mau atendimentoQuem fica algumas horas diante da televisão e vê, nos intervalos da programação, o desfile de anúncios publicitários, se impressiona com as declarações de amor das empresas.  As mensagens falam da vida, do carinho, da alegria de ter clientes como você. Se entrar no site das empresas, ao lado da oferta de produtos, você encontrará outros apelos para conquistá-lo.

Não acredite em nada disso. As empresas odeiam você. Você é um chato, que vive dando trabalho para aqueles empregados que não querem se levantar da cadeira para lhe atender. Você incomoda, porque compra, sai da loja, o aparelho não funciona; o serviço não foi prestado; a linha do telefone não foi instalada; você fica ligando para reclamar, entupindo as linhas dos call center das empresas. Você começa a dar prejuízo para a loja. E elas não gostam de escutar os clientes.

As empresas odeiam ainda mais você, quando recorre às redes sociais e reclama, expondo as mazelas da loja para milhares, quando não milhões de consumidores. As empresas odeiam, quando você, então, resolve subir o tom e reclamar. Pior ainda com ameaças.  Liga ou escreve para a agência reguladora;  manda um email para o Banco Central; envia uma mensagem para a Ouvidoria. Ou ameaça com o Procon. Elas têm verdadeiro pavor do Procon.

Mas por que estamos chegando à conclusão de que as empresas odeiam os clientes? Se não, vejamos algumas histórias.

1.    Restaurantes, bares e lanchonetes de Brasília aumentaram os preços em 2012 em até 22%. O que explica um aumento quase quatro vezes a inflação acumulada no período? Eles alegam que os vilões foram os preços da mão de obra, de bebidas, carnes e verduras. Tudo aumentou. Então, quem paga a conta? Você, consumidor, que insiste em ir ao restaurante. Por que eu, empresário, vou assumir parte desse aumento?  

2.    Em Brasília, em 2011, foi aprovada a Lei Distrital 4624/2011, dispensando de pagar estacionamento, clientes que gastarem em shoppings ou supermercados até duas vezes o valor do estacionamento. Há outra Lei também dispensando pessoas acima de 65 anos de pagar por estacionamentos na cidade.

As duas dispensas no mínimo incentivariam mais consumidores a visitar esses locais e consumir.  O que a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) fez? Obteve liminar na Justiça para peitar a Lei e obrigar todo mundo a pagar os caros estacionamentos, que acabaram virando uma mina de ouro para empresários, nas grandes cidades brasileiras, já que o governo incentiva a venda de carros, mas não providencia onde eles irão rodar e estacionar. Por que a liminar? Porque eles odeiam você, eles não querem você no shopping. E você ainda insiste? Eles alegam também que a Lei seria inconstitucional. E você segue pagando.

Um exemplo de como eles não gostam de você. Na sexta-feira, 18, em plena tarde de domingo, o Brasília Shopping, em Brasília, mantinha um único caixa recebendo o pagamento do estacionamento. Havia mais de 30 pessoas na fila reclamando. Quem mandou você num domingo para um shopping? Eles odeiam você.

3.    A Inframérica, nova concessionária do Aeroporto de Brasília, descobriu uma fórmula mágica de melhorar o fluxo de carros no desembarque do aeroporto. Acabou com uma faixa de pedestres que levava os passageiros até uma passarela coberta e daí ao estacionamento. Deixou outras duas faixas, mais longe da cobertura.

Resultado: idosos, pessoas com necessidades especiais, crianças e passageiros com malas precisam dar uma volta para conseguir atravessar nas faixas, pegando chuva. Por que a concessionária fez isso? Segundo explicações, para melhorar o trânsito. Você, passageiro, não é importante. O fluxo de carros sim. Você é um estorvo ao bom fluxo do trânsito.

4.    Bancos são outros estabelecimentos que odeiam você. Na propaganda morrem de amores. Os slogans publicitárias são um primor de criatividade dos publicitários. Mas, na prática, bons clientes são aqueles que não incomodam: aplicam polpudas quantias; não conferem as tarifas pagas ou aderem a pacotes para não pagar; não enfrentam filas e raramente pedem algum financiamento. Se pedem, são financiados automaticamente.

O problema aparece com os clientes chatos. Aqueles pequenos clientes que recebem e sacam quase todo o salário e reclamam por qualquer motivo. Os gerentes fogem deles como o diabo da cruz. Nunca estão presentes na agência, para resolver o problema do cliente. Gerentes não retornam ligações desses clientes. Afinal, eles, na visão dos bancos, não dão retorno financeiro. Os gerentes têm ranking de retorno. Recebem por isso. Cada produto adquirido, mais pontos para ele. Se você habitualmente recusa os produtos, impostos como metas aos gerentes, eles não demonstram a mínima boa vontade para lhe atender. Por isso, os bancos disputam, com as telefônicas, a liderança no ranking de reclamações, segundo levantamento do Ministério da Justiça.

5.    Empresas aéreas são outras que voariam num céu de brigadeiro sem clientes. Alguns atendentes, com cara amarrada, aparentam fazer um favor, quando você chega, com aquela mala pesada e várias bagagens de mão. As aéreas fazem de tudo para irritá-lo. Filas enormes nos aeroportos. Lentidão. Quando chega a vez do check in, o passageiro se sente um intruso, quando não um meliante, prestes a ser pego em algum flagrante. Incrível é que esse mau humor parece ser uma doença universal.

Em viagens internacionais, principalmente, é um verdadeiro tormento passar pelo corredor polonês do check in. Qualquer discrepância em documentos ou na emissão do bilhete, a viagem está ameaçada. É a hora do stress. Há uma predileção de alguns atendentes em criar esses problemas. No embarque, em aeroportos brasileiros, empresas americanas ainda fazem aquela pergunta idiota: "Foi você que fez sua bagagem?" "Alguém entregou algum pacote estranho para você?" Como se o presumido terrorista ou traficante fosse responder: "Sim, na entrada do aeroporto um desconhecido me deu um pacote de um pó branco para levar"...

Nas viagens domésticas, alguns quilos a mais, a empresa quer cobrar excesso de peso. Bagagem de mão não pode ter mais de cinco quilos. O problema é que as malinhas de mão, em sua maior parte, pesam mais de cinco quilos. Nos voos fora do Brasil, empresas de preços mais baratos, chamadas low cost, low fare, têm um padrão que parece mais lógico. Se o peso da mala despachada exceder 20 quilos, não há contemplação. Paga caro pelo excesso.  Mas o peso da bagagem de mão é liberado, desde que o tamanho da mala esteja dentro do padrão internacional. O peso é problema seu. Conseguiu carregar, leve.

Mas as aéreas em geral têm diferenças históricas com os clientes. Quando você quer mudar o horário de um voo, além de cobrarem uma multa, há o pagamento da diferença da passagem. Em Congonhas, há casos de empresa aérea, com voo às 19 horas, com vários lugares vagos, não permitir a antecipação para passageiros que voariam às 21 horas, sem cobrar diferença, às vezes equivalente ao valor de uma nova passagem. A cia. prefere deixar lotado o voo das 21 horas (o último) do que fazer um agrado ao cliente, mudando a passagem para mais cedo. E aí? Ainda continua achando que elas gostam de você?

6.    E as telefônicas, empresas de planos de saúde, de TV a cabo, sites de venda pela internet...? Há outras. A melhor forma de dizer que não querem escutá-lo e nem se preocupam com as queixas são os verdadeiros labirintos numéricos inventados para os SACs por telefone. Você disca e clica vários números para procurar a solução da pendência, seja a fatura que não chegou, um valor suspeito cobrado. Verdadeiro jogo de paciência. Você roda, durante 15 minutos, de número em número, pensa que vai chegar ao atendente. Vã ilusão. Elas não querem que você chegue ao atendente, porque isso significa custo para a empresa. Não fique triste. O atendente também não resolve. Sempre que o pedido for para contestar alguma cobrança, eles jogam a bola pra frente. Cansado, você desiste. E acaba não reclamando daquela conta muito alta. Você desconfia de algo errado, mas cadê o meio de reclamar? Eles o matam no cansaço.

A Secretaria Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), do Ministério da Justiça, divulgou levantamento mostrando que os serviços de telefonia celular lideraram, no ano passado, as reclamações dirigidas ao órgão. Sai ano, entra ano, os serviços não melhoram. As reclamações contra as empresas, em geral, aumentaram 19,7%, entre 2011 e 2012, e a participação das companhias de telecomunicações foi crescente. Em 2011, essas empresas responderam por 17,46% das reclamações dirigidas à Sindec e, em 2012, por 21,7%.

Experts em marketing e administração talvez tenham resposta para esse desrespeito com os consumidores. Podemos atribuir ao crescimento da demanda. Afinal, com uma classe média emergente ávida por consumir, porque eu – empresa – vou me preocupar com um cliente que reclama? Há milhares na fila. Mais ou menos como acontece nas filas dos hospitais públicos. Reclamar? Para quem? Se o doente conseguir pelo menos ser atendido, ainda que demande longas horas de espera, ele acha que saiu no lucro, pois centenas não foram atendidos.

Hospitais, shoppings gostariam de ser lugares sem confusão. Uns não gostam de doentes do SUS ou planos de saúde; outros, de clientes pobres. Um hospital com poucos doentes é tão bonito, limpo, sem tumulto. Parece até um hotel. Como as lojas modernas dos shopping centers, frias, lindas e vazias, com vendedores que parecem modelos. Por que há tão poucos clientes na loja? Porque, se eles entrarem, dependendo da aparência, os atendentes começam a olhar com desconfiança.  As lojas de grife, por exemplo, odeiam gente mal vestida e barulhenta.

Todas essas histórias verídicas, infelizmente, mostram por que as empresas enfrentam crises corporativas e se queixam do mau desempenho da economia brasileira. Explicariam também por que os turistas brasileiros gastaram 22,2 bilhões de dólares no exterior em 2012, um recorde, desde que começou a série, em 1947. E então, você ainda acredita que as empresas, em geral, gostam de você?

Comentários sobre o artigo nas Redes Sociais

Andrea Theorga comentou o seu status.
Andrea escreveu: "Forni, a AZUL (cia aérea) acaba de atacar seus consumidores com mais uma IGNORÂNCIA BUROCRATA, veja só: um passagem foi comprada para amanhã, POA-SDU, por uma amiga nossa, para a tirada de pontos cirúrgicos Pós-procedimento médico no pé, no Hospital Miguel Couto no Rio de Janeiro. A AZUL, com todas as letras, diz que todo e qualquer passageiro com necessidade de atendimento especial (leia-se, um funcionário empurrar uma cadeira de rodas até a aeronave e depois auxiliar no desembarque) - coisa mais besta que há - EXIGE AVISO COM ANTECEDÊNCIA DO PASSAGEIRO AO MÉDICO DA AZUL, ENVIO DE LAUDOS MÉDICOS E DOCUMENTOS RELACIONADOS, para que tudo seja analisado pelo dito médico em até 72hs antes do embarque. E não adianta comprar seguro saúde e espaço extra da própria companhia aérea, porque eles não aprovam nenhum embarque. A AZUL não nos apresentou opção, como por exemplo, assinatura de termo de responsabilidade, nem respeitou a bilateralidade de cláusulas contratuais, alegando que o procedimento era padrão. E em momento algum, no ato da compra via internet, exceto em sub-link disfarçado no site como "serviços", a companhia avisou da impossibilidade do embarque. Por telefone uma atendente e um supervisor deram a única opção possível para manter o "bem estar do cliente" : o cancelamento do bilhete com pagamento de taxas que resultou na devolução de apenas R$ 129,00 dos R$ 377,00 pagos anteriormente. ISSO TUDO ÀS 01:00 de hoje, dia do embarque. ISSO É OU NÃO É UMA FALTA DE RESPEITO E O REFLEXO DO PODER QUE AS CIAS AÉREAS TEM SOBRE O CONSUMIDOR? Atenção usuários! ISSO É PRA FICAR AZUL DE RAIVA!"

Elmar Silva - comentou - Mestre Forni, excelente artigo, como sempre. Estou, neste momento vivenciando grande dificuldade para obter a "portabilidade" de uma linha telefônica junto a Oi. Tenho, registrados mais de VINTE protocolos de atendimento...ou melhor... de NÃO ATENDIMENTO. Acho que a Oi não me quer mesmo, como você bem descreve no texto. Forte abraço.

Nadege Lomando comentou -  É verdade. Sempre tenho a impressão que eu estou comprando mas nunca tem alguém me vendendo.

Walber Pinheiro comentou - Excelente seu artigo Professor Forni. Eu no momento estou com problemas com a Sky. Hoje completa 30 dias que estou com problema na recepção do sinal e depois de várias visitas e dezenas de ligações e número de protocolo continuo com problema.

Flávio Pikana escreveu: "É, Prof. Forni, abrir mão da cidadania (ou deixar que nos la tomassem) num país como o Brasil, onde há muito a ser construído resulta em todo o tipo de cretinice e incompetência embarcados nesses serviços de encher o SACo dos clientes. Outro dia, para um cancelamento de um 3G a ligação levou 27 minutos mas, por sorte, consegui o intento. Acho que até vou rezar agradecendo. O que me faz ficar ainda mais chateado é não ver solução a vista, a prazo ou a tempo algum pois as agências reguladoras, via de regra, regulam as facilidades e vantagens criadas para seus funcionários e quanto a sua atividade fim, infelizmente, a competência das empresas muito fortes em seus poderes eletrônico e principalmente econômico, suplanta em muito as competências internas dessas (des)reguladoras. Dessa forma, ficamos nós no prejuízo e com a paciência por um fio, ou dois, ou wi-fi, ou seja lá como for. Tétrico!"

Patrícia Portales escreveu: "Por que as empresas odeiam os clientes"? Texto excelente do prof. Forni!!" "Gostei muito!! É bem por aí..."

Nelio Lima comentou: "Opção é não comprar delas".

Ana Teresa Fernandes comentou: "Infelizmente retrata nossa realidade... O que mais me incomoda são os 'call-centers' de qualquer empresa... E o frustrante: os aeroportos.. As empresas abaixam o preço das passagens o que resulta num aeroporto lotado onde as mesmas companhias aparentam não ter suporte para tanta gente! Fora os famosos 'overbooking'... Ou entao passagens de curto trecho (1hr:30 de voo) absurdamente caras!!! O pior quando a consumação basica tem que ser paga.. Realmente, eles amam o lucro e odeiam os geradores."

Carlos Alberto Barreto de Carvalho comentou: gostei muito do artigo sobre a relação empresa x consumidor e o sentimento de ódio que parece existir diante de tantos exemplos corriqueiros de desrespeito praticados diariamente pelas empresas! Como morador recente do Rio de Janeiro já passei por muitos perrengues!!! Você tá reclamando do atendimento ao consumidor em Brasília? Você é feliz e não sabe! Aqui no Rio é um esculacho!!! Falta de respeito em cima de falta de respeito. E o pior: o carioca parece conformado com o baixo padrão do atendimento em todos os setores da economia...... De eletricista a marceneiro, de loja de móveis a fornecedores diversos e prestadores de serviço em geral, a sensação é a de que não há compromisso com horários, qualidade do produto nem do serviço. Nada do que é combinado é entregue. Marca-se um horário e não se cumpre. A mercadoria entregue vem com defeito. Você só consegue resolver depois de gastar muito tempo e reclamar muito. O importante é vender!! Vendeu? Acabou aquele tratamento cortês, o sorriso e toda a paparicação. Isso só acontece no Rio ou em todo o Brasil??

Amanda Bittar comentou no @amandabittar: @jjforni obrigada pela indicação e pelo retorno. Artigo interessantíssimo! A @ClaroRonaldo precisa urgente de consultoria.

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