Three_mile_island_bomHá exatamente 32 anos, na madrugada de 28 de março de 1979, pela primeira vez o mundo esteve à beira de um ataque de nervos por causa de um acidente nuclear.

A usina Three Mile Island, localizada numa ilha, perto de Harrisburg, na Pensilvânia, sofreu séria avaria num de seus reatores, com uma ameaça real de derretimento da central nuclear. Foi o mais perigoso acidente da indústria, até então, e colocou em perigo uma população de 500 mil pessoas.

O acidente não provocou mortes, nem vazamento radioativo significativo para o meio ambiente. Mas em menos de quatro horas, os gerentes da usina viram-se dentro de uma crise de proporções nacionais que precisou da interferência do governo federal. Até porque, empregados e população local sem saber, estiveram sob sério risco de contaminação.

Passados 32 anos, Three Mile Island é lembrada hoje como um dos cases de crise mais mal administrados da história por uma empresa. Aconteceu numa época em que o mundo encarava a energia nuclear como uma séria ameaça. Ninguém imaginava um acidente nas proporções de Chernobyl, na antiga União Soviética, como aconteceu anos depois.

A comissão do governo americano que investigou TMI concluiu que a origem do acidente foi em função de erro humano, mas que os efeitos sobre o público externo foram mínimos. E por que esse quase-acidente se tornou exemplo de uma crise mal gerenciada?

O acidente

A crise de Three Mile Island começou na madrugada de 28 de junho. Uma válvula de resfriamento permaneceu aberta, quando deveria estar fechada. O operador da sala de comando desencadeou várias operações de segurança, sob a premissa, errada, de que a válvula estava fechada. Produziu-se, então, um encadeamento de reações físicas e químicas, que os operadores não compreenderam. Todas as providências para frear a reação do reator foram infrutíferas, uma vez que partiam do entendimento de que a válvula estaria fechada. O acidente decorreu, portanto, de uma sucessão de erros humanos.

Percebendo algo de anormal, os técnicos alertaram um vice-presidente da Metropolitan Edson , administradora da usina, e engenheiros que a construíram. A partir das 7h, a Met Ed avisou a secretaria de emergência da Pensylvania, a Comissão Reguladora de Energia Nuclear (NRC), o governador da Pensilvânia e vários outros órgãos sobre as condições da usina.

Impossível, portanto, o fato não se tornar público. Às 8h, um repórter de rádio soube, por meio da polícia, dos problemas na usina. Às 8h 52 a notícia foi divulgada pela rádio, em Harrisburg, capital do Estado. A partir daí, as ligações telefônicas congestionaram o escritório regional da NRC e a sede do órgão, em Washington.

Às 7h 24, o chefe da usina, Gary Miller, declarou estado de emergência geral. A leitura dos instrumentos indicava que a radiação atingira índices elevados e perigosos. Existia a possibilidade de “sérias consequências radiológicas à saúde e à segurança do público em geral”. As falhas de comunicação se sucedem. Essa declaração não foi passada à NRC, até as 7.40h. A imprensa também não ficou sabendo. A empresa, numa sucessão de entrevistas, nada informaria e criaria mais confusão na cabeça dos repórteres.

Erros na gestão da crise

A Met Ed cometeu, nesse episódio, o maior erro que uma empresa pode praticar numa crise grave. Omitiu e minimizou o risco de uma contaminação em empregados e na população. “Por displicência ou má-fé, a Met Ed repetiria o erro nos dias subsequentes – a empresa falhou em prestar aos funcionários do governo e ao público informações acuradas sobre os riscos à segurança pública”, segundo Lawrence Susskind e Patrick Field, autores de Em crise com a opinião pública, livro em que fazem uma longa análise do case.

Ou seja, o governo desconhecia a gravidade do caso e a população mal sabia o que estava acontecendo. Há 32 anos, não havia internet, redes sociais e os meios convencionais eram lentos para apurar e divulgar. “A confusão ocorrida nas primeiras horas pode ser atribuída a dados insuficientes, opiniões divergentes entre os membros da equipe da sala de controle, e à falta de objetividade na comunicação entre a empresa e o governo”, segundo os autores.

Somente às 10h a empresa publicou um comunicado evasivo, informando que “nada foi encontrado, e nada esperamos encontrar.” Às 11h, o governador, iludido, disse numa entrevista coletiva: “Tudo está sob controle. Não há perigo algum à segurança ou à saúde do público”. Nada estava sob controle e havia perigo.

Ao meio dia, em outro comunicado, a empresa continuou minimizando a crise. “Não houve qualquer registro de níveis alarmantes da radiação e nada se espera detectar fora da usina”. Outra enganação. A 1h15 da tarde, um vice-presidente convocou coletiva e, mesmo assim, omitiu diversos indicadores sobre o perigo que o acidente representava para a população. Naquele ponto, quase 15 horas após o início do incidente, nem o governo sabia direito o que estava acontecendo.

Assim, a empresa foi perdendo credibilidade. Depois de mais evasivas dos diretores com as autoridades federais e estaduais, o governo perdeu definitivamente a confiança na empresa. Esta ainda tentou se justificar em outra coletiva, mas o governo não a acompanhou. Somente à noite, as televisões abordaram o assunto. A população começou a entender que a história não havia sido bem contada e que a empresa estava escondendo a verdade.

Repercutiu bastante um editorial publicado pelo New York Times, no dia 30 de março: “O derretimento da credibilidade”. Ele “acusava a indústria nuclear de minimizar os riscos da energia atômica e responsabilizava os agentes do incidente com a usina – indústria, órgãos governamentais e políticos – por comprometerem a própria reputação pela “profusão de declarações e explicações contraditórias”.

Comando da crise

Os erros da empresa foram num crescendo. Cada vez que ela vinha a público, a situação piorava. Em 31 de março, o governo retira a Met Ed do comando da crise. Uma das grandes falhas na gestão de crises é exatamente a falta de comando ou uma gerência confusa. Assume o controle e a gestão da crise Harold Denton, diretor da NRC. A partir daí, as informações fluíram como deveriam ter acontecido desde o início. Apesar de a empresa continuar insistindo que o pior já tinha passado, o novo gerente da crise assegurou o contrário, ao dizer “a crise não vai acabar até que o núcleo esteja completamente desativado”.

A imprensa aceitou muito bem a indicação de Denton como porta-voz da crise e não acreditou mais na empresa. A visita do presidente Carter à usina, no quinto dia, serviu como uma ducha para acalmar a população: “Nossas preocupações prioritárias são a saúde e a segurança de todas as pessoas desta região...”, disse. O presidente provavelmente conhecia um dos pontos principais numa crise dessa gravidade. Primeiro as pessoas, depois o meio ambiente, as instalações.

O acidente provocou mais estrago na credibilidade dos dirigentes da usina do que no meio ambiente e nas pessoas. A indústria nuclear, que já era contestada, começou a ser patrulhada, porque o acidente mostrou a possibilidade de uma falha, muitas vezes negada pelos defensores das usinas. A década de 70 foi marcada por muita preocupação com a segurança da energia nuclear. O episódio em TMI aconteceu duas semanas antes do lançamento do filme Síndrome da China, com Jane Fonda, com um acidente similar numa usina fictícia. Tudo isso serviu para envenenar ainda mais a opinião pública contra as usinas nucleares.

Fukushima hoje

TMI foi o primeiro acidente nuclear mais sério no mundo, depois do desenvolvimento das centrais nucleares. Talvez, por isso, os executivos e autoridades estivessem tão despreparados para enfrentá-lo. Em Fukushima, no Japão, as avarias nos reatores fizeram lembrar a crise da Three Mile Island. Autoridades japonesas elevaram de 4 para 5 o nível de crise nuclear, em uma escala que vai até a 7. O nível atual da crise é o mesmo do acidente em Three Mile Island. A reclassificação ocorre em um momento no qual o Japão pede a ajuda dos EUA e admite que sua resposta à crise foi lenta por conta da necessidade de dar atenção à tragédia humana do terremoto seguido de tsunami, que deixou milhares de mortos e desaparecidos.

Nos primeiros momentos, a exemplo do que ocorreu na Pensilvânia, há 32 anos, o povo japonês não acreditou muito nas afirmações dos técnicos. Cientistas americanos ainda colocaram lenha na fogueira, ao recomendar uma zona de segurança de 80 km e não 30 km como os japoneses determinaram. De qualquer modo, por enquanto não há críticas mais veementes à maneira como os japoneses estão conduzindo essa crise.

Entretanto, nas situações que envolvem alto risco à vida humana, as organizações, por mais preparadas que estejam, correm o risco de cometer erros e equívocos na forma como gerenciar a crise. Há uma tendência perigosa de esconder, de minimizar. Mesmo no Japão isso ocorreu.

Cabe, como uma luva, a declaração de Harold Denton, após a acidente de Three Mile Island, em 1979, num encontro da Agência de Energia Nuclear: “Eu acredito que nós frequentemente subestimamos a capacidade do público em compreender dada situação e, por isso, deliberadamente ou não, sonegamos informações, porque tememos a cultura da crise, quando não há nada a temer. Essa é exatamente a abordagem errada ao lidar com o público. Se nós queremos a confiança do público, temos de confiar nele”. (JJF)

Foto:George D. Lepp/Corbis

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