Passada uma semana da fase mais aguda do furacão Sandy, transformado em tempestade tropical, não são apenas os rescaldos materiais e o pranto aos mortos que restam. Vários artigos e estudos abordam agora como os EUA se prepararam para o desastre e as lições dessa crise para eventos naturais semelhantes em outras regiões.
Algumas áreas de Nova York e Nova Jersey ainda vivem sob colapso. Lixo e entulhos em algumas regiões mais parecem cenários de guerra. “Não imaginava que ficaríamos assim”, desabafa um morador. Em algumas cidades, principalmente isoladas por quedas de árvores ou alagamentos, a população reclama da demora do socorro para amenizar o caos.
O prejuízo para todos os segmentos da economia daquela região são inevitáveis. Não há como o Estado indenizar a maioria dos negócios prejudicados pelos efeitos do furacão. Falta de energia, água, abastecimento, transporte, com milhares de pequenas e grandes indústrias, além do comércio, parados, agravam uma situação que já era muito ruim, pela crise econômica.
Moradores duvidam das promessas e até da estrutura e do sistema de defesa das cidades para fenômenos naturais dessa magnitude. Segundo o filósofo e professor de bioética da Universidade de Princeton, Peter Singer, o furacão Sandy “está longe de ser um evento natural e é a prova de que cidadãos e governo terão de levar realmente a sério as mudanças climáticas.”
Ou seja, o homem que destruiu a natureza é o culpado pela frequência e intensidade dos desastres naturais. “Chegamos ao ponto em que não basta intensificar preparativos para emergências de grandes proporções em nossas metrópoles. Será preciso tomar uma atitude radical em relação às emissões de gases do efeito estufa, nas formas de geração de energia e em nossos próprios padrões de consumo – antes que seja tarde demais”, diz o cientista.
O furacão também mostrou como é volátil o interesse pela eleição. Com todas as atenções do país voltadas para os efeitos da tragédia, a eleição parecia mais uma pauta em meio a tanta notícia sobre a tragédia. Os americanos se acostumaram a não ouvir nada conclusivo, quando se trata de crise, durante os debates de uma eleição. Muitos menos crises de desastres naturais.
O Sandy não apenas retirou as eleições das primeiras páginas. Transformou o debate nacional e polarizou opiniões de dois lados. Enquanto o governo se desdobrava para mostrar eficiência, com o fantasma do Katrina, de um lado, e a eleição de outro, o candidato oposicionista tentava se explicar por que há alguns meses era contra o governo federal assumir o controle das catástrofes. Até governador da oposição elogiou a pronta atuação do governo federal, que amenizou a tragédia e evitou um grande número de vítimas.
A maior lição dessa tragédia, válida para qualquer país, foi a significativa redução de danos devido à eficiente sintonia entre os órgãos governamentais de controle de catástrofes e da comunicação eficiente com a população. Ela foi exaustivamente avisada da gravidade da situação, dos riscos e da seriedade com que deviam admitir o furacão que se aproximava. Isso mobilizou meios de comunicação, serviços de emergência e voluntários. Todos preparados para o pior. O mais importante é que o poder público passou segurança à população, dando sinais de que tinha o controle.
As chamadas para as pessoas deixarem as zonas de perigo soaram como um poderoso alerta de prevenção de crise: "Se vocês não evacuarem os locais de risco, vocês não estarão apenas colocando a própria vida em perigo, mas vocês estarão também pondo em perigo as vidas dos primeiros socorristas que estarão indo para resgatá-los”, disse o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg.
E assim também caminhou o aviso direto do National Weather Service: "Se vocês estão relutantes (em evacuar) pense nas suas pessoas queridas, pense sobre os socorristas de emergência que estarão impossibilitados de alcançá-los, quando você fizer uma chamada de telefone, em pânico, para ser resgatado; pense sobre as equipes de resgate ou recuperação, equipes que irão resgatar você, se você estiver machucado ou recolher os restos mortais se você não sobreviver”.
A difícil retomada
O sistema de transporte da região afetada pelo Sandy entrou em colapso e levará pelo menos dez dias ainda para a normalização, até porque galerias e túneis do metrô de Nova York foram inundados pela primeira vez, em mais de 100 anos de funcionamento. Milhões de residências ainda não tinham luz, uma semana após o desastre.
Os efeitos perversos do Sandy só perdem nos últimos anos, nos EUA, para os do Katrina, de 2005. Pelas precauções adotadas e sistemas de emergência aprimorados após o Katrina, as perdas humanos foram bem menores. Enquanto no Katrina morreram 1.836 pessoas, nesta tragédia, até domingo contabilizavam-se 112 mortes, um número pequeno para a extensão do estrago. No Katrina, 15 milhões de pessoas estavam nas áreas afetadas, enquanto neste furacão, pela concentração em Nova York, a área tinha 17,6 milhões de habitantes. O Katrina custou US$ 120 bilhões, enquanto os custos calculados para o evento atual podem chegar a US$ 60 bilhões, um peso para a já depauperada economia americana.
O presidente Obama também deu uma lição de como um líder deve se comportar numa crise. Além de ter acompanhado os preparativos para a chegada do furacão na Casa Branca, visitando o FEMA - Federal Emergency Management AGency, serviço de emergência, para dar uma força política e motivadora aos operadores, ele visitou Nova Jersey, a região mais afetada, logo na quarta-feira, dois dias após o ápice do furacão. Bush levou cinco dias para ir até Nova Orleãs.
Para completar, 30 a 40 mil pessoas na região de Nova York precisam de novas casas por causa de incêndios e destruição total. Acrescente-se a isso, a falta de combustível, além de afetar o transporte e o abastecimento, a chegada do inverno, que baixou a temperatura neste domingo para 4 graus, é outro agravante para quem não tem teto. O Prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, disse que não há precedentes de um contingente desses precisando de casa na cidade. Principalmente diante da chegada do inverno. Milhares de residências estão inabitáveis.
Como as empresas se comportam
A imprensa tem destacado o espírito de solidariedade gerado pela tragédia em Nova York. A economia do compartilhamento tenta amenizar os efeitos perversos do furacão. Lojas dividem geradores, voluntários doam água e alimentos e abrigam os sem teto. A polícia e voluntários percorrem prédios sem luz e energia para ver se idosos e pessoas sem mobilidade não estariam presas em elevadores ou apartamentos e precisando de ajuda. Elas não teriam como pedir socorro, por falta de luz e e telefone.
A prefeitura de Nova York também mostra como o poder público deve se comportar. Nas crises, o que o público espera do Estado? Proteção, dizem todos os especialistas. E pelo Twitter, a prefeitura convoca jovens saudáveis e fortes para ajudar a distribuir água e comida. Há uma corrente de solidariedade que procura pelo menos amenizar as perdas de quem perdeu muito ou não tem data para retomar as atividades normais.
Elio Gaspari, na coluna semanal, publicada em vários jornais, lembra o comportamento do Citigroup nessa crise nos EUA, ensinando os brasileiros como se trata o cliente na hora em que mais precisa. “Há dois anos, quando uma enchente devastou áreas do Rio de Janeiro, a Febraban avisou aos clientes cujas contas venciam naqueles dias que “os bancos estão impedidos de adiar pagamentos”. Cobrariam juros de mora, portanto, à patuleia que não conseguisse chegar às agências ou quitar suas dívidas nos canais de atendimento remoto disponíveis”.
“(...) Na semana passada os clientes do Citibank americano receberam uma mensagem intitulada “estamos aqui para ajudar”, informando o seguinte: 1) Elevara em US$ 5.000 o limite de crédito de todos os fregueses; 2) devolveria as taxas resultantes de saques feitos em caixas eletrônicos da rede avulsa; 3) Suspendera a cobrança de taxas resultantes de cobranças de atrasos relacionados com seus produtos.” Que bela lição de defesa da marca, em contraposição ao “cliente que se lixe” da nossa Febraban e de tantas outras empresas que desrespeitam os stakeholders na hora da crise.
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