Cada mês uma agonia. Cada dia uma notícia pior. Assim a Europa vai driblando a maior crise após a II Guerra Mundial. As bolsas sobem e descem conforme os humores e as reuniões da Comissão Europeia. São reuniões que não resolvem a crise em definitivo e apenas descobrem remédios para dizer ao mundo que o Euro sobrevive e nós ainda não quebramos.
Até quando? Nenhum economista ou guru das finanças internacionais ousa apostar. Depois dos problemas com Irlanda, Islândia, Portugal, Itália, Espanha e a literal “quebra” da Grécia, não há mês que algum país não apareça nas páginas econômicas como o próximo a levar a Europa à bancarrota.
Agora é o Chipre, uma ilha com um milhão de habitantes, 9 mil km2, que se sustentava no sistema financeiro. Grande parte dos investidores, para não dizer especuladores, que corriam para lá, eram europeus e especialmente da Rússia.
A liberação de 10 bilhões de Euros para o Chipre (52% do PIB do país) renegociar sua dívida apenas ameniza a situação. O pequeno país foi contagiado pela excessiva exposição à dívida grega. Como a Grécia praticamente quebrou, era questão de tempo para começar a aparecer quebras em cadeia.
A chamada “Troika” (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), que monitora a economia da Europa, na madrugada desta segunda-feira (25), chegou num acordo para tentar salvar o Chipre. O pequeno país não aprovou, na semana passada, um congelamento dos depósitos, porque a população não aceitou (um plano Collor cipriota). Mas agora teve que concordar em fazer uma ampla reforma financeira, fechando um banco popular e saneando os demais. Não tinha como fazer a omelete, sem quebrar os ovos.
Impressiona como, desde o início da crise em 2008, tanto nos Estados Unidos quanto nos países da Europa, que enfrentam problemas econômicos (Irlanda, Portugal, Espanha, Grécia, Itália), os bancos sempre aparecem como os vilões. Para qualquer lado que se olhe, os banqueiros emergem como enredados nas crises. A ganância por lucros, com elevada exposição em ativos podres, associada aos erros de gestão, estão quase sempre por trás dos problemas recentes da economia mundial. Quem acaba pagando a conta, naturalmente, é a população, principalmente os mais pobres.
No caso do Chipre, diferentemente do que aconteceu nos demais países com problemas econômicas, mexe-se num ponto delicado: "congela-se" depósitos nos bancos, acima de 100 mil Euros, e sabe-se lá quando serão devolvidos. Assim mesmo com um corte de até 40%. Esse desrespeito a contratos, com congelamento imposto, provoca desconfiança no mercado e não dá nenhum sinal de que possa ajudar a resolver a crise. Nem do Chipre, nem do Euro.
A dificuldade para se resolver pendências, na região do Euro, encontra eco também num problema crônico que se evidencia a cada reunião e a cada crise isolada, como as dos países da zona do Euro, particularmente, Grécia e agora Chipre: a falta de uma liderança. O vazio de liderança no cenário internacional atrapalha a recuperação dos países europeus desde 2008. Tenta-se atribuir ou jogar para cima de Ângela Merkel essa responsabilidade, mas ela encontra resistência. Nenhum chefe de Estado europeu hoje tem as credencias, cacife político e ousadia para tomar a frente da crise. E Obama? Este, preferiu atacar a crise americana, porque tinha uma eleição em vista. Ele ainda não se desvencilhou dos problemas locais.
Segundo analistas internacionais, ninguém ganha com o acordo feito pela União Europeia. Na realidade, todos perdem, porque a notícia de um novo acordo, com base nessas pirotecnias bancárias, diferentemente dos anteriores, incluindo o da Espanha, deteriora a confiança no sistema bancário até limites extremos, segundo Ramón Muñoz, em artigo para El País. Será muito difícil, após o “calote” cipriota, que a confiança se recupere.
Os investidores, mesmo com a preservação dos pequenos poupadores (depósitos até 100 mil Euros), não irão mais dormir tranquilos, porque o vaso de porcelana, que significa a garantia de ter o investimento de volta, foi trincado. Trincado, pode quebrar de uma hora para outra. Poderíamos chamar essa vitória, comemorada pelos caciques da União Europeia, como uma “vitória de Pirro”.
Os cipriotas se dividem entre a fúria e o medo, com diz o The Guardian. No sábado, apesar dos sinais de que os políticos do país, junto com a União Europeia, estavam tentando chegar a um acordo que evitasse a quebra da ilha, por meio do resgate da dívida com a União Europeia e o FMI, era um sentimento de pânico que se percebia na corrida aos supermercados. Ruas completamente congestionadas e os carrinhos de compra lotados mostravam um cenário pré-guerra ou uma mobilização para confinamento, antes de algum furacão.
“Pode ser a última vez que eu uso isso”, disse um cipriota, mostrando o cartão de crédito próximo a uma loja em Nicosia. “Nós podemos não ter bancos na próxima semana”.
Para entender melhor a crise do Euro e o recente espasmo que deixou o doente quase na UTI, aí vão alguns artigos, principalmente de analistas europeus.
Valor Econômico: Acordo com Chipre abre precedente ruim e não elimina dúvidas
La Europa alemana se hunde en la mediocridad
Merkel destaca que quem causou a crise é obrigado a pagar
Quem ganha e quem perde com o acordo cipriota
Barroso: “Chipre ha estado muy cerca de la bancarrota”
"This is the darkest week in Cyprus since the 1974 invasion”
Cyprus bailout deal with EU closes bank and seizes large deposits
Draconian terms aimed at keeping Cyprus in eurozone include closure of second-largest bank and big losses for wealthy savers
Financial Times: EU ministers approve Cyprus bailout deal
Washington Post: Why the new Cyprus deal sows the seeds of the next European crisis?
Foto: Simon Dawson (Bloomberg) - Manifestantes cipriotas na frente do ministério das Finanças em Nicosia.