Jovens europeus na faixa de 18 a 28 anos, principalmente, dos países com crise econômica mais aguda, estão entregando os pontos. Perderam a batalha para a crise. Eles viveram numa sociedade considerada desenvolvida; concluíram o curso superior, escolhendo uma profissão. Muitos completaram o mestrado e o doutorado. Para nada.
Não há empregos e os que não voltaram para a casa dos pais emigraram, para tentar algum trabalho temporário ou qualquer ocupação como forma de sobrevivência.
Alba Méndez é um exemplo, segundo reportagem do New York Times, publicada em novembro. Mora num pequeno quarto, onde sua amiga a deixa dormir de graça. A jovem de 24 anos, com mestrado em Sociologia, acordou nervosa, porque no dia em que o repórter a encontrou, tinha uma entrevista de emprego para trabalhar em um supermercado. Alba é o retrato da juventude europeia da maioria dos países colhidos no vendaval da crise, desde 2008.
A jovem espanhola imaginava uma carreira profissional após a pós-graduação. Como seria natural alguns anos atrás. Pelo menos agora havia com uma oportunidade, após uma série de empregos temporários, que não levaram a lugar algum, e empregadores espertos. Eles, aproveitando a fragilidade dos jovens, exigem que estes trabalhem sem nenhum tipo de remuneração, apenas para, talvez, conseguirem um posto permanente.
Segundo o NYT, sua família implorou para ela retornar à sua casa em Ilhas Canárias para ajudar o pai no seu negócio de frutas. “Era um sinal dos tempos. Nem mesmo seu pai, provavelmente, teria condições de pagá-la. “Nós estamos em uma situação além do nosso controle”, Alba disse. “Mas isso não alivia o sentimento de culpa. Nos piores dias, é realmente difícil sair da cama. Eu pergunto a mim mesma, ‘O que eu fiz de errado'?”
A história de Alba, contada na reportagem do NYT, é mais uma entre milhares de outras nos últimos anos com a juventude europeia, incluindo os dos países chamados “desenvolvidos”. Histórias parecidas sempre foram muito comuns a jovens dos países mais pobres, principalmente os do Leste Europeu, a maioria proveniente de países que se separaram da União Soviética nos anos 90.
A imprensa europeia todos os dias traz histórias semelhantes da saga desses jovens bem formados, que se prepararam para um futuro brilhante nas melhores universidades e, de repente, viram sonhos e projetos escoarem pelo ralo, em decorrência da crise econômica que avassala a Europa desde 2008. O pior de tudo é que quanto mais se analisam as causas da crise, constatam-se erros gravíssimos que poderiam ter sido evitados e, portanto, não precisariam ter sacrificado toda uma geração, que hoje considera ter perdido boa parte de sua vida.
O que eu fiz de errado?
Essa pergunta tem sido feita por milhões de jovens europeus. Cinco anos após a crise econômica que abalou o continente, o desemprego entre jovens subiu a níveis alarmantes em muitos países. Para os jovens na faixa dos 25 aos 30 anos, os índices chegam da metade a dois terços dos registros de desemprego na zona do Euro, e continuam subindo.
Em poucos países o desemprego parou de subir nos últimos seis meses. A mais longa recessão no continente europeu, desde a Segunda Guerra Mundial, deixou sequelas difíceis de superar. A taxa de desemprego na zona do Euro se mantém num patamar recorde de 12,1%. Quase um quarto (24,4%) dos jovens abaixo de 25 anos estão desempregados na região, a maior taxa dos últimos anos. Em países como Espanha e Grécia, o desemprego juvenil chega a 56,1% e 62,9%, respectivamente. Na Itália, 40%, Portugal 37% e Irlanda 28%.
A Europa, junto com os Estados Unidos, foi a região mais afetada pela crise, mas dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que, no mundo inteiro, ainda são necessárias 30,7 milhões de vagas para que o emprego retome o nível pré-crise. A melhora recente ainda é tímida, portanto.
Esses números são como os da histórica crise de 1929, ou piores, e não há sinal que as economias europeias (que ainda mal emergiram da recessão) venham a gerar rapidamente empregos suficientes para absorver esses jovens. Talvez isso chegue a levar o tempo de uma vida. Muitos jovens não terão tempo para recuperar tudo que perderam nestes últimos cinco ou dez anos. Em alguns países detectou-se um aumento nas taxas de suicídio entre jovens.
Dezenas de entrevistas com jovens pelo continente revelam que o sonho europeu que seus pais viveram está fora de alcance. Não significa que a Europa nunca mais vá se recuperar. Mas como a era de recessão e austeridade tem persistido por tanto tempo, novo crescimento, quando chegar, será desfrutado pela próxima geração, deixando essa de fora.
No artigo do New York Times, George Skivalos, 28, conta que teve que voltar a viver com sua mãe, há dois anos, em Atenas. “Mesmo se nós sairmos da crise, talvez em quatro anos, eu terei 32 anos, e então?” George disse. “Eu terei perdido a oportunidade de estar em uma empresa com uma boa ascensão profissional.”
No Reino Unido, grande parte da mão de obra mais humilde (hotéis, restaurantes, serviços gerais, como pedreiros, bombeiros, carpinteiros) é representada por imigrantes do Leste Europeu que fogem da crise. É cada vez mais crescente a onda imigratória de países da região que não suportam a demanda por empregos da juventude.
O primeiro Ministro britânico já manifestou preocupação com a “ameaça” de uma corrida à Grã-Bretanha de milhares de jovens da Bulgária e Romênia. A partir de 1º de janeiro”, esses países terão as fronteiras liberadas para os próprios cidadãos viajarem livremente pela União Europeia.
Dentro da própria Europa há uma certa “discriminação” com os pobres e sem emprego. Os jovens estão num dilema se ficam em casa, com a proteção da família (mas com escassez de empregos), o que não ajuda nada na autoestima; ou se migram para o norte da Europa, onde é possível encontrar trabalho, mas serão provavelmente tratados como estranhos. Na Europa mais estabilizada (Alemanha, Reino Unido, Bélgica, Holanda) os jovens competem por baixos salários e empregos temporários. Algumas vezes são excluídos da oportunidade de um trabalho pleno.
Jovens espanhóis com trabalho, mas longe de casa
Embora a Espanha não seja o único país atingido pela crise na Europa, transformou-se no símbolo do drama dos jovens vítimas da crise. Não esquecer que há poucos anos a Espanha vivia uma excelente fase econômica, atraindo imigrantes de todo o mundo, principalmente jovens da América Latina.
A história de Melissa Abadía, contada pelo repórter Liz Alderman, no New York Times ilustra bem o drama espanhol. Quando fez 23 anos, quatro anos atrás, “Melissa Abadía tomou uma decisão dolorosa: deixar sua família na Espanha, onde, desde a crise financeira de 2008, era impossível encontrar um bom trabalho. Decidiu ir para a Holanda, onde os empregadores ainda estavam contratando.”
“Quando entrei no avião estava chorando”, Melissa se lembra. “Mas eu tive que escolher: deveria ficar em minha terra natal e lutar por alguma coisa que naquele momento não fazia mais sentido, ou sair de lá e tentar fazer uma vida para mim?”
Ela acabou arrumando um emprego na Holanda. E ter simplesmente um emprego e ser independente faz de Melissa uma das pessoas sortudas de sua geração, apesar das saudades de casa, dos sonhos destruídos de uma carreira bem diferente e uma aceitação gradual de que a sua vida provavelmente jamais será aquela que esperava viver, diz a reportagem do NYT. “É claro, eu odeio o fato de que eu tenho que fazer isso”, afirma ela em tom sombrio. “Deixar o próprio país deveria ser uma escolha e não uma obrigação.”
Tempo não é dinheiro
Segundo Liz Alderman, humanizar uma crise sempre ajuda a compreendê-la melhor. “A partir das histórias de vida desses jovens é possível observar e analisar as dificuldades que o Velho Continente sofre sob uma outra perspectiva. Não é simplesmente uma crise econômica, política ou social, é também uma questão de tempo. A ampulheta não para nunca. Junto com a areia que escorre, também se vão oportunidades que, dificilmente, poderão ser recuperadas por esses jovens.”
Alguns políticos da região, como, Angela Merkel, têm chamado o desemprego entre os jovens como “talvez o problema mais urgente que a Europa enfrenta”. “Não é somente uma questão financeira, é também de tempo. E tempo é o único ativo que é insubstituível. Quando ele passa, se vai para sempre.”
“Nós esperamos que 2014 seja um ano de recuperação”, disse Stefano Scarpetta, o diretor do emprego, do trabalho e dos assuntos sociais da OCDE-Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. “Mas nós ainda estamos olhando para um grande número de jovens que terão que suportar um longo período de dificuldade. Isso terá um efeito duradouro sobre toda uma geração.”
Ainda, segundo o NYT, “a história mostra que crises no sistema capitalista fazem parte de ciclos econômicos. Por diferentes razões, há períodos de recessão que são seguidos por fases de expansão. Contudo, uma crise de tal magnitude não precisa ser encarada pelos governos com uma naturalidade fria e impessoal de quem somente espera “as coisas melhorarem por si mesmas” com a simples tomada de decisões austeras. Cabe ressaltar que as causas dessa crise global de 2008 não foram nada “naturais”, como um terremoto ou um tsunami que chegam de repente com ares de divino.”
Como 80% das crises, incluindo as econômicas, essa também ocorreu por graves falhas de gestão. O historiador Niall Fergunson, ex-professor de Harvard, diz que a crise econômica deve-se a erros de gestão dos banqueiros e que o fato de eles continuarem aí, usufruindo de polpudos bônus anuais, é extremamente irritante. Foram os erros primários de gestão, somados à arrogância, autossuficiência, falta de transparência e uma errada avaliação de riscos dos principais banqueiros de Wall Street que levaram o sistema financeiro a entrar em colapso.
A isso, soma-se a ineficiência e a corrupção dos sistemas regulatórios de Washington. O barco afundou, os culpados ainda não foram punidos (e provavelmente nunca serão), mas foram muitos os que se afogaram. Os sonhos de uma geração inteira de jovens também afundaram nesse Titanic, diz a reportagem do NYT.
Continuando a falar de história, vale lembrar o célebre Napoleão Bonaparte que explica claramente o valor do tempo em uma crise: "O tempo é o único bem totalmente irrecuperável. Recupera-se uma posição, um exército e até um país, mas o tempo perdido, jamais."
Os banqueiros, acusados de acender o pavio da crise, e os políticos e economistas, que não conseguiram achar uma saída, deveriam ser responsabilizados pelos milhões de jovens, não só na Europa, que entraram num ciclo de desesperança e falta de perspectiva. Uma geração toda com o futuro comprometido.
Os economistas os classificam numa categoria chamada NEETS: aqueles que não têm emprego, educação e treinamento. Uma massa de 14 milhões de jovens europeus desempregados, que custariam, para a União Europeia, cerca de US$ 206 bilhões por ano em benefícios sociais e perdas na produção. São eles que estão esperando, talvez, um Messias, um líder que consiga tirar o mundo da crise, numa época tão carente de liderança, e possibilite iniciar uma nova fase da história, menos deletéria para quem não tem qualquer culpa pelos erros dos governantes e executivos. E muito menos tempo. (João José Forni, de Londres, com colaboração e tradução de Jessica Behrens).
Leia o artigo completo do The New York Times
Young and Educated in Europe, but Desperate for Jobs
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