O país assistiu semana passada à ampla cobertura pela imprensa do julgamento de Lindemberg Alves Fernandes, acusado e condenado pelo sequestro e assassinato da namorada Eloá Pimentel, em 2008.
O julgamento se transformou no tema principal da mídia nacional, a ponto de os principais telejornais terem dedicado blocos inteiros, de cinco minutos ou mais de seus noticiosos, para dar ampla cobertura ao acontecimento.
Repórteres foram destacados para entrevistar testemunhas, advogados, promotores, parentes e conhecidos da vítima e do assassino. Helicópteros fizeram sobrevoos sobre o Fórum de Santo André, S. Paulo, onde se deu o julgamento, e acompanharam os deslocamentos do acusado em camburões da polícia, durante os três dias do julgamento. Especialistas dos mais diferentes quilates foram ouvidos sobre o episódio, enquanto a TV fazia links ao vivo diretamente do Fórum. Parecia cobertura de Copa do Mundo.
Até que ponto essa glamourização do crime serve aos leitores, telespectadores, familiares da vítima, ou, num outro ângulo, seduziria potenciais assassinos, que todos os dias, sob o argumento de paixões não correspondidas, sequestram e tiram a vida de namoradas, noivas e esposas? Qual a importância para o país de acompanhar, de helicóptero, o trajeto do criminoso até o presídio onde ele iria passar a noite? A relevância do roteiro de Lindemberg para o país é zero à esquerda.
O sequestro de Eloá Pimentel, há três anos, deveria ter servido para a mídia repensar seus métodos de cobertura, avaliando a utilidade de dar destaque a operações cinematográficas das andanças de assassinos, como aconteceu no caso Bruno, ex-goleiro do Flamengo, e agora; ou nas ocupações policiais de favelas de traficantes, no Rio de Janeiro, como se assistíssemos a filmes policiais ao vivo, no horário nobre da televisão.
Na época do crime de Santo André, foi muito questionada a iniciativa de uma apresentadora da Rede TV de ligar para o apartamento de Eloá, em pleno sequestro, e fazer uma entrevista ao vivo com o sequestrador. Ele se sentiu o próprio mocinho do filme, empolgado com a cobertura, e não o bandido, como mais tarde viria a se consumar.
Durante 100 horas em que durou o sequestro, Lindemberg acompanhou toda a cobertura pela TV. Viu o prédio, onde estava, cercado de câmeras e helicópteros e a multidão nos arredores, como se fosse uma celebridade. Segundo a advogada de Lindemberg, Ana Assad, a cobertura da mídia atrapalhou o caso e ela culpou a imprensa e a polícia pelo desfecho trágico, que teriam estressado e assustado o atirador, resultando na morte de Eloá. As críticas foram reiteradas durante o julgamento: “vocês publicam coisas que eu não falei”.
Analistas jurídicos apressaram-se a explicar que culpar a polícia e a imprensa era uma estratégia previsível por parte da defesa, como forma de amenizar a carga sobre o acusado e desviar um pouco o foco das acusações feitas pelos promotores e advogados. O júri, como de resto a cobertura, haviam se transformado também num teatro, onde os atores, tanto da defesa como da acusação, usam de todas as armas e estratégicas para embaralhar a cabeça dos jurados, leigos em direito, como de resto a maioria dos telespectadores e jornalistas.
Que houve precipitação e falta de habilidade da polícia, na ocasião do sequestro, negociadores e policiais experientes foram unânimes em apontar. A operação Tabajara da invasão do apartamento só não foi pior que a entrevista do comandante na ocasião, logo após o sequestro. Pressionado pela mídia, que já então transformara o sequestro num espetáculo televisivo, o comandante precisou corrigir na manhã seguinte várias impropriedades ditas na noite anterior.
Mas, descontados o jus sperneandi da advogada de defesa, que chegou ao disparate de discutir com a Juíza do caso, e dizer que ela deveria voltar a estudar, talvez o episódio sirva para a imprensa repensar e discutir seus métodos na cobertura de sequestros e crimes passionais. Qual a utilidade para a sociedade brasileira dar tanto espaço para esses psicopatas?
Não há consenso de que a divulgação pela mídia incentive assassinos potenciais, sequiosos de se transformarem em heróis justiceiros, com alguns minutos de glória na TV. O interesse das jornais, tevês e rádios é apenas comercial. Crime aumenta a audiência. Audiência aumenta faturamento. Certamente os telejornais acompanharam as descidas e subidas do Ibope, durante a cobertura do julgamento e seguraram o espaço dedicado ao crime até o limite.
Mas, se o país tem pretensões de se tornar uma grande potência, como apregoa todos os dias o atual governo e os futurólogos de plantão, talvez esteja na hora de a mídia brasileira repensar essa paranoia de dar espaço ao grotesco e ao sensacionalismo barato. Quem sabe tratar esses temas apenas como notícia policial, que merece ser divulgada dentro de padrões jornalísticos que não a transformem em novela.
Conviria avaliar se vale a pena preterir a cobertura de assuntos muito mais importantes para preencher o horário nobre da televisão com histórias trágicas de sequestradores e assassinos prolongadas à exaustão. Ajudado ou não pela televisão, Lindemberg teve os seus 15 minutos de fama. E deu no que deu. Se o padrão continuar sendo o da atual cobertura do famigerado Big Brother, devemos apenas torcer e rezar para que não apareça nos próximos meses nenhum outro sequestrador no horário nobre.