Há uma crise grave hoje no País. Por mais que governo e funcionários públicos queiram descaracterizá-la. Pode ser até que os sindicatos julguem a greve uma festa, um convescote anual para se firmar politicamente. Ou uma arena perfeita para medir forças com o governo Dilma, refratário a incensar as entidades sindicais como elas gostariam. Mas o que nós contribuintes temos a ver com isso?
Essa festa, que inclui o inevitável e barulhento carro de som e muito discurso para cima dos patrões, além de passeatas que se revezam e tumultuam o trânsito, já ultrapassou todos os limites. E abusa da paciência dos brasileiros.
O jornalista Janio de Freitas definiu bem: “As greves de serviço público que se voltam contra a população voltam-se também contra a democracia”. Greve é um direito do trabalhador. Aqui e em qualquer lugar do mundo. Mas greve implica o bônus: a pressão sobre os patrões se transformar num aumento de salário ou atendimento a outras reivindicações, muitas delas justas.
Mas também tem o ônus. O primeiro deles arcar com o desconto dos dias parados. E de negociar até à exaustão. Não basta gritar e interromper o trânsito. O jogo da greve seria melhor disputado na mesa de negociação e não em praças públicas, incomodando a população.
No Brasil, de há muito se convencionou, quase num acordo tácito, pagar os dias parados nas greves. Como são pagos, então já existem empregados de carreiras tradicionais com greves previstas e inevitáveis no calendário dos dissídios, como petroleiros, bancários, metalúrgicos que agendam passeios de uma semana à praia, por conta do período de greve. Afinal, greve com dias remunerados, tem outro nome. É férias ou licença remunerada.
Talvez por isso a greve das universidades federais até agora não tenha acabado. Ou alguém tem dúvidas de que se os empregados e professores não estivessem recebendo em dia seus salários, a greve ainda prosseguiria? O governo mandou cortar o ponto. Mas alguém obedeceu? Houve o caso de um reitor de universidade que se negou a cortar o ponto, ou os salários. O que aconteceu com ele? O corte de salário para valer, não de mentirinha, teria levado todos à mesa de negociação em poucos dias. E não se falaria mais em greve.
De um lado, é preciso que o patrão tome atitude, seguindo a lei. Mas este - governo ou empresário – deve ser proativo, ágil e objetivo na negociação. Primeiro, ter negociadores profissionais e isentos em tempo integral, para não ser atropelado pelo calendário ou por movimentos grevistas intempestivos. Como na Bahia, ano passado, com o governo acuado pelos policiais e bombeiros. Esse negociador talvez seja exatamente o que está faltando nesse momento em que ninguém sabe para que lado correr.
De outro, desencadeada a greve, indicar um líder, uma referência para todos saberem quem comanda o impasse, como preconiza a gestão de crises. Quem lidera a atual greve dos servidores públicos? A ministra da Casa Civil? Não se viu até agora nenhuma fumaça vindo de lá. Gilberto Carvalho, o coringa sempre presente nos desgastes com áreas sindicais, desde o tempo de Lula? A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, criticada por ter atrasado as negociações e minimizado a gravidade do movimento? Ou o ministro do Trabalho, que tomou chá de sumiço? Seriam os nomes ideais para resolver esse impasse?
Não estaria faltando um xerife (ou seria xerifa?) no governo para pôr fim nesse movimento que incomoda todo o país? Transferir uma reunião, em princípio marcada, de 31 de julho, para 13 de agosto, não parece iniciativa recomendável de um governo preocupado em resolver a crise. Crise não bate com lentidão ou insegurança. Gerenciar a crise envolve não apenas o elemento operacional, mas também o elemento político-simbólico. Falta uni-los. Como diz Elio Gaspari, sobrou “onipotência e embromatia”.
Do lado dos sindicatos, como sempre, inúmeros abusos. A decretação de greve implica responsabilidades. E como no Brasil sempre se acha um jeitinho para não cumprir a lei, a exigência mínima de trabalhadores, fixada em lei, raramente é obedecida. Isso vale para greves de motoristas de ônibus, metrô, trens. Como para médicos, profissionais de saúde, que deixam os postos de atendimento e hospitais às moscas, se lixando para quem precisa atendimento de urgência. Algum sindicato foi punido porque não cumpriu a exigência mínima? Precisou o STJ determinar, sob pena de multa, para algumas categorias cumprirem suas funções.
Para o colunista Janio de Freitas, “a permanência dos serviços, por plantões de servidores nos seus locais de trabalho, é uma farsa dos respectivos sindicatos. Os plantões fazem figuração, sempre com número exíguo de funcionários para que os serviços não sejam mesmo prestados”. Em Brasília, em recente greve dos motoristas de ônibus, até os patrões aderiram, para forçar o governo a dar aumento. Mais uma inovação tupiniquim.
Outra novidade brasileira. Criou-se a chamada “operação padrão”. Essa que transforma aeroportos, rodovias e alfândegas de fronteira num verdadeiro inferno. Por quê? Os servidores públicos alegam cumprir todos os procedimentos determinados pelos manuais, emperrando a vida do cidadão.
Das duas uma. Ou eles não cumprem as obrigações durante o ano todo, como acontece, por vezes, com a Polícia Rodoviária Federal, leniente com caminhões com carga acima do permitido, motoristas dopados por rebite ou veículos em alta velocidade. Ou eles estão mesmo a fim de transformar a greve num movimento de afronta ao governo para complicar ainda mais a vida do cidadão, que trabalha e paga impostos elevados, já castigado pela ineficiência de serviços públicos historicamete burocráticos e ineficientes. Paradoxalmente, e para desespero da população, resolveram trabalhar por estarem em estado de greve. Sob qualquer aspecto, estão na contramão dos interesses do contribuinte.
Qual a lógica de a Polícia Federal e a Receita atrasarem um terço dos voos internacionais, em Guarulhos, interferindo em negócios de dezenas de empresas aéreas, pelo mundo, e comprometendo a vida de milhares de trabalhadores e passageiros? Qual a justificativa para isso? Os grevistas têm uma ideia do prejuízo causado à economia do país por milhares de caminhões retidos em fronteiras, alfândegas ou estradas, nos últimos dias?
Sem falar dos remédios e outros equipamentos de saúde, retidos em aeroportos ou postos aduaneiros, por falta de fiscalização da Receita ou da Anvisa. Em Brasília, matéria-prima de produtos farmacêuticos, no valor de US$ 30 milhões, está retida há sete dias por falta de fiscais aduaneiros para liberar. Os líderes sindicais jogam a culpa pelo atraso no governo.
A mesma polícia que ontem jogava gás de pimenta nos contribuintes, por interromperem estradas esburacadas ou com alto índice de atropelamento, hoje tumultua o trânsito voltada para o próprio umbigo. O uso do cachimbo deixou a boca dos funcionários públicos torta, depois dos anos de festa do governo Lula, quando os salários de certas categorias tiveram aumentos muito superiores à inflação.
Existem, é certo, categorias, incluindo professores universitários, realmente com salários defasados e injustos. Mas nem por isso o País precisa parar para resolver todos os problemas de uma vez. Mesmo as universidades, setor em que o governo avançou nas negociações, continuam intransigentes, prejudicando milhares de alunos por todo o Brasil. Parece um cabo de guerra de líderes sindicais com o governo, para mostrar serviço em ano eleitoral.
No executivo, por exemplo, há cargos de chefia com salários que não passam de R$ 11 mil, o que, convenhamos, está abaixo do mercado e defasado em relação a outras categorias, como Tribunais Superiores, Receita Federal, Polícia Federal e outros. Sem falar no Legislativo. Mas isso não significa que o governo e o país devam ficar reféns de 300 mil funcionários públicos que resolveram apostar com a presidente Dilma quem tem mais força. São 30 órgãos públicos afetados pelo movimento grevista.
O governo, embora lento e atrapalhado, está certo em endurecer, até porque os tempos das vacas gordas passou. As nuvens da crise que hoje assolam a América do Norte e Europa começam a chegar ao Brasil. E não são nuvens brancas e bonitas. Se o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, como aliviá-la com uma máquina burocrática lenta e pesada, que, em muitos casos, quer ganhar mais do que a iniciativa privada? De onde tirar R$ 92 bilhões para atender a todas as reivindicações? Endurecer não significa não negociar. Mas para tudo existe um limite. E neste caso, já passou e muito do limite.
Se centrais sindicais e sindicatos acreditam merecer o apoio da população para esse movimento, fizeram o cálculo errado. Do Sul ao Norte, há um clamor, não importa o nível de renda ou de educação, de que eles avançaram o sinal. Ou alguém que passou o dia trabalhando, vai ficar incensando uma mobilização que não lhe permite chegar em casa, viajar ou estudar?
Há a sensação de que a choradeira seria da classe média, acostumada ao conforto e à acomodação. O povão e os próprios funcionários públicos nem ligariam para isso. Além disso, a essência do serviço público estaria funcionando. Com diz o professor Gaudêncio Torquato, “As greves que envolvem funcionários públicos federais causam sim, prejuízos ao País e à sociedade, seja pelo efeito retardado que provocam nas prateleiras da burocracia, seja por prejuízos aos sistemas produtivos, usuários e consumidores”. Esse cálculo deve passar ao largo de quem ainda olha o país a partir de um carro de som.
Outros artigos sobre o mesmo tema
Reitores que pagam salários de grevistas, devem responder por improbidade.
Um país sem Governo - Ethevaldo Siqueira