“Não pergunteis o que o vosso país pode fazer por vós e sim o que vós podeis fazer pelo vosso país”. (John Kennedy, no discurso de posse de 1961).
A geração hoje na faixa superior a 55 ou 60 anos sabe, certamente, responder a essa pergunta. O assassinato do presidente dos EUA, John Kennedy, em 22 de novembro de 1963, por volta das 12.29 p.m. (14h29 no Brasil) foi, para essa geração, guardadas as devidas proporções, o que o 11 de setembro representou para a geração atual. Não dá para esquecer.
Para se ter uma ideia do interesse despertado pelo assassinato de Kennedy, em 1963, vários jornais brasileiros publicaram edição extra, na tarde de 22 de novembro. O crime monopolizou a programação das rádios, um dos principais meios de comunicação do país, jornais e televisões, este um veículo ainda bastante restrito, na época. Rádios interromperam a programação para cobrir direto a tragédia americana, via agências internacionais ou correspondentes.
Mas por que o assassinato de um presidente americano, há 50 anos, quando as comunicações e o transporte eram tão deficientes e atrasados, além de uma certa "inocência" política, foi um fato tão marcante para essa geração? Há pelo menos dois motivos que parecem explicar.
A importância dos Estados Unidos, no contexto internacional, em plena Guerra Fria, quando o mundo se dividia em dois pólos com ideologias bem definidas. De um lado, o “fantasma” da União Soviética, em pleno regime comunista. E de outro, o Tio Sam, símbolo do bem, que há pouco mais de 15 anos havia liderado, com vários outros países, a vitória dos aliados na II Guerra Mundial. Kennedy era o paladino e o garoto propaganda da ideologia ocidental-norte-americana.
O Brasil, apesar das diferenças políticas, que agora mais claramente vêm à tona com a tentativa de recuperar a imagem do presidente João Goulart (Jango), deposto com a ajuda dos EUA, era um país satélite dos Estados Unidos, queiramos ou não. E os EUA tinham uma presença e influência internacionais muito maiores do que hoje. Mas, o choque com a morte de Kennedy, teve também muito a ver com a figura carismática e pessoal do presidente americano.
O mistério e o glamour
O assassinato de um presidente, em qualquer país, já seria uma tragédia. Mas, a morte do presidente americano John F. Kennedy, 46 anos, o mais jovem e primeiro católico a assumir o cargo no país, com carisma internacional, por tudo que cercava sua vida pessoal e profissional, antes de se tornar presidente, filho de um milionário e de uma família que estava construindo um legado político, foi uma das tragédias mais marcantes dos anos 60.
Tudo isso somado ao fato de que era a mais poderosa nação do mundo, numa época de polarização geopolítica entre o mundo ocidental e o oriental, a morte violenta do principal líder chocou americanos e cidadãos do mundo. Fosse qualquer outro presidente americano, seria chocante. Não seria a primeira vez que os EUA teriam um presidente assassinado. Mas Kennedy havia seduzido o mundo ocidental.
E aí sobressai o segundo motivo para o assassinato ter-se transformado num dos temas mais falados, discutidos e controversos do século XX. Nada menos do que 40 mil livros foram escritos sobre Kennedy, a família e o assassinato. Dezenas de documentários, filmes e especiais de televisão. Não bastasse tudo isso, cinco anos depois, em 1968, o irmão mais próximo do presidente e pré-candidato a presidente dos EUA, Robert Kennedy, também foi assassinado. Foi o que bastou para alimentar o mistério e a curiosidade sobre o clã dos Kennedy.
“A maioria das pessoas acredita em conspiração, em mais de um atirador. Minha opinião pessoal é que as ordens do assassinato vieram dos níveis mais elevados do governo”. (Robert McClelland, 84, cirurgião que operou o presidente, logo após o atentado).
Kennedy não era apenas mais um presidente dos Estados Unidos, portanto. De origem irlandesa, o pai, Joseph Kennedy, preparava um filho para ser presidente desde a juventude. Dos nove filhos, a aposta era no mais velho, Joe Jr, que morreu na guerra. Chegou a vez de John, apelido Jack. Nem tão brilhante intelectualmente. Mas charmoso. Ganhou a eleição de Richard Nixon por pequena margem, mais por causa do desempenho na televisão, do que por um programa de governo. Deu um banho de interpretação e charme, no debate. Foi o presidente mais midiático dos EUA da história, incluindo e, principalmente, pela vida particular. Uma família bonita, com dois filhos, uma mulher que ditava a moda - e todas as mulheres queriam imitá-la - por todos os lugares onde passava.
Celebridades, se de um lado viviam sob os holofotes, nada também escapava do escrutínio público da mídia mundial, inclusive as escapadelas do presidente Kennedy fora do casamento. São inúmeras as histórias sobre suas namoradas, até mesmo Marilyn Monroe e artistas de Hollywood. A simpatia do casal contagiava a todos, da Europa aos países da América Latina e África, sem falar nos países orientais.
“Há uma interessante citação que diz que nós crescemos até o dia em perdemos algo que amamos. Eu cresci naquele dia”. (Ellen Fitzpatrick, 16 anos em 22/11/63).
O assassinato
O famoso Relatório Warren, um calhamaço feito pelo FBI, deu por encerrada oficialmente a investigação do assassinato de Kennedy, atribuindo unicamente a Lee Oswald, um maníaco simpático a Cuba, que esteve na Rússia, e teria armado toda a tocaia para atingir Kennedy, quando da visita a Dallas, em 22/11/63. Mas as teorias conspiratórias, alimentadas por inúmeros filmes e livros, continuam de pé. Pesquisa do Instituto Gallup, divulgada em 20/11/2003, constatou: 61% dos americanos acreditam numa conspiração para matar Kennedy. Só 30% acreditam na versão oficial. Uma outra, do Washington Post, constatou que 62% dos americanos acreditam numa trama para o assassinato do presidente.
Choque sim, mas algo inesperado, não. Historiadores, sociólogos e jornalistas dizem que Kennedy era muito visado pela política de conciliação com os comunistas (a direita abominava), e de flexibilidade nas leis anti-segregação, que ainda na década de 60 envergonhavam os Estados Unidos. Em 1961, quando Kennedy assumiu, os negros eram proibidos de frequentar as mesmas escolas que os brancos em muitos estados.
Ele não apenas assumiu a defesa dos direitos civis, mas interviu para tirar o reverendo Martin Luther King da prisão, após choques com a polícia, manifestações e discursos em praça pública. Kennedy assumiu o lado das minorias. E no cenário da década de 60, para muitos fanáticos da direita, era um pecado mortal.
O Texas era um estado contrário aos direitos civis e à igualdade de todos. O ódio racial, portanto, ainda estava vivo. Kennedy estava no meio do vespeiro. Na campanha, o vice de Kennedy, Lyndon Johnson, foi hostilizado no Texas, e chamado de traidor. Kennedy foi alertado por amigos e conselheiros a não ir a Dallas. Pretexto para assassinar Kennedy havia. E muitos. Mas nenhuma organização assumiu. As teorias conspiratórias vão dos russos até o próprio vice-presidente Lyndon Johnson. Poucas verossímeis. Nenhuma conclusiva.
Kennedy estadista e o escrutínio público
Se o presidente charmoso é lembrado também pelas belas palavras (era um grande orador) sobre o direito dos negros e a paz, ele também deixou a marca de que usar a mídia faz uma grande diferença na presidência. Soube como ninguém tirar proveito do marketing, inclusive pessoal. A geração Kennedy, diz Susan Page, no livro feito para um documentário do NatGeo JFK 50 Years Later, inspirou inúmeras personalidades do serviço público. Mais da metade das pessoas hoje vivendo nos Estados Unidos tinha nascido, quando Kennedy assumiu a presidência e se lembram dessa era. 50 anos depois, em pesquisa feita pelo USA/Today/Gallup, um terço dos americanos consideram JFK um grande presidente. Difícil um recall tão longevo.
Outra pesquisa com 65 historiadores, feita pela C-SPAN, colocou Kennedy em 6º lugar como líder presidencial dos EUA, na frente de Thomas Jefferson e o único, entre os 10 primeiros, que não teve dois mandatos. Mas na herança negativa dele, certamente ficou a Guerra do Vietnã, um dos maiores fracassos na política anticomunista internacional dos Estados Unidos. Essa guerra, que custou a vida de 50 mil americanos, duraria muitos anos, além da sua morte.
Talvez o legado de Kennedy tenha muito de positivo. Ele teve que administrar um dos mais perigosos momentos da Guerra Fria, a crise dos mísseis cubanos. Foi o momento em que o mundo esteve mais perto da III Guerra Mundial, segundo historiadores. Kennedy, pressionado pelos falcões da guerra, teve que resistir à retirada dos mísseis, instalados em território cubano, com o uso da força.
Ele sabia ser um momento crucial para a Humanidade. E usou a sua força não apenas política, mas a de Comandante-em-Chefe das Forças Armadas. Não autorizou o bombardeio, apesar dos conselhos dos militares. Com poucas pessoas, principalmente seu irmão Robert Kennedy, que era o Secretário de Justiça, soube administrar a crise; tomou a decisão talvez mais importante de todo o seu mandato. Chamou Khruschev, o premier soviético, e em troca da retirada dos mísseis negociou a desativação de uma base americana na Turquia, com a qual os russos implicavam.
A História às vezes não faz justiça a esses líderes e a esses momentos. O mundo respirou aliviado e não se deve só a Kennedy. Khruschev soube recuar na hora certa. Só quem viveu aquela época pode entender o que significou a negociação e o papel de Kennedy. Apenas esse fato serviria para marcar seu mandato. Mas teve também o avanço na corrida espacial. A luta pelas liberdades civis.
David Jackson, em artigo para o documentário da USA Today JFK 50 years later, disse que “se você quer ver a última influência de John F. Kennedy nos políticos americanos, olhe para qualquer um desses políticos. Olhe como eles usam a televisão e outras mídias, ou como eles brincam com os repórteres. Olhe o modo como se vestem e até mesmo o estilo do cabelo. Olhe como o presidente Obama e outros citam os mais famosos discursos de Kennedy. Apesar de ter morrido em 1963, Kennedy “criou o molde que as pessoas usam desde então”, na frase de Jefferson Morley, criador do website JFKfacts.org.” O jovem presidente, apesar de não ter terminado o primeiro mandato, criou um estilo imitado por republicanos e democratas.
A era Camelot e os últimos momentos
Kennedy e sua mulher Jaqueline eram o par perfeito para a era da televisão. Onde o casal chegava, causava aquele “frisson”. Aos menos informados dos bastidores da Casa Branca, parecia o casal ideal, harmonioso, apaixonado, com dois lindos filhos. Mas a vida real quase sempre é diferente. Hoje, se sabe que as terríveis dores que o presidente sofria na coluna, o obrigavam a usar um colete especial e lhe causavam extremo desconforto; e suas escapadelas amorosas, demonstram que a vida do casal 20 da Casa Branca não era tão glamourosa como parece.
Mas, no fim de 1963, 1.063 dias no exercício da presidência, pouco antes do assassinato, biógrafos e pessoas que privavam da intimidade do casal asseguram que a perda prematura de um filho recém-nascido, meses antes, finalmente havia unido Jack e Jackie. Eles, portanto, estariam vivendo um bom momento nas relações pessoais, naquele novembro em Dallas. O corpo do menino, prematuramente morto, está sepultado junto com o de John Kennedy, no cemitério Arlington, em Washington, um dos locais de maior peregrinação dos turistas que visitam a capital americana.
Uma semana depois do assassinato, Jacqueline Kennedy recebeu um jornalista na Casa Branca e falou sobre a vida com John. Foi quando comparou o período de governo de Kennedy com a corte do Rei Artur. Havia um musical Camelot sobre o tema, em alusão ao castelo do rei. A época de Kennedy ficou conhecida no meio jornalístico como a era Camelot.
Christopher Andersen, em artigo publicado no The Sunday Times, de 23 de outubro de 2013, descreve os últimos momentos dos dois juntos. “Em 22 de novembro de 1963, o presidente, de 46 anos, e a primeira dama, de 34, trocaram um olhar final. E então, em um instante , tudo terminou.O olhar no rosto ainda infantil de Jack, o momento em que a primeira bala o atingiu na parte de trás do pescoço, cortando sua traquéia e saindo por sua garganta, iria assombrar os sonhos de Jackie para o resto de sua vida. "Ele parecia confuso", ela disse mais tarde. "Parecia que ele só tinha uma leve dor de cabeça."
Continua Andersen: "Por uma fração de segundo, Jackie pensou que o ”crack” que tinha ouvido era o som de um escapamento de moto - até que ela percebeu que estava olhando, como se estivesse em câmera lenta, a cabeça do presidente começar a separar. "Eu podia ver um pedaço de seu crânio saindo", lembrou . "Era cor de carne, não branco. Eu posso ver este pedaço perfeitamente limpo destacando-se, a partir de sua cabeça. Em seguida, ele caiu no meu colo.”
O artigo de Christopher Andersen descreve os dramáticos últimos minutos de Kennedy, no colo de sua mulher. Enquanto ela gritava e o carro corria para o hospital, com os agentes secretos desnorteados, a multidão mal entendia o que tinha acontecido. Era o fim dos anos Camelot na Casa Branca.
Depois de Kennedy
David Jackson, em artigo também para o livro JFK 50 years later diz “Nada como Pearl Harbor ou o 11 de setembro, há os Estados Unidos que existiram antes do assassinato de John F. Kennedy, e os Estados Unidos que emergiu depois. (...) Algumas tendências das últimas cinco décadas incluindo o declínio na confiança do governo e um nebuloso e mais pessimista tom na cultura – pode ter assinalado os eventos que se seguiram ao assassinato de Kennedy. Eles incluem a intensificação da Guerra do Vietnã, Watergate e a queda de Richard Nixon, problemas econômicos, a guerra e o medo, logo após os ataques terroristas do 11 de setembro de 2001”.
Onde você estava?
Como todo o brasileiro e outros tantos cidadãos do mundo, da minha geração, lembro-me bem. Estava no colégio, no primeiro ano do chamado Clássico (segundo grau). E o professor, no início da aula da tarde, chegou na sala e disse: “acertaram o “nosso” Kennedy. Ele tá morto”. Foi difícil acreditar, porque não tínhamos a instantaneidade da televisão ou das redes sociais.
Fotos
1) O casal Kennedy, poucos minutos antes de embarcar no Lincoln Continental, que os levaria em desfile, pelas ruas de Dallas. Foi a última foto deles juntos, antes da morte de Kennedy. 2) Edifício do Texas School Book Depository, em Dallas (Hoje museu) - Do 6º andar, Lee Harvey Oswald de tocaia atirou no presidente Kennedy; 3) O agente do serviço secreto Clint Hill, que nunca se perdoou por não ter evitado o tiro fatal no Presidente, por ser o agente que estava mais próximo do casal; 4) John Kennedy e Caroline, na praia, em 1963; 5) Funerais do presidente Kennedy em Washington, em 23/11/63; e 6 e 7) Fotogramas do filme em máquina Super 8, feito pelo comerciante Abraham Zapruder, na hora dos tiros, as únicas imagens em movimento do instante em que o presidente Kennedy foi atingido. Esse filme tornou-se célebre por ter registrado, por acaso, o fato histórico. As imagens vendidas a um canal de televisão foram integradas a vários filmes e documentários sobre o assassinato de Kennedy.
Outros artigos e registros sobre o tema
Galeria de fotos dos últimos minutos de Kennedy
The Guardian: JFK and me: pictures of the president
Melhores fotos do dia do assassinato
Como a CBS cobriu o assassinato de Kennedy em 1963
JFK Assassination: President John F. Kennedy - His Life And Death
O Globo: John F. Kennedy deixa herança de ideais em meio a conquistas limitadas
The Times: Man of Hope (Especial pelos 50 Anos)
Folha: Análise: só o tempo dirá qual foi o legado de JFK
The Guardian: Kennedy assassination: memory and myth refuse to die after 50 years
News York Times: Kennedy's Legacy of Inspiration