Esta semana, em meio às notícias sobre a calamidade que se abateu sobre o estado do Rio de Janeiro, a imprensa repercutiu relatório da Controladoria Geral da União que aponta desvios de R$ 500 milhões na Funasa-Fundação Nacional de Saúde. Também se denuncia que ex-governadores, alguns com apenas quatro anos de mandato, aproveitam-se de gordas aposentadorias de até R$ 24 mil, aprovadas por leis estaduais que afrontam a Constituição.
No início do ano, ficamos sabendo que o Ministro da Defesa ofereceu, sem consultar o contribuinte brasileiro, instalações do Exército para o ex-presidente Lula e sua família passarem as férias. Para dar conforto à família Silva, até secador de cabelo foi comprado com nosso dinheirinho.
Mas para isso existem os órgãos fiscalizadores, como CGU, TCU, MPU. Só tem um porém. O próprio Tribunal de Contas da União também submergiu, envolvido em denúncia pelo uso de verba de passagens para viagens aos locais de origem das suas excelências. Ou seja, sob a alegação de “compromissos de ordem institucional”, ministros e outros membros do TCU, em 68% dos casos, fizeram dezenas de viagens nos fins de semana, onde ficaram até cinco dias. A preferência foi para a terra dos próprios familiares. O TCU justifica como necessidade de participação em eventos. Quem vigia, pois, os desvios de conduta dos servidores públicos?
Infelizmente esse é um costume que vem das Capitanias hereditárias. Nasce no Brasil Colônia, sobreviveu ao Império e desaguou na República. E não existem oásis nesse deserto de ética. Varre, como um tsunami, tanto órgãos públicos de Brasília, quanto governos estaduais ou municipais. Há, entretanto, uma luz no fim do túnel. A presidente Dilma Roussef teria enquadrado os ministros e outros técnicos que gostam de viajar nas quintas-feiras para fingir que trabalham nos estados de origem, sinalizando que sexta-feira quer todo o mundo em Brasília. Além disso, limitou o uso de aviões da FAB por ministros e familiares, uma mordomia pouco conhecida dos brasileiros.
Aviões da FAB ficam à disposição de ministros para viagens nem sempre de trabalho. Nessas viagens, certamente muitos caroneiros aproveitam para passar o fim de semana com a família, com o dinheiro do contribuinte. Enquanto isso, a nova classe média ascendente engorda o bolso das empresas aéreas, pagando passagens em pesadas prestações mensais. E a maioria dos brasileiros continua viajando de ônibus por estradas perigosas, para poder visitar parentes, passear ou trabalhar.
Contam-se nos dedos os servidores públicos – seja o bagrinho quanto o ministro, presidente, ex-presidentes, ex-governadores - com escrúpulos de recusar o uso de verba pública para negócios ou interesses privados. Isso vai desde o jatinho da FAB e dos carros oficiais ao lápis e canetas fornecidos para o expediente diário das repartições públicas. Lápis? Canetas? O que isso tem a ver com desvios?
O folclore de escândalos de Brasília não tem limites. Nos meses de fevereiro e março, o consumo de lápis, canetas, borrachas, réguas e outros materiais escolares teria um aumento escandaloso no Planalto Central. E não é porque a produtividade ou a dedicação dos empregados aumenta, após o Carnaval. Adivinhem por quê? Os sociólogos e psicólogos deveriam se debruçar sobre o por que de pessoas até então honestas, de repente começarem a escorregar, a ponto de se envolverem em desvios na conta de milhões, como agora denuncia a CGU, em relação à Funasa.
Os estudiosos do comportamento saberiam dizer o momento em que alguém criado com princípios, sabendo o que é ético ou não, começa a levar lápis, canetas, cartuchos de impressora e até papel para suprir o próprio consumo? Há um momento na vida da pessoa em que os limites da ética são quebrados. Uma vez trincados, fica difícil corrigir. Pode acontecer até em casa. Quando a criança surrupia o brinquedo ou material escolar do coleguinha. E os pais não tomam providências, como se isso fosse normal. Ou esse escorregão acontece mais adiante?
Do lápis para o uso irregular do carro oficial é um pulo. Principalmente para os novos ricos, que chegam a Brasília ou nos governos estaduais e municipais, deslumbrados com as mordomias, a paparicação. Apenas porque agora eles têm a chave do cofre. Chegam os convites, os agrados, os presentes, acima da cota estipulada pelo código de ética do servidor público, e eles não recusam. Para o avião da FAB e as famosas “taxas de sucesso” não demora muito. E enfim, eles entram para o rol daqueles que corroem os recursos públicos, como cupins. Como se fosse natural.
Só assim podemos entender, por que não sobram recursos que poderiam, pelo menos em parte, ter evitado a maior tragédia natural brasileira que agora acontece no Rio de Janeiro. Além da falta de planejamento, de ordenamento jurídico de prefeituras e governos estaduais para ocupação racional do solo, da liberalidade com que qualquer um constrói palafitas, casas sem estrutura adequada ou sítios e mansões em zonas de risco, os desvios brasileiros não são apenas das águas, que correram fora do curso e mataram.
São liberalidades dos, equivocadamente, chamados homens públicos, que não têm pruridos em aceitar convites para férias em instalações públicas, aposentadorias prematuras, viagens privadas, todas com dinheiro do contribuinte. Ou seja, não têm escrúpulos de usar os cofres do Tesouro como se essa verba não tivesse dono. Talvez aí esteja uma das explicações para a nossa crise permanente de ética, mas também para nossa crise institucional, que tem um discurso e ares de primeiro mundo, mas, no fundo, costumes, ainda, de países atrasados.