Nos EUA, famílias de vítimas e médicos, envolvidos em tragédias com atentados, acidentes e suicídios esperam mais atenção para o tratamento da saúde mental, principalmente dos jovens. Segundo eles, essa é a principal causa dos distúrbios que têm levado jovens, recentemente, a provocar atentados e também provocado uma onda de suicídios em veteranos de guerra do país.
Artigo de autoria de Liz Szabo, no jornal USA Today, pergunta se os serviços de saúde mental do país poderiam ser melhorados na sequência dos atentados em escolas americanas. Quando a polícia e os médicos se debruçam sobre o perfil dos atiradores, as conclusões dos inquéritos habitualmente reconhecem, nesses psicopatas, pessoas com distúrbios mentais, alguns com passado de violência ou tendências à solidão e mania de perseguição.
Estudo do serviço secreto americano apontou que nos 66 ataques em escolas ocorridos no mundo, de 1966 a 2011, 87% dos atiradores haviam sofrido bullying e foram movidos por desejo de vingança; 76% eram adolescentes com acesso a armas e 70% ocorrem nos EUA. Em casos graves, o bullying, quando não tratado, pode levar a esses distúrbios mentais e à violência.
Os autores de assassinatos em massa semelhantes - na universidade Virginia Tech, Universidade do Norte de Illinois, no atentado em Tucson, que atingiu a ex-deputada Gabby Giffords, além do último, na Escola Sandy Hook, em Newtown, todos nos Estados Unidos, sofriam de graves problemas de saúde mental.
"Nós esperamos que coisas terríveis como esta aconteçam e depois todo mundo fala sobre a saúde mental", diz Priscilla Dass-Brailsford, um professora associada de psicologia no departamento de psiquiatria do Georgetown University Medical Center. "Mas eles esquecem depressa."
“Há centenas de múltiplas vítimas de tiroteios a cada ano, diz o psicólogo forense Dewey Cornell, diretor do Projeto Violência Juvenil Virgínia. As pessoas tornaram-se tão insensíveis ao horror, no entanto, que eles não prestam mais atenção.”
"Nós chegamos ao ponto de que apenas aqueles atentados com número alto de corpos fazem a notícia", diz o psicólogo. "É preciso um número recorde de mortes, ou algo extraordinário, para chamar nossa atenção."
A observação do psicólogo é válida também pelo que aconteceu, agora, no Brasil, com grande número de vítimas da tragédia de Santa Maria: boates funcionavam por aí sem alvará, sem segurança e prevenção de incêndio adequadas, e o poder público não ligava.
Há uma tendência das autoridades de despertarem para as crises, quando a comoção nacional atinge índices preocupantes, como aconteceu nos EUA, com o atentado na Escola Sandy Hook, em Newtown, em dezembro. No Brasil, exemplos recentes, além do incêndio em Santa Maria, com tragédias como a ocorrida no Rio de Janeiro, em 2011, quando morreram cerca de 1.000 pessoas em enxurradas e desabamentos. Nos EUA, o atentado mobilizou parte da opinião pública e o governo americano para fazer pressão por leis que restrinjam a posse de armas.
No caso de Santa Maria, o poder público está ciente de que precisa dar apoio psicológico a familiares, amigos e colegas das 239 pessoas mortas na tragédia. Na Universidade de Santa Maria foi criado um serviço psicológico específico para alunos enfrentarem a realidade, após o golpe sofrido. Esse é um problema posterior às crises, que os governos geralmente relegam para segundo plano.
O artigo ressalta que, apesar disso, a doença mental destrói inúmeras vidas todos os dias, contribuindo para a violência doméstica e o abuso infantil, além do uso de drogas, falta de moradia e encarceramento. Investir em saúde mental e reduzir esse estigma poderia ajudar a evitar futuras tragédias, diz o diretor.
"A saúde mental tem reduzido o nivel da gestão de crises de curto prazo, diz Cornell. "Se nós vamos focar na prevenção, não podemos pensar sobre o atirador, no estacionamento e o que fazer com ele. Temos que nos envolver muito mais cedo."
Escolas e comunidades "têm cortado os seus serviços de saúde mental até o limite", diz Cornell. "Nós estamos pagando um preço por isso, como uma sociedade".
Suicídios marcam a difícil volta para casa
Problemas mentais também afetam os veteranos de guerra americanos. Muitos soldados, após a volta, se envolvem em conflitos sempre com a utilização de armas. Os EUA já estão acostumados a conviver com esse estigma. Nos anos recentes, veteranos do Iraque e do Afeganistão despertaram a atenção das autoridades de saúde pelos altos índices de suicídio.]
O último dado disponível registra 22 suicídios por dia entre os veteranos em 2010, 22% a mais do que em 2007. E não há dúvida de que esse número se mantém estável em 2011 e 2012. Nesta semana, a polícia da California caçava um ex-combatente que havia cometido vários crimes e culpava a polícia americana pelo seu infortúnio.
O que acontece com os veteranos é um reflexo do que acontece com a América, diz Jan Kemp, diretor de saúde mental nacional, para prevenção de suicídios, no Departamento de Assuntos dos Veteranos. “A taxa geral de suicídio nos EUA, apesar da mais grave crise econômica, desde 1929, tem estado na média de países desenvolvidos com o mesmo perfil, sem grandes alterações.
Os números são controversos, porque a revista Lancet, em novembro último, noticiava que os suicídios nos Estados Unidos haviam aumentado durante os primeiros anos da atual recessão (2008-2010). O crescimento seria de quatro vezes os dos anos anteriores (de 0,12 por 100 mil habitantes, média considerada normal para os EUA, para 0,51). A revista disse que se não houvesse esse aumento, 1,5 mil mortes teriam sido evitadas.
O diretor defende um programa nacional de prevenção de suicídios e afirma que mesmo não se sabendo os últimos números oficiais dos casos, envolvendo ex-combatentes, para comparar com a média da população, uma campanha bem feita e programas de prevenção de suicídios teriam um efeito positivo.
Isto permanece com uma crise não resolvida, diz um dirigente de uma associação de veteranos. Enquanto não se têm o número oficial de suicídios entre ex-combatentes, por problemas de tabulação, as associações sabem que o número é bem mais elevado do que o índice de 12,2 por 100 mil habitantes, constado na população em geral. Um problema agravante dessa tendência é que os veteranos tendem a permanecer ligados a grupos de risco: convivem com homens; voltam à zona rural; e continuam tendo acesso a armas.
Pessoal da ativa também
Em julho de 2012, relatório das forces armadas americanas constatou que a taxa de suicídio entre militares da ativa também tinha aumentado a níveis preocupantes. Ela chegou a eclipsar as mortes no campo de batalha, batendo um recorde anual desde que começou as guerras do Iraque e do Afeganistão, mais de uma década atrás, segundo informações do Pentágono.
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