enchentes boaFim de ano. Em todo o mundo época de festas. Não importa se a população é cristã ou não. A virada gregoriana do ano não passa em branco, mesmo entre os que nunca ouviram falar no Papa Gregório XIII. No Brasil, entretanto, para centenas de famílias fim de ano remete a sofrimento. As enxurradas de dezembro e janeiro na região Sudeste invadem e destroem casas; matam e deixam milhares sem teto. Enquanto a maioria comemora e folga, uma pequena parte do Brasil chora. Rotina repetida todos os anos.

O Blog CB3 Communications publicou um artigo este ano em que destaca o cuidado com as pessoas na hora das crises, quando a reputação das organizações ou dos governos está em jogo. E a importância da comunicação de crise. Não importa o tipo de catástrofe, “poderia ser um derramamento químico, um incêndio na fábrica, uma falha letal em um produto, um ataque terrorista ou uma catástrofe natural. Em comum - o potencial ou atual dano e sofrimento à carne e aos ossos, ao corpo e à alma. O sofrimento humano.”

Há dois vetores ou balizadores de resposta na comunicação de crises. Um é baseado na reputação e outro baseado na segurança pública e no bem estar. O primeiro afeta o preço das ações; o segundo se relaciona diretamente às pessoas. No caso em que o último é um problema, o primeiro automaticamente ocupa o segundo lugar. Se os problemas das pessoas não são tratados, a reputação estará totalmente arranhada de qualquer maneira, diz o artigo.

Considere esta declaração hipotética. "Se eu não sei se o meu marido, esposa, filho, filha, mãe ou pai estão vivos ou mortos, ou o que eu preciso fazer para salvar minha família, então eu realmente não me importo se a culpa é sua ou não, ou que você está fazendo tudo o que puder para ajudar ou que você tem um sistema de segurança fantástico". (Sobering).

Quando as empresas ou governos se deparam com pessoas enfrentando situações de crise, como acontece agora em Minas Gerais e no Espírito Santo, com as enchentes e deslizamentos, ou no Nordeste, com a seca, haverá alguns elementos de informação vitais que podem ser exigidos por aqueles que sofrem efetiva ou potencialmente, sejam eles funcionários, clientes, usuários ou o público em geral.

Eles terão de ser abordados com urgência, antes de qualquer outra coisa. Pouco importa o governo dizer que aplicou tantos bilhões de reais em infraestrutura, que não sei quantos milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza nos últimos dez anos. Antes de se falar em recordes de Bolsa Família, o que importa para aquelas famílias, atingidas pelas catástrofes, é a situação de penúria em que se encontram e o primeiro culpado para eles, não sem razão, são os governos estaduais e federal. Os políticos também.

A fim de atender a essas necessidades vitais de socorro às vítimas, deslocamento, abrigo, alimentação, remédios e, principalmente, conforto sobre o futuro, é necessário organizar um bem azeitado sistema de informação. Obviamente, há, muitas vezes, quantidade significativa de confusão em torno de eventos extremos de ameaça à vida. Muitas famílias resistem sair de suas casas, ainda que em situação de extremo risco, porque as autoridades não lhes dão segurança de que seus bens serão preservados. Nem lhes dão garantia de uma nova casa, num novo local.

Eles preferem correr o risco de morrer do que o risco de perder tudo que adquiriram com tanto sacrifício. Não é nem apego à casa. Como não têm a garantia da segurança do governo de que seus bens serão preservados – o que deveria ser uma garantia do poder público – eles preferem não sair de casa. Como o poder público vive mais do improviso, não há nos estados ou municípios equipes treinadas e formadas de Comunicação de Crise, que possam trazer tranquilidade a essas pessoas. A informação, nesse momento, é capital para tranquilizar essas famílias.

O artigo do Blog CB3Blog diz que “qualquer pessoa que tenha passado por isso (situações extremas de calamidade) vai perceber que é muito mais fácil dizer do que fazer. Por isso, planos de crise não são apenas caprichos de especialistas. Infelizmente, o poder público não tem tradição de planejamento. Planos de crise são muitas vezes criticados, com afirmações de que eles são demasiado rígidos para lidar com crises imprevistas, e de fato muitos são. Mas para eventos extremos, eles serão inestimáveis.

Eles permitem aos funcionários públicos – defesa civil, bombeiros, polícia, Exército, voluntários - potencialmente estressados e possivelmente chocados realizar ações vitais e fornecer processos orientadores de ação, durante um período emocionalmente sobrecarregado. Serão diretrizes inestimáveis e ações simples e acessíveis, mas flexíveis e facilmente executáveis se as pessoas treinaram e têm noção do que devem fazer nesses momentos.

Infelizmente, no Brasil, o que se vê, nessas horas, é a cultura do improviso. Estradas são interrompidas e as autoridades ficam perplexas, sem dar garantias de prazo para a solução do problema; na verdade, os governos não têm planos de crise para desobstruir rapidamente estradas ou improvisar travessias em locais onde as pontes foram destruídas. Enquanto no Japão, na catástrofe de 2011, estradas destruídas pelo terremoto e tsunami foram recuperadas em dez dias, na BR 020 que liga Goiânia a Brasília, uma simples queda da estrada, pelas chuvas, levou mais de seis meses para ser consertada e liberar a estrada.

Mas, nosso foco é a comunicação. Ela nesses momentos faz a diferença. As pessoas querem saber como será o seu futuro. Casas destruídas por desleixo das autoridades. E agora? Para onde eu vou? Como recupero meus móveis, meus pertences pessoais? Existe algum treinamento de pessoas nos estados rotineiramente atingidos por enchentes em janeiro, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, para tratar desses problemas com os flagelados?

Tais informações, destinadas a prevenir ou aliviar o sofrimento físico ou psicológico, devem ser buscadas internamente e, em seguida, transmitidas para os públicos relevantes. É claro que em um incidente grave, isso pode ser através de uma Autoridade Responsável, tais como os serviços de emergência e é, portanto, vital que uma ligação efetiva seja rapidamente estabelecida, quando acontece um desastre natural. O conhecimento prévio e o engajamento entre as equipes de comunicação dos diversos órgãos oficiais, envolvidos em resgates, devem fazer parte do planejamento de contingência, tornando esse processo mais rápido e mais eficaz. População informada facilita até mesmo os trabalhos de resgate.

Juntamente com a informação crítica a ser prestada aos públicos atingidos, é preciso que as populações de risco tenham os números de contato de emergência para buscar auxílio nos momentos de crise. Recomenda-se que, desde as fases iniciais, o mantra de toda a comunicação deveria ser primeiro de solidariedade àqueles que sofrem;  mas só isso não basta. Recomenda-se ações concretas; discurso, promessas vãs como se vê nas declarações de autoridades, que fazem sobrevoos apenas para cumprir um ritual, antes de ir para a praia no fim do ano, ou voltar às suas campanhas eleitorais, não adiantam. Os flagelados brasileiros não acreditam mais em promessas.

O que as pessoas precisam é de ações efetivas, o que for necessário para aliviar sofrimentos atuais ou futuros, e o apoio oficial com recursos para aqueles que ajudam durante a crise, a partir de seu próprio pessoal, como os serviços de emergência, saúde, as polícias, Ongs, associações de classe, voluntários. As promessas de liberar recursos acabam esquecidas nos escaninhos do poder, abafadas pela burocracia dos servidores que voltam a trabalhar sem pressa, porque eles passam ao largo das catástrofes, confinados em gabinetes com ar refrigerado, cafezinho e outras mordomias.

Os impactos psicológicos de tais eventos, em que pessoas morreram e parentes precisam de apoio ou estão ameaçados, não pode ser subestimado, não menos sobre aqueles que lidam com as consequências. Recomenda-se não apenas dar o apoio material imediato, suprindo as necessidades básicas. Quem nunca teve sua casa destruída ou perdeu tudo não sabe do que estamos falando. Mas também, como esses efeitos psicológicos devem ser monitorados, não menos do que sobre aqueles que trabalham nas equipes e lidam com comunicação com informações chocantes, incluindo até mesmo os jornalistas.

O mais comum é, passados alguns dias, ninguém mais ouvir falar dessas pessoas que foram atingidas pela catástrofe. Muitos famílias que sofreram nas enchentes e deslizamentos ocorridos no Rio de Janeiro, em 2011, com mais de mil mortos e desaparecidos, ainda hoje não se recuperaram tanto materialmente, quanto psicologicamente. Vítimas da natureza, continuam vítimas da incompetência dos governos. Não há comunicação de crise que resolva esse tipo de trauma.

O artigo a que aludimos, diz que “o fundamento aqui é que a informação nestas situações pode salvar vidas. Qualquer organização que trabalha em uma indústria com potencial para se envolver em acidentes ou incidentes com risco de vida - aquelas que lidam com materiais perigosos, utilizando processos de engenharia pesada, produção de medicamentos, em áreas de risco de segurança elevado, para citar apenas alguns - deve ter procedimentos fundamentados, treinados e testados.

Dito isto, qualquer organização, não importa quão pequena, pode sofrer tais eventos extremos e potencialmente mortais. Estar preparado para lidar com tais informações e comunicá-las efetivamente, inicialmente, é menos uma questão de reputação direta como um contribuinte real e tangível do que uma ação para aliviar o sofrimento humano e, talvez, salvar vidas.

Aqui vão algumas dicas sobre por que as pessoas importam mais do que reputação:

1. Fazer a ligação com os serviços de emergência locais regularmente - Esta é uma prática padrão de gerenciamento de crise. Estabelecer links de comunicação e protocolos deve ser uma parte importante de tal providência. Muitas empresas e governos sequer têm os telefones dos principais órgãos que devem ser acionados nos casos de desastres naturais.

2. Disponibilizar telefone de emergência ou ligação grátis (0800), com ampla divulgação. Famílias envolvidas em situações de risco podem estar dispersas, em locais de difícil acesso, e devem ter acesso fácil, rápido e livremente disponível para informações. Os governos municipais devem estar cientes da capacidade dos serviços de emergência. Quando o tempo está bom, as secretarias municipais desconhecem o estado dos veículos de socorro ou até mesmo se o contingente de pessoas está disponível para ajudar em alguma catástrofe. Só descobrem isso na hora da crise.

3. Coordenação de informações entre todos os envolvidos é fundamental - mensagens confusas em um momento de estresse psicológico extremo apenas vai aumentar o estresse. Portanto, garantir que todas as informações disponíveis para o público estão afinadas pelas ações da autoridade responsável. O mais comum nos momentos de estresse ou catástrofes são informações desencontradas, onde a cultura do improviso parece se sobrepor à do planejamento.

4. As áreas de risco devem ter pessoas preparadas para assumir o comando das operações nos momentos de emergência. Nem todas as situações de risco de vida estarão dentro do âmbito dos serviços de emergência. Existem crises que fogem da natureza dos serviços públicos de emergência e as equipes de crise devem estar preparadas para comandar as ações. Além disso, pode demorar algum tempo para tais serviços estarem disponíveis no local. Mas existe “equipe de crise” no estado ou no município especializada nesse tipo de catástrofe?

5. Exercícios simulados de resgate podem ajudar quando a catástrofe acontece. Nos países desenvolvidos, há uma rotina de retirada de milhares de pessoas de zonas de risco, sem que isso represente uma confusão. No Brasil, não há essa prática. O resgate chega sempre após as tragédias. Os testes de simulação de crises são eficazes para identificar problemas imprevistos.

6.  A premissa da velocidade é da essência dos trabalhos de gestão de crises em catástrofes, principalmente quando a vida humana está ameaçada.  Ela sempre está relacionada com a crise, mas onde a sobrevivência das pessoas está envolvida isso tem muito mais importância. Comunique-se rapidamente, mesmo se houver pouca coisa tangível para dizer.  Serviria pelo menos para um alívio psicológico.

Águas de janeiro antes do prazo

No Espírito Santo, o número de mortos chegou a 27, nesta sexta-feira (27), diz Defesa Civil, além de 60 mil pessoas desabrigadas, em casas de parentes ou abrigos. A dificuldade de comunicação dá versões desencontradas para o número de desaparecidos. 52 municípios do Espírito Santo foram afetados pelos temporais e chuvas dos últimos dias.

Em Minas Gerais, até ontem (26), havia 18 mortos nas enchentes. Junto com tudo isso, ainda existe o caos em estradas e vias de acesso nas cidades atingidas, que deixam as pessoas ilhadas, sem comida e assistência à saúde. Não importa quanto os governos façam. Talvez o sentimento mais difícil de reverter para as milhares de famílias que perderam entes queridos e seus pertences seja o da desesperança. Os governos e autoridades públicas não estão preparados para reverter esse sentimento.

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