A mídia tradicional está em crise. Leitores jovens não compram mais jornais e revistas. Poucos veem televisão e alguns mal têm contato com um meio nem tão velho assim: o rádio. Pesquisa recente feita pelo site ypulse.com procurou saber da chamada geração “millennials”, jovens que nasceram na era digital e não conheceram a máquina de escrever, onde eles buscam as notícias para ficar informados.
Se uma empresa está pensando despertar a atenção desse público e se ater unicamente à mídia tradicional vai botar dinheiro fora. Essa geração não vê anúncios nos jornais, nem na televisão, não importa quanto dinheiro você tenha colocado na campanha. Estão conectados o tempo todo, lendo as chamadas dos sites favoritos ou checando quais são os “trend topics” da mídia social e dividindo isso com amigos ou colegas de trabalho. É assim que eles se conectam. A pesquisa leva em conta o público com idade entre 14 e 30 anos.
A mídia tradicional está tão preocupada com esse fenômeno que precisou criar blogs para tentar atrair um público diferente daquele que tradicionalmente foi leitor de jornais e revistas e a sustentou. A CNN e o Buzzfeed, recentemente, se uniram para criar um canal de notícias por vídeo exclusivamente para jovens adultos, a geração tecnológica que foge da mídia tradicional. Os editores do ypulse chamam a disputa desse mercado de "o novo oeste selvagem da mídia".
Segundo Jonathan Bernstein, do Blog Crisis Manager, eles não estão ignorando você, mas se você não for ao encontro deles, no ambiente que eles mais frequentam, eles não irão ouvi-lo. Foi assim que os jovens se aglutinaram para ir às ruas no Brasil nas últimas semanas.
Passeatas pela rede
Por meio das redes, os diversos grupos ou “tribos” convocaram as passeatas que tomaram conta do Brasil nos últimos dias. Não foram convocados por publicidade paga, nem pela mídia tradicional. Não tiveram patrocínio de empresas ou de partidos políticos. A bandeira de redução das tarifas, no início, era apenas um mote para a chamada. Além das redes, o boca-boca também funcionou. Para a professora de cybercultura Daniela Serra, da UFMG, os protestos não estariam ocorrendo se não fosse a internet. "Isso que estamos vendo não estaria acontecendo se a gente estivesse num modelo de comunicação distribuído de forma pulverizada em veículos analógicos", disse ao Correio Braziliense.
Segundo levantamento do Instituto Datafolha, 81% dos participantes das passeatas em S. Paulo se informaram pelo Facebook, 84% não têm preferência por legenda partidária (na população em geral, essa taxa é de 47%). Entre os participantes das passeatas, 77% têm nível superior, contra 24% da população em geral; 22% são estudantes e 53% têm menos de 25 anos. Um dado interessante é que 71% dos manifestantes, ainda segundo o Datafolha, participaram pela primeira vez de protestos.
Calcula-se que, nas últimas semanas, mais de 200 mil pessoas foram às ruas no Brasil, em diversas cidades, a maior concentração popular como forma de protesto, após as passeatas “Fora Collor”, da década 1990.*
O mote foi o “passe livre”, mas até os líderes do movimento têm dificuldade de definir precisamente qual a pauta das massas que foram para as ruas. Como se viu também, principalmente nos momentos mais tensos, de violência e vandalismo de alguns manifestantes, com a recíproca da polícia, foi flagrante a falta de liderança, de um "rosto" que comandasse o movimento. Na verdade, as manifestações espontâneas na sua origem extravasam uma insatisfação com tudo o que está acontecendo no Brasil. O país assumiu ares ou pretensões de país desenvolvido, de primeiro mundo, chegou a ter a quinta economia do Planeta. E daí? O que isso significou para a população em geral, aquela que anda de ônibus, trens, metrô e madruga nos postos de saúde?
A população nas ruas, entre eles muitos que não são jovens, explicitou o cansaço de esperar promessas dos governos, não importa o partido político, que não são cumpridas. A insatisfação está centrada, como as redes sociais extravasam, nas áreas da saúde, segurança e educação. Os três pilares básicos para um país ser considerado desenvolvido, mas exatamente e lamentavelmente o grande gargalo do Brasil. Sem falar, nos últimos meses, na volta do fantasma da inflação.
Bastou aparecer algumas lideranças mais politizadas e uma onda bem coordenada nas redes sociais para colocar multidões nas ruas, em pouco mais de uma semana. Essa geração que não lê, não vê e não escuta notícias na mídia tradicional se mobilizou e arrastou multidões. O perigo, como diz Antonio Prata, em artigo na Folha de S. Paulo, é a própria passeata extinguir o impulso da revolta que a criou e, após essa mobilização, todos voltarem ao mundinho idêntico de todos os dias, com a sensação de que todos, ou pelo menos quem foi à passeata, "fez a sua parte".
Como essa geração se informa
De acordo com a pesquisa do ypulse, 68% desse público, obtém notícia pelas redes sociais. 63% utiliza o boca-boca, ou seja, a partir do compartilhamento de informações com os amigos. 62% ficam informados pelos sites de notícias das grandes corporações de mídia.
Talvez isso explique o sucesso de alguns jornais e revistas, como o The New York Times, que descobriram uma forma de manter e conquistar novos leitores com a edição online, com preços acessíveis, para uma geração que não compra e nem assina jornais.
A forma de cobrar do NYT inovou, porque libera um determinado número de leitura de artigos, por um preço acessível. Só cobra o valor de uma assinatura mensal para quem quiser amplo acesso a todas as plataformas do jornal. Essa fórmula, chamada "paywall", recuperou a receita de vendas do Grupo NYT e tem servido de modelo para outras empresas de mídia.
Mesmo com o sucesso das redes sociais e blogs, há pesquisas indicando que os grandes ”furos” jornalísticos e a cobertura dos grandes eventos ainda é um privilégio da mídia tradicional, com predominância do online. As redes funcionam, até certo ponto, como reverberadores das notícias, dadas em primeira mão, que a mídia tradicional publica.
E qual o desempenho da mídia tradicional com a geração “millennials”? 55% se informam pela TV, 44% pelo rádio e 33% pelos jornais. Nesse aspecto, os respondentes jovens demonstraram pouco crédito na mídia: 66% disseram não ter confiança se o que eles recebem foi cuidadosamente apurado.
Qual a fonte primária de notícia? O público pesquisado disse que 30% provêm da Internet; 21% do Twitter; 18% da televisão; 13% do boca a boca; 8% outros meios. O rádio é fonte para 6% e os jornais para apenas 4%.
Credibilidade da informação
67% dos respondentes consideram como um valor ser o último a saber a informação, desde que ela seja verdadeira e 33% acham relevante ser o primeiro a saber, mesmo correndo o risco de ser parcialmente correta. Nesse caso, a veracidade, correção da notícia é um ativo mais importante para os leitores do que o risco de saber uma informação errada.
Outro dado interessante da pesquisa foi a constatação de que 77% dos respondentes consideram relevante ser informado num caminho que os faça conhecedores do tema e 23% preferem ser informados num viés que os faça se divertir. Eles não querem esquentar a cabeça com assunto sério.
O desejo de dar o “furo” da notícia para os pares também sobressaiu na pesquisa. 72% preferem ser a fonte de informação para os amigos, enquanto 28% preferem tomar conhecimento das notícias pelos amigos. Um dado interessante para os distribuidores de notícias é que 69% preferem ser informados por um âncora de televisão ou rádio que seja mais idoso que eles. E 31% dão preferência a repórteres que tenham a mesma idade deles.
Importância para a gestão de crises
Por que é importante conhecer esses dados? Bernstein, em artigo no Blog, diz que “esta poderia muito bem ser a audiência que você gostaria de atingir na próxima gestão de crises e você não estaria indo ao encontro deles apenas com um tradicional e extenso press release ou mesmo pagando uma página inteira do jornal. Não importa quanto você vá gastar.” Se você mirou no “target” errado, colocou dinheiro fora.
No caso das passeatas brasileiras, a dificuldade dos governos em encontrar um ponto de equilíbrio entre o que as massas querem e o que o governo oferece está também na dificuldade dos nossos governantes de interagirem com o público que hoje preferencialmente vive nas redes sociais. Não há ainda uma política de comunicação para as redes sociais nos governos que sensibilizem esse público que está nas ruas. Talvez por isso o grito das passeatas pode demorar a encontrar respostas.
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Atualização em 21/06/13
*Em 20/06/13, o Brasil assistiu a maior concentração popular simultânea, segundo alguns veículos, da história. Foram mais de 1 milhão de pessoas que fizeram passeatas em mais de 60 cidades, de capitais a cidades do interior. Em 13 capitais houve confrontos com alguns manifestantes e polícia, por causa de distúrbios ou violência. Mas não tirou o brilho das passeatas que marcaram o mês de junho no Brasil e chamou a atenção da mídia internacional. A convocação também foi feita pelas redes sociais.