“A pobreza tem a cara de uma criança”, disse a diretora da Unicef Espanha, Paloma Escudero, na apresentação do relatório “O impacto da crise nas crianças”, na semana passada. Isso porque, somente na Espanha, 26% (2,2 milhões) de menores de 18 anos viviam em lugares com risco de pobreza em 2010. Os dados de 2011 não saíram, mas já se sabe que serão piores.
Para essas famílias significa, segundo documento da Unicef, que a renda familiar não passa de 50 mil reais para os adultos e as crianças. O tema foi abordado por Alejandra Agudo, no jornal espanhol El País e teve ampla repercussão na Espanha.
A colunista Elvira Lindo, do jornal espanhol, explica o significado da pobreza entre as crianças. “Três de cada dez crianças espanholas são pobres. Ser pobre na Espanha, explicou a diretora da Unicef, não significa não comer, porém não comer adequadamente; ser pobre na Espanha não significa não ter assistência médica, mas sim carecer de tratamentos que não são cobertos pela medicina pública; ser pobre na Espanha não quer dizer não ter um teto para si, mas sim não ter uma habitação digna; ser criança pobre na Espanha não significa não poder estudar, mas sim ser privado das atividades que completam uma educação. Estes são os dados mais demolidores que nos têm gerado a crise”.
Um cenário cada vez pior
A Espanha, depois da Grécia, começa a tomar ares de “bola da vez”. É apenas a ponta do iceberg da crise que assola países europeus cada vez mais cercados pela necessidade de cortes de despesas, crise bancária, pressões populares e ameaças de colapso. O cenário não é diferente em Portugal, Grécia, Irlanda, Itália, Bulgária e Romênia.
Pela primeira vez na Espanha, a proporção de crianças na linha da pobreza supera a dos maiores de 65 anos, até então o segmento mais afetado pelos efeitos da crise, diz o jornal El País. A pobreza entre crianças cresceu 53% em três anos.
Esta semana as notícias vindas da Europa mostram um céu cada vez mais carregado para o futuro da Zona do Euro. A Espanha e a Grécia enfrentaram na semana passada uma onda de saques em bancos, por conta da incerteza do dia de amanhã. O governo espanhol precisou intervir no Bankia para preservar não só a empresa, mas restabelecer a confiança no sistema.
O Bankia, quarto maior banco espanhol, que enfrenta grandes dificuldades devido à exposição ao frágil setor imobiliário, anunciou na sexta-feira que pedirá 19 bilhões de euros, dinheiro novo, além dos 4,5 bilhões de euros já injetados para acalmar o mercado. A quantia é recorde na história do país. A economia mundial estaria até preparando um plano de crise para a eventual saída da Grécia da Zona do Euro, ameaça cada vez mais provável.
A busca de uma saída para a crise, cada dia mais grave, encontra resistências da Alemanha, o único país da zona do Euro com perspectivas reais de crescimento este ano, e no impasse político da Grécia. Um horizonte muito complicado para um grupo de países que apontam para crescimento negativo em 2012.
Qual o cenário previsto quando os dados de 2011 forem divulgados e para os próximos anos? Pior. Dados preliminares para 2011 do instituto apontam um aumento na quantidade de menores pobres na Espanha até 26,5%, enquanto o de idosos se manteria em 21,7%, um número assustador para qualquer país. Nada indica que esse quadro mudará em 2012.
A face da crise
“Hoje não virei buscar a Ana, porque já não posso mantê-la. Por favor, tome conta dela. Sinto muito. Sua mãe”. (Mensagem deixada numa escola de Atenas, para uma professora de crianças).
Segundo Alejandra Agudo, autora de reportagem sobre o tema, no jornal El País, “as crianças são as principais vítimas da crise econômica, principalmente aquelas que se encontram abaixo da linha considerada mínima para sobreviver”. Casais jovens, o segmento mais atingido pela crise (em alguns países o desemprego de jovens chega a 50%), vêem-se na contingência de cortar gastos com os filhos, principalmente alimentação, assistência à saúde e material escolar. Essas crianças acabam perpetuando o círculo vicioso de pobreza no qual se encontram seus pais. Um horizonte sem recursos para a educação e com déficit alimentar não pode dar muita esperança para o futuro dessas crianças.
Na Grécia, a situação de pobreza e desemprego é tão dramática que muitos pais veem-se diante de uma autêntica "A escolha de Sofia": abandonam todos ou um dos filhos em casas de caridade, porque não podem sustentá-los. A organização Aldeias Infantis, na Espanha, percebeu uma mudança de perfil das crianças que buscam ajuda e das famílias que os procuram. Antes, eles apoiavam o estudo. Agora, precisam também de roupa e comida. As famílias desestruturadas cederam lugar também à classe média, que procuram os serviços de apoio com muita vergonha.
Mas o problema não se limita às crianças. "52% deles, como outros jovens, estão desempregados e voltam a nós em busca de apoio. Tratamos de ajudá-los com medidas de urgência, como pagamento da luz, com comida e, sobretudo, ajudando-os a encontrar emprego”, explica o diretor geral da organização, Pedro Puig. A situação das crianças na Grécia é muito pior, porque eles não têm ajuda pública.
Segundo ainda a reportagem do El País, em alguns países como Romênia e Bulgária, a renda anual das famílias não ultrapassa 11 mil euros (R$ 27.500). O estudo da Unicef atribui ao desemprego e à queda da renda a principal causa da pobreza. O número de famílias nessa situação aumentou em 120% entre 2007 e 2010.
Por isso, a Unicef pediu aos governos da região do Euro incluir na agenda política a proteção da infância. “Os custos de não atuar agora, quando as crianças mais precisam, não só afetam essas crianças e às famílias mais vulneráveis, como comprometem o crescimento da sociedade a médio e longo prazo”, disse a diretora. É o dilema dos custos de prevenir crises. Não se gasta na prevenção. Depois, os dispêndios são muito superiores.
A situação é tão dramática que, em recente pesquisa realizada na Espanha, se lhes coubesse decidir, as crianças optariam em ter o tempo todo algo para comer. Na pesquisa com seis mil estudantes, 3.250 disseram que essa seria sua prioridade, à frente de ter um videogame, opção escolhida por apenas 274 estudantes.
A Organização Internacional do Trabalho alertou que os jovens são os que mais sofrem as consequências da crise econômica. Na Grécia e na Espanha, para citar apenas dois dos países onde a situação econômica é mais aguda, “estamos diante de uma crise que pode levar a uma geração perdida ou muito seriamente marcada. Sabemos que se alguém não começa bem no mercado de trabalho, ou se transcorre muito tempo antes de conseguir o primeiro emprego, isto influirá no tipo de trabalho e nas admissões para o resto da vida”, assegurou o diretor do setor de emprego da OIT, José Salazar Xirinachs.
A OIT acompanha, principalmente, a situação do emprego dos jovens entre 15 e 24 anos. No caso da Espanha e de outros países do Euro, o desemprego entre os jovens é um problema estrutural, em grande parte explicado pela "bolha” na construção civil", que gerou uma crise em cadeia. O pior dessa geração perdida, é uma quantidade de pessoas desanimadas, jovens que perderam a esperança e deixaram de procurar trabalho. Estes acabam não aparecendo nas estatísticas.
O que as organizações internacionais, como Unicef e OIT estão cobrado dos governos europeus? Estimular a economia a curto prazo e promover políticas de crescimento de setores em que países, como Espanha e Grécia, tenham vantagens comparativas. Entre eles o turismo, responsável em passado recente pela recuperação econômica da Espanha.
Estimativas apontam que o desemprego juvenil em todo o mundo alcançará este ano 12,7% e afetará 75 milhões de pessoas. Projeções indicam que não haverá grandes mudanças nesses números pelo menos até 2014. Ou seja, um cenário em que milhões de crianças da Europa, aquelas que até bem pouco tempo atrás comemoravam o nascimento num Continente desenvolvido e de alto padrão econômico, correm sério risco de engrossar o contingente, cada vez maior, dos pobres e miseráveis do mundo.