privadas.  Sabe-se hoje que havia ordem de dentro de presídios aos meliantes, disfarçados de “manifestantes”.  Não se sabe se alguém ainda permanece preso. Mas deveriam seguir o exemplo da Grã-Bretanha.

Em 2011, várias cidades do Reino Unido, incluindo Londres, foram alvos de protestos de jovens que foram para as ruas saquear e incendiar prédios, carros e ônibus. A polícia ficou uma semana atordoada. Mas, passada a onda, inúmeros jovens foram identificados, muitos apontados pela própria população, e estão na cadeia. Lá não existe complacência com “menores”.  Acima de 10 anos, responde judicialmente e, não há lobby de direitos humanos capaz de mudar essa realidade. 

Aqui, junto com a violência jovem, também houve excessos das polícias. Manifestantes e jornalistas foram atacados com balas de borracha sem razão, apenas porque “estavam lá”. Nem entre os policiais havia consenso sobre como agir durante as passeatas. As autoridades ficaram meio atordoadas. Até um comandante da PM apanhou dos manifestantes e pediu "calma". Sem comando, ninguém sabia o que deveria fazer.

O resultado dessa "catarse" coletiva até agora ninguém conseguiu avaliar. Talvez nem os manifestantes soubessem direito por que estavam nas ruas. Protestavam contra tudo, incluindo as obras da Copa. O governo, assustado, prometeu muito e não entregou quase nada. O Congresso, assustado, apressou-se em votar alguns projetos engavetados, mas, passada a onda, voltou à velha rotina dos conchavos eleitoreiros e voos da FAB com dinheiro público.

No Rio, a polícia que recebe elogios nas UPPs e entrega flores às mães também tem recaídas de marginais. Um grupo de policiais não conseguiu explicar o desaparecimento de um ajudante de pedreiro, o Amarildo, e o caso virou notícia nacional. O Ministério Público denunciou 25 PMs, incluindo oficiais, pelo desaparecimento, tortura e morte do operário. Uma rotina que se repete em várias capitais pelo Brasil.

O homem que queria ser rei

EikeSonho: ser “o homem mais rico do mundo”. Um empresário que mira esse norte, não poderia chegar muito longe. Sonho poderia ser criar o maior ou o mais sustentável grupo econômico do mundo;  ou gerar milhares de empregos. Quem sabe, pilotar empresas que dessem grande contribuição à pesquisa ou ajudassem o Brasil se tornar uma potência econômica. Mas não.

Para um sonho tão fútil, um pesadelo de dimensões irreparáveis. Foi o que o empresário Eike Batista trouxe a milhares de acionistas e empregados em 2013. É considerado um dos maiores fracassos empresariais do Brasil da nossa história recente. Queridinho de políticos e governantes,  badalado por artistas e celebridades, o sonho de ser "o mais rico do mundo" abalou a credibilidade do país no exterior.

Foi uma crise previsível, pelo menos para quem não se deixou empolgar pelas fanfarronices do empresário, sobre as quais a Comissão de Valores Mobiliários-CVM agora bota o olho. Pena que tarde demais para tantas “vítimas” da megalomania de quem pensava mais em aparecer nas revistas do que cuidar das próprias finanças. Que a CVM e a Justiça agora enquadrem quem brincou de empresário.

O “pseudo-império” de Eike foi estimado em 60 bilhões de dólares. Até hoje não se sabe se chegou a esse valor realmente ou eram apenas valores “virtuais”, lastreados com petróleo que nunca foi achado. Hoje ele tem pouco mais de 2 bilhões de dólares. Mas comprometidos com bancos (só para o BNDES e a Caixa ele deve R$ 6,3 bilhões), impostos,  passivos trabalhistas e sabe-se lá mais o quê.  Eike é um “case” para ser estudado. Como tão poucos enganaram tantos por tanto tempo? Desde o derretimento da Encol, o Brasil não via um escândalo tão vergonhoso.

Crises políticas

Em Brasília, deputados protagonizaram escândalos nacionais ao se recusarem cassar o mandato do colega condenado  por formação de quadrilha e desvio de dinheiro público. O tema voltará ao plenário em 2014. O pastor Marco Feliciano, conhecido por declarações racistas e homofóbicas, foi eleito para a Comissão de Direitos Humanos. Mais ou menos como colocar o Jair Bolsonaro como presidente da Comissão Nacional da Verdade.

Junto com Eike Batista se evaporou o capital político do governador do Rio, Sérgio Cabral. Ele brincou com a paciência do povo. Foi flagrado utilizando helicóptero do governo para passear com a família e o cachorro. Fotografado num convescote, em restaurante de Paris, com empresário que mantinha contratos milionários com o governo federal e o estado. Resultado: manifestantes acamparam na frente da residência oficial. Foi o suficiente para derreter o que restava de credibilidade do amigo do peito de Lula, que lhe proporcionou 60% dos votos na eleição.

A crise pessoal de Sérgio Cabral deixa várias lições para quem é neófito em política, agora que ele mal pode sair à rua, no Rio de Janeiro. Basta acompanhar sua trajetória nos últimos anos. Não existe UPP, nem Teleférico, nem comemorações de conquistas da Copa do Mundo ou Olimpíadas que salvem uma reputação, quando se brinca e se perde o respeito pela população que paga impostos. Uma crise prevista, para quem acompanhava os factóides do governador.

Crises econômicas

the economistO governo nega. A presidente diz que há uma “guerra psicológica” de empresários, oposição, quem mais? Quem falou em “pernas mancas” da economia foi gente de casa mesmo. Ato falho, porque o ministro da Fazenda é o primeiro a negar que haja uma crise na condução da economia brasileira. Só que os investidores, a imprensa e os analistas econômicos internacionais, que não são bobos, já perceberam que o Brasil não é mais o queridinho.

Como mostrou a revista The Economist na capa, com o Cristo Redentor decolando, em 2009, e rateando em 2013, o Brasil realmente teve uma pane técnica e começou a patinar nos últimos anos. O discurso de que aqui não havia crise não se sustenta mais, principalmente em 2013. Há sim uma crise de credibilidade no país. Interna e externa. E os números não negam. Só quem não vai ao supermercado, nem paga colégio para os filhos ou tarifas públicas pode dizer que a crise do Brasil é resultado de uma “guerra psicológica”.

A Bovespa, sempre um indicador da pujança da economia, foi a segunda Bolsa que mais caiu em 2013 no mundo (15,5%), só não foi pior do que a do Peru. E, convenhamos, 2013 é considerado pelos analistas como um dos melhores anos do mercado de capitais. Wall Street cresceu 29%, o melhor resultado desde 1997; a Bolsa europeia (FTSE) teve ganhos de 16%, num Continente em crise; o índice Nikkey, de Tóquio, chegou a 56.7%.  Por que os investidores fugiram da Bolsa? O que o governo fez com as ações da Petrobras, sempre o carro-chefe da Bovespa?

A julgar pelo andar da carruagem, vamos ter que aturar mais um ano, pelo menos, com a equipe manca que está aí. Ambiente propício para surgirem outros Eikes e nós continuarmos pagando uma das maiores cargas tributárias do mundo.

Crises de reputação

fiscal corruptoEm São Paulo, a multinacional Siemens delatou a autoridades antitruste a existência de um cartel nas licitações para obras de manutenção do metrô de S. Paulo e da CPTM. A multinacional entregou documentos ao CADE com indícios de cartel em pelo menos três governos do PSDB, no estado de S. Paulo. 

O governador Geraldo Alckmin nega ter tomado conhecimento e abriu inquérito para apurar a conduta das empresas. A reação visa mais a dar uma resposta política do que, efetivamente à intenção de apurar. Não se viu até agora nenhuma ação concreta que visasse esclarecer a denúncia. O tema continua nebuloso. Mas nem as empresas, nem os políticos envolvidos são inocentes neste caso. Sinal de que essa crise entrará no ano eleitoral. 

Embora a Siemens tenha obtido imunidade pela denúncia, o fato não deixa de causar arranhão na  reputação da empresa.  Durante anos ela também fez parte do esquema, que envolve outras empresas como Alstom, Bombardier, CAF e Mitsui.  O fato de denunciar, não a absolve. A denúncia foi enviada pela Justiça Federal para o STF.  Esse imbróglio está longe do fim, até porque o próprio Ministério Público de S. Paulo tem explicações para dar.

Mas S. Paulo não teve apenas esse escândalo. A chegada do ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, à Prefeitura de S. Paulo, coincide com o estouro de um outro. A partir de uma investigação da Corregedoria Geral do Município, descobriu-se fiscais com patrimônio incompatível com a renda e um enorme esquema de corrupção com origem em gestões anteriores.  

Os  fiscais achacavam empresários para recebimento de propina, reduzindo os valores de cobrança do ISS. E muitos empresários já confessaram ter aceitado entrar no esquema para pagar menos impostos.  Em 16 meses, entre junho de 2010 a outubro de 2011, o grupo que traficava influência arrecadou R$ 29 milhões de 410 empreendimentos. O prejuízo calculado pela Prefeitura de S. Paulo é de R$ 500 milhões. Vários políticos têm pessoas de confiança ou parentes vinculados a essa máfia.

Desastres naturais

enchente esOs desastres naturais em todo o mundo estão cada vez mais onerosos e destruidores.  No Brasil, em 2013, as chuvas e deslizamentos mais violentos ocorreram agora em dezembro. Em Minas Gerais e no Espírito Santo, o transbordamento de rios e a queda de encostas mataram cerca de 50 pessoas, considerando mortos e desaparecidos até dia 31/12. Embora menos deletérias do que em anos anteriores, as chuvas de verão no Sudeste continuam ceifando vidas. No Espírito Santo é considerado o maior desastre natural do Estado.

Entretanto, há uma crise de que pouco ouvimos falar, mas cujas consequências são extremamente perversas para a região. Trata-se da seca no Nordeste, a maior tragédia natural do Brasil no ano. Não são apenas as águas dos rios, o gado e as plantações que padecem com a estiagem severa. Ou a população, que sofre com a falta de água e, em consequência, com a piora nas condições de saúde. Os empregos também “evaporam”. Só no primeiro semestre de 2013, segundo o Ministério do Trabalho, 60 mil empregos desapareceram na região.

A seca também propiciou a exploração dos pobres por grupos corruptos, onde até o Exército teve o nome manchado. Empresas pagas pelo governo,  para distribuir água nas regiões afetadas pela seca, entregam o produto contaminado, sob o beneplácito de prefeitos e outros empregados públicos que se beneficiavam da maracutaia. É o tipo de crime que deveria ser considerado hediondo.

As crises que não acabam entra ano sai ano

reitoria quebra2013 foi bom para o Brasil? Depende de como analisarmos. O país não foi aprovado no exame final, apesar da propaganda. A economia capenga refletiu outros setores. Nos esportes tivemos algumas vitórias importantes, mas nada que apontasse o país como uma potência esportiva. Na educação, nossa nota no PISA (Programme for International Student Assessment) ainda deixa a desejar, apesar de discursos oficiais comemorando um leve avanço no desempenho em Matemática, quando no ranking mundial ocupamos a 57ª posição, num total de 65 países. Ou seja, um fracasso.

A USP caiu 68 posições no Times Higher Education, o índice do jornal The Times, de Londres, que mede o prestígio das universidades mundiais. Nada que não possa ser explicado pelas greves nas universidades federais e as constantes invasões de alunos a instalações dos campus universitários. A qualidade do ensino foi o que menos importou nessas manifestações.

Na saúde, a experiência do programa “Mais Médicos”, embora represente um avanço para certos municípios desprovidos de profissionais, ele nasce com o ranço de jogada política. Médicos cubanos recebem apenas uma parte do salário de R$ 10 mil que o governo brasileiro paga. Grande parte desses recursos vai para ajudar a ditadura cubana cobrir seus déficits. A importância do Programa para resolver os problemas da saúde brasileira é inversamente proporcional aos dividendos políticos que o governo pretende tirar no próximo ano. Lamentavelmente.

O Programa não vai resolver as doenças crônicas da saúde brasileira, que não foram atacadas na sua origem. Burocracia; falta de profissionais, de leitos e de remédios; corrupção; instalações precárias, todos problemas históricos que contaminam os programas de saúde no Brasil. As imagens mostradas pela imprensa durante o ano, nos hospitais públicos, são de envergonhar qualquer país.

Para finalizar, a nossa eterna crise na segurança continua sem solução. O país tem um dos mais altos índices de homicídios do mundo, se considerarmos países desenvolvidos e emergentes. Foram 50 mil assassinatos em 2012 e neste ano nada indica uma redução. Os crimes em 2012 aumentaram 7,6% em relação a 2011. A taxa nacional de homicídios ficou em 25,8 por cem mil habitantes. Altíssima. Alagoas lidera o ranking negativo, 61,8 casos por cem mil habitantes. Espírito Santo foi o estado que mais reduziu esse índice, de 41,1 para 27,5.

Apenas um dado recente para mostrar a que nível chegamos. A capital do Rio Grande do Norte,  Natal, com população 10 vezes menor do que Nova York, teve 70% mais homicídios (569) em 2013 do que a metrópole norte-americana (333).  São Paulo em apenas um mês (novembro) teve mais assassinatos – 352 – do que Nova York no ano todo. Se pretendemos, na próxima década, figurar entre as maiores economias do mundo e entrar no time dos países "desenvolvidos", há muito trabalho a fazer nessa área. Uma crise que nenhum governo - estadual ou federal - até agora conseguiu vencer.

Num próximo post, analisaremos as crises internacionais.

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