A greve dos policiais da Bahia, que emparedou o governo estadual nos últimos dez dias, traz várias lições para quem lida com gestão de crises. O episódio mostrou erros de todos os lados e expõe a fragilidade e o despreparo dos governos para administrar situações de risco.
Espanta nessa crise a confissão do próprio governador: “a estrutura da PM tinha uma avaliação que aqui não teria clima para fazer greve”. Um serviço reservado da PM deveria estar aparelhado e ser capaz de detectar movimentos suspeitos e ameaças ao governo e à população. Se ele não conseguiu detectar a possibilidade de uma greve, seguida de atos de vandalismo e invasões, dentro da própria corporação, há sérios riscos de que coisas piores estejam acontecendo em outras áreas sensíveis do estado.
Quando a greve começou, o governador da Bahia estava em Cuba, incensando a ditadura cubana. Enquanto isso, os grevistas se articularam para emparedar o governo. Jaques Wagner deve ter se inspirado no governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral. Nos dois últimos janeiros, quando os previstos temporais e deslizamentos de encostas mataram centenas de pessoas, no Rio, ele estava em Paris.
Parece que o Carnaval chegou antes na Bahia. Se não, com explicar o governador de um estado tão importante para a imagem do país no exterior, ficar refém de um grupo de arruaceiros, beirando a marginalidade, durante dez dias? O governo deveria ter tomado medidas duras para evitar a propagação do movimento nos primeiros dias, quando a tropa, sem comando, dos policiais esteve por trás de saques, incêndios a ônibus, tiros em prédios públicos e até foi conivente com assassinatos.
O governador ficou numa saia justa quando o líder do movimento grevista informou que, em 2001, Jaques Wagner, como deputado do PT, teria apoiado a greve dos policiais. Confrontado, se esquivou e negou. Negar o passado não é novidade para nossos políticos.
Janio de Freitas, colunista da Folha de S. Paulo, ao analisar a greve dos policiais baianos disse que “o governador não adotou medidas preventivas. Não cuidou de sustar a eclosão da greve, não preparou o deslocamento de contingentes policiais discordantes ao plano de greve, não articulou com os comandos militares para eventualidades previsíveis, e não se coordenou com o governo federal para o auxílio da Força Nacional. Se fez alguma coisa útil, e de seu dever, não sabe”. Janio não precisava dizer mais nada.
Na greve, os militares, liderados por um pseudo-sindicalista, com um passado para lá de complicado, se aproveitaram da insegurança e leniência do governo estadual e partiram para o confronto. Encapuzados e armados, PMs em greve atacaram ônibus municipais e isolaram a sede do governo estadual. Depois, ocuparam o prédio da Assembléia Legislativa do Estado, articulando operações de guerrilha para espalhar o medo pelas ruas de Salvador. 136 homicídios em oito dias, 238% a mais do que em 2011. Aterrorizaram não apenas a população e os turistas. Assustaram o próprio governo.
Ter uma liderança firme, decidida, com credibilidade, para resolver os impasses, é um dos principais mandamentos na gestão de crises. A falta de comando agrava e prolonga as crises. Faltou essa liderança dos dois lados do confronto na Bahia. Do governo, pela inoperância, atraso nas negociações e lentidão em tomar atitudes. Dos sindicalistas, pelo despreparo, radicalismo e irresponsabilidade.
O líder da greve dos policiais é Marco Prisco, oriundo do sindicalismo petista, soldado expulso dos bombeiros da Bahia, por indisciplina. Em 2001, ele tomou um quartel da corporação, onde trabalhava, com o apoio do PT, então oposição. Na época, o confronto era contra a oligarquia de Antonio Carlos Magalhães. O ex-bombeiro, sindicalista nas horas vagas e candidato derrotado a deputado estadual, com vocação de arruaceiro, já passou por vários partidos até aportar agora no PSDB. Uma vocação mais para aventureiro do que para bombeiro.
O governo da Bahia demorou para agir. Não assumiu o controle da crise. Pediu tropas quando o caos já estava instalado no estado e os arruaceiros tinham invadido um prédio público, desdenhando da segurança e do povo que lhes paga o salário. O governador posou de vítima, quando todo o Brasil percebe que a obrigação dos governos é negociar e evitar perturbação à ordem pública.
A lentidão do governo local parece ter contaminado também o Tribunal Superior do Trabalho-TST. Só na terça-feira, após o clamor da mídia, da população, dos turistas, o presidente do TST classificou a suposta greve como “motim”. “É inconcebível greve de um poder armado, que deixa toda a população desprotegida, desamparada e refém dos grevistas”, disse. E alertou que o possível alastramento desses “motins, revela a leniência das autoridades”.
Se a greve surpreendeu o serviço de inteligência do estado e o governador, o que foi feito nos primeiros dias? Nada. Apenas discursos, entrevistas e ameaças contidas. O movimento cresceu e se agravou. Ao perceber a fraqueza do governo para enfrentá-los, os grevistas se transformaram em turba ameaçadora, irresponsável, comprometendo a própria segurança da cidade e do estado. De positivo, o fato de o governador garantir que, nas negociações, não aceitaria anistia aos policiais que cometeram crimes. É o mínimo.
As entrevistas do pseudo-sindicalista, nos seus 15 minutos de fama nacional, foram uma afronta ao povo baiano e ao país. Como pode alguém, expulso da corporação e com mandado de prisão nas costas, ameaçar um governador? Certamente, o sindicalista está se cacifando para ser candidato a deputado estadual ou federal, o que lhe daria muito breve a imunidade parlamentar para se livrar da punição pelos delitos de que é acusado.
Qual o custo dessa trapalhada para o estado e para o país? Comerciantes calculavam em mais de R$ 200 milhões o prejuízo ao comércio e ao turismo da Bahia, nos primeiros cinco dias. E os gastos com o deslocamento de aproximadamente 3.100 soldados de tropas federais, para conter revolta de quem deveria estar protegendo a população?
Do lado dos sindicalistas, a aventura acenou com reivindicação de 40% de aumento salarial, reduzida para 19%, seis dias depois do início da greve. O estado aprovou 6,5%. Não há dúvida de que os salários dos policiais e bombeiros deve ser melhorado. É inconcebível um motorista do Senado ganhar duas vezes o valor do maior piso salarial de policial no país, no caso o do Distrito Federal.
Nesta quarta-feira, o líder do obscuro sindicato não resistiu a uma gravação, divulgada pela Rede Globo. O áudio expôs toda a desfaçatez e hipocrisia do grupo de militantes, instalados nos sindicatos e mancomunados com parlamentares em articulações criminosas e conchavos políticos. Anunciam o incêndio de carretas, na BR, como se estivessem combinando uma rodada de chopp. As transcrições das conversas deveriam ser divulgadas em todas as academias de polícia do país, para mostrar até que ponto chegam aventuras mal conduzidas..
O Brasil todo já sabe que a prática ali exposta de manipular greves, transformando operários em massa de manobra para promoções pessoais por parte dos sindicatos não é novidade. O que menos importa são os índices de aumento. Até porque o aumento reivindicado nessas paralisações políticas são economicamente absurdos e impraticáveis. Funcionam apenas como uma cenorinha para chamar o pessoal para as assembleias. E aprovar a greve.
O mau exemplo da Bahia estimulou outros sindicatos de policiais pelo Brasil e ameaçar governadores com paralisações semelhantes. O Rio de Janeiro, que já administrou muito mal uma crise semelhante em 2010, quando brigou com os bombeiros, já sabe onde lhe aperta o calo. Sergio Cabral colocou as barbas de molho. A sorte dele foi outro inconsequente sindicalista, responsável pelo confronto dos bombeiros em 2010, o Cabo Benevenuto Daciolo, ter sido pego numa gravação se metendo onde não devia. Preso, diminui as chances de comandar mais uma rebelião e se cacifar para ser candidato também.
Em resumo, o povo baiano festeiro e pacífico por natureza, não merecia um fevereiro tão trágico. O rescaldo desse episódio é uma mancha na imagem da Bahia. A Embaixada americana recomendou aos cidadãos dos EUA “adiar viagens não essenciais” àquele estado, devido à greve. A estimativa é que 10% das viagens de turismo para este mês tenham sido canceladas. Sem contar os prejuízos com furtos, saques e danos materiais a lojas e supermercados. Ou seja, nesse motim batizado de greve, todos saíram perdendo. Mas quem vai pagar a conta são os contribuintes e o povo baiano.
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