Algumas fontes jornalísticas se especializam em não dizer nada quando entrevistadas. Personagens da política brasileira entraram para a história do enrolation. Perguntados sobre fatos graves, negativos, denúncias, eles desenvolveram a habilidade de driblar os jornalistas, tergiversar e nunca responder objetivamente.
Assim foi Leonel Brizola, raposa velha, com anos de vivência política, herdeiro de Getúlio Vargas e João Goulart, e que tinha extrema habilidade de lidar com a mídia, fugindo das saias justas. Outro especialista nesse tema, ainda na política, é o deputado Paulo Maluf. Perguntado sobre algo que não gostaria de responder, principalmente sobre sua reputação, ele consegue fazer um longo percurso retórico e não responder absolutamente nada. É o campeão do anti-lead, porque nem confirma, nem desmente. Jânio Quadros também, outro político populista, com habilidade de elocubrações vernáculas para fugir das respostas objetivas.
Mas o governo tem um herdeiro desses dois políticos, que está se especializando em conceder o que chamamos de não-entrevistas. Trata-se do ministro Edson Lobão. Ao se explicar à imprensa sobre a possibilidade de haver racionamento de energia, em função dos baixos níveis das usinas hidrelétricas, ele traçou um quadro tão otimista que suscitou até uma dúvida.
Estariam a mídia e os especialistas em energia delirando, ao abrir manchetes e concederem entrevistas alarmantes sobre a possibilidade de apagão? Só eles e a população conseguem ver reservatórios secos e ameaças ao abastecimento?
Para Edson Lobão, há exagero nessas notícias e não há motivo para preocupação. Na não-entrevista à CBN, por exemplo, Lobão chegou a ironizar a preocupada âncora, que tentou pressioná-lo quanto ao quadro alarmante do nível dos reservatórios: “não existe possibilidade de racionamento de energia”; “não há níveis alarmantes”; “não há seca, já começou a chover”; “não existe a mínima possibilidade de um cenário semelhante ao de 2001, porque as termoelétricas suprem as necessidades”...
Na entrevista, após reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, quinta-feira, Lobão afirmou que a ideia de racionamento é "ridícula": "Ficou a tranquilidade reiterada de que o país possui o estoque de energia firme, seguro e em condições de atender a todas as nossas necessidades", concluiu.
Seria o caso de a âncora da CBN e os repórteres presentes à entrevista perguntarem: e o que nós estamos fazendo aqui então? As análises de membros do próprio governo, preocupados com a falta de água na cabeceira dos rios, que abastecem as usinas, e de especialistas do setor, são o quê?
Acredite se quiser
O mesmo ministro que diz não haver possibilidade de apagão, já que começou a chover na região das usinas, apenas porque estava chovendo em Brasília, foi aquele que em 2008, num acesso de delírio nuclear, previu que o Brasil abriria de 50 a 60 usinas nucleares nos próximos 50 anos. E que em 2012, os locais seriam anunciados. Se não, vejamos a chamada de O Globo online de 12/09/08:
“O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou hoje (12), em Angra dos Reis, que o Brasil já definiu como prioritária a retomada do programa nuclear brasileiro e que deverá construir cerca de 50 a 60 usinas nucleares nos próximos 50 anos - com capacidade de geração de aproximadamente mil megawatts cada unidade.”
Como daqui a 25 ou 50 anos, ninguém irá cobrá-lo, certamente, ministros e outras autoridades desenvolvem essa capacidade de criar factóides para gerar manchete. Quatro anos depois, essa notícia na boca de um ministro de minas e energia soa como uma tremenda bobagem. Já que na época, os especialistas em energia bombardearam a notícia como algo totalmente delirante.
Não fosse apenas o número exagerado, a energia nuclear já começava, naquela época a preocupar. O Japão, país com praticamente toda a planta energética baseada em usinas nucleares, desativou, em 2011 e 2012, 54 usinas nucleares, reativando apenas quatro no auge do calor e do inverno, por absoluta falta de energia. E a Alemanha resolveu rever todo o seu programa nuclear, suspendendo a instalação de novas usinas. Tudo em função da crise que se abateu sobre o Japão, após as explosões na Usina Nuclear de Fukushima.
Em 9 de janeiro de 2009, numa entrevista antológica, Edson Lobão anunciou, pela manhã, que o Brasil iria cortar a importação de gás da Bolívia em 19 milhões de metros cúbicos, com significativa economia por ano. À tarde, nova convocação de uma coletiva, o mesmo ministro, após reunião com autoridades da Bolívia, deu um recuo total e anunciou, para surpresa dos jornalistas, que o Brasil iria aumentar as compras de gás da Bolívia. Mas por que duas notícias contraditórias, no mesmo dia, em coletivas? "De manhã é de manhã, de tarde é de tarde", disse Lobão. Entenda como quiser, mas um ministro não pode se prestar a essas idas e vindas.
Como os brasileiros têm memória fraca, e ninguém cobra bobagens desse quilate de nossos homens públicos, as declarações do ministro de Minas e Energia sobre a atual apagão podem valer ou podem não valer. Entenda como quiser.
Até porque a primeira vítima nessas entrevistas, que tentam desmentir crises ou fazer previsões otimistas sobre economia, quase sempre é a verdade. Quem foi explicar os últimos apagões com detalhes técnicos incompreensíveis e culpou um raio por defeito na linha de transmissão de Itaipu, em 2009, não pode ter entrevistas sobre possibilidades de apagão ou racionamento levadas muito a sério.
Pelo menos, o governo poderia nos poupar dessas bobagens e colocar outros porta-vozes para explicar por que os brasileiros não estão enxergando muita água e vendo pontes, cemitérios e igrejas emergirem dos leitos dos reservatórios. Vai ver, nós todos estamos com alguma alucinação nuclear.
Entrevista à revista Veja
No fim de semana, o ministro Edson Lobão concedeu uma rápida entrevista à revista Veja, onde novamente perdeu oportunidade de ficar calado. Algumas das pérolas na resposta do ministro: "Se o PIB tivesse crescido 4%, teríamos estoque de energia para isso." - Comentário: todos os especialistas em energia e até gente do governo reconhecem que foi "sorte" o PIB ter crescido menos de 1%, se não... olha o racionamento lá minha gente...
Mais um jogo semântico: "Houve seis apagões. Eu nem chamo de apagão, foi interrupção". Comentário: Qual é mesmo a diferença? Agora, na linha do "me engana que eu gosto": "Você quer saber se estou enfraquecido? Não estou. Ela (Dilma) não quer me demitir. (...) Não vou sair. Não vou sair. Comentário: o último a dizer isso, como é o nome dele mesmo? Carlos Lupi...Está onde?
Nessa, agora, ele se superou: "Fui eu que mandei o Márcio Zimmermann lá (na reunião com Dilma sobre o nível dos reservatórios). Eu estava numa reunião muito importante quando a presidenta (sic) ligou. Ela disse: "Estou aqui no Alvorada e queria que você viesse". Aí eu disse: "Presidenta, não dá para mandar o Zimmermann? Estou em uma reunião importante aqui com o pessoal da Eletrobras". Ela disse: "Tudo bem".
Quem acreditar nessa versão ganha o prêmio Cereja do ano. Alguém do governo, chamado por Dilma, por qualquer motivo, vai dizer para ela que vai mandar outro? E logo alguém que está na corda bamba? Hum. Para finalizar o conselho de um ministro das Minas e Energia de um país que desperdiça muita energia e está com reservatórios no limite: "Usem a energia sem medo. Podem usar sem preocupação". Pano rápido, por favor... não dá para continuar.
Foto: Ponte que não aparecia há 10 anos fica à mostra em Três Pontas. Reprodução: EPTV/Erlei Peixoto.