Artigo publicado neste domingo no The Observer, de Londres, mostra que muitos trabalhadores não têm nada a comemorar neste Dia do Trabalho. Principalmente em países emergentes, com alta demanda de mão-de-obra, por causa da explosão econômica, como a China. Por trás, a pressão de multinacionais de tecnologia, como Apple, HP, Intel, Dell e outras para atender à demanda mundial por seus produtos.
“A investigação sobre as condições dos trabalhadores chineses revelou o chocante custo humano de produzir os desejados iPhones e iPads da Apple, que agora estão onipresentes no ocidente”, diz o jornal. Esta não é a primeira vez que fornecedores da Apple são acusados de abuso sobre empregados e até trabalho infantil a empresa admitiu ter sido usado na fabricação de seus componentes.
Artigo de Gethin Chamberlain, publicado neste 1º de maio no The Observer, aborda pesquisa, realizada por duas ONGs internacionais, com denúncias preocupantes sobre excesso de horas extras e regras draconianas de trabalho, para atender à demanda ocidental pelos desejados gadgets, em duas grandes fábricas da Foxconn, no sul da China.
Como se não bastasse a carga de trabalho, as Ongs também descobriram um pacto "anti-suicídio" que os trabalhadores das duas fábricas foram obrigados a assinar, após uma série de mortes de operários, causadas por suicídio, no ano passado. Essa denúncia foi objeto de artigo neste site, em agosto de 2010.
Informa o The Observer, que “a investigação dá uma imagem detalhada de vida dos 500 mil trabalhadores nas fábricas de Shenzhen e Chengdu, de propriedade da Foxconn, que produz milhões de produtos da Apple a cada ano. O relatório acusa a Foxconn de tratar os trabalhadores de forma "desumana, como máquinas".
O Brasil precisa ficar de olho, porque a Foxconn credenciou-se, na última visita da presidente Dilma Roussef à China, a vir para o Brasil, prometendo investimentos de US$ 12 bilhões e contratações de 100 mil empregados, nos próximos anos, mas exige contrapartidas e incentivos fiscais. Até a Abinee considera exagerada a projeção de empregos da empresa. Fundada em 1974, a taiwanesa Foxconn está presente em 14 países e emprega 1,3 milhão de trabalhadores. A companhia atua desde 2005 no Brasil, onde já investiu US$ 700 milhões na construção de cinco fábricas, nas quais trabalham 4,3 mil pessoas.
Receita de trabalho escravo
Entre as alegações apresentadas pelos trabalhadores entrevistados pela ONG - Centro de Pesquisa sobre Corporações Multinacionais e Estudantes e Estudiosos contra mau comportamento das corporações (Sacom) – o jornal The Observer enumera as seguintes acusações:
- Excesso de horas extras é rotina, apesar do limite legal de 36 horas extras por mês. Uma folha de pagamento, examinada pelo The Observer, indicou que o trabalhador tinha realizado 98 horas de horas extras em um mês;
- Trabalhadores indicados para atender à enorme demanda para o Ipad 1 foram muitas vezes pressionados a tirar uma única folga em 13 dias;
- Em algumas fábricas os trabalhadores com baixo desempenho são constrangidos publicamente a humilhações, na frente dos colegas;
- Dormitórios lotados de trabalhadores estão sujeitos a regras estritas. Um trabalhador disse aos investigadores da Ong que ele foi forçado a assinar uma "carta de confissão" após ilicitamente ter usado um secador de cabelo. Na carta ele escreveu: "A culpa é minha. Eu nunca mais irei secar meu cabelo dentro do meu quarto. Eu fiz algo errado. Eu nunca mais farei isso de novo";
- Na esteira de uma onda de suicídios nas fábricas da Foxconn no verão passado, os trabalhadores foram convidados a assinar uma declaração prometendo que não mais se matariam e garantindo "preservar suas vidas".
Informa o jornal inglês que a Foxconn produziu o seu primeiro iPad em Chengdu, em novembro do ano passado, e espera produzir 100 milhões por ano até 2013. No ano passado a Apple vendeu mais de 15 milhões de iPads em todo o mundo e este ano já vendeu perto de cinco milhões.
Quando as acusações foram questionadas na Foxconn pelo The Observer, o gerente, Louis Woo, confirmou que os operários, por vezes, trabalharam mais do que o limite de horas extraordinárias obrigatórias, para atender à demanda dos consumidores ocidentais, mas alegou que todas as horas extras foram “voluntárias”.
Os trabalhadores alegam que, se eles rejeitarem as exigências excessivas para cumprirem horas extraordinárias, serão forçados a depender unicamente de seu salário base: trabalhadores em Chengdu recebem apenas 1.350 yuan (R$ 337) por mês para uma semana básica de 48 horas, equivalente a cerca de R$ 7,00 por hora.
Questionado sobre os suicídios que levaram à colocação de uma rede anti-suicídio colocada abaixo das janelas dos dormitórios dos trabalhadores, Woo disse: "Os suicídios não estavam ligados às más condições de trabalho. Houve um contágio por imitação. Se alguém comete suicídio, em seguida, outros se seguirão ". Parece uma explicação simplista para um problema que atinge geralmente empresas acusadas de exercer pressão sobre empregados. Em 2009, a France Télécom também foi acusada de, após um processo de participação privada no capital, ter pressionado os empregados com exigências descabidas, o que resultou num aumento preocupante de suicídios.
A Apple manifestou-se por meio de um comunicado: "A Apple está comprometida em assegurar os mais elevados padrões de responsabilidade social em toda a nossa base de suprimento. A Apple exige que os fornecedores se comprometam com o nosso código de fornecedor global de conduta, como condição para manter seus contratos conosco. Nós controlamos a execução desse código por meio de um programa de monitoramento rigoroso, incluindo auditorias de fábrica, planos de ação corretiva e medidas de verificação".
A acusação de trabalho escravo e exploração da mão de obra infantil não é nova para multinacionais americanas. Há alguns anos, o Wall Mart também foi acusado de exploração de mão-de-obra infantil na Ásia, e até hoje carrega esse passivo. No caso atual, a Apple não tem como se esquivar do contágio de sua imagem com acusações tão graves contra um fornecedor. O Brasil precisa ficar de olho vivo para impedir que empresas com essa folha corrida cheguem aqui, seduzindo trabalhadores brasileiros com promessas de emprego e benefícios, depois não cumpridos. Ou, pelo menos, que um contrato de trabalho decente, com fiscalização rigorosa, permita que ela trabalhe no padrão brasileiro de respeito às pessoas e às leis do país.
Foto: John Stillwell/PA