butantanCrise para todos os gostos. Vários acontecimentos nos últimos dias mostram como as instituições falham em acontecimentos geradores de crises. São erros de gestão, desrespeito ao consumidor e até crimes contra inocentes. Em todos os casos, as organizações se descuidaram dos sinais ou riscos iminentes ou de ações preventivas, que poderiam ter evitado ou pelo menos amenizado as crises. Falhas de administração que geraram prejuízos financeiros e de imagem.

Vazamento no Golfo do México

Desde 20 de abril, a crise da British Petroleum, decorrente da explosão e consequente vazamento de petróleo no Golfo do México, só piora. Começou com evasivas, desinformação e, como costuma acontecer nas crises, com tentativas de minimizar o problema. Alguns dias depois, a BP teve que admitir que o problema era pior do que havia anunciado.

Depois de um mês tentando consertar o vazamento, que estaria liberando cerca de 100 mil litros de petróleo por dia, e mais de US$ 300 milhões de gastos, com um exército de milhares de trabalhadores tentando conter o estrago, a BP foi pressionada pelo governo americano a encontrar soluções. A crise foi agravada nesta semana pela informação de especialistas de que a quantidade de petróleo que vaza no Golfo do México poderia ser 14 vezes maior que as estimativas iniciais.

O presidente dos EUA criticou duramente as petrolíferas e agências reguladoras do setor, classificando o depoimento das empresas envolvidas no vazamento como um “espetáculo ridículo” e prometeu pôr fim à “cômoda relação” entre as companhias de petróleo e os organismos oficiais reguladores. A constatação dos cientistas de que a mancha submarina de petróleo pode ter uma extensão bem maior agrava a crise da BP e das duas outras empresas envolvidas na tragédia. Coloca também em alerta todas as grandes empresas de petróleo no mundo sobre a dificuldade de encontrar tecnologias capazes de detectar e, mais importante, evitar vazamentos como esse.

Incêndio anunciado

O incêndio ocorrido no Instituto Butantan, em S. Paulo, em 15 de maio, é a crônica da crise anunciada. Em poucas horas, virou cinza o acervo de milhares de exemplares de cobras e outros insetos, além de arquivos de pesquisas realizadas desde a fundação do Instituto, em 1902. Sumiu com o incêndio toda a história de um acervo único no mundo.

Seria culpa do imponderável? Um acidente fortuito, que colheu de surpresa os cientistas e administradores do Instituto? Uma fatalidade? Não. É o tipo de tragédia que poderia ser evitada com uma boa administração. Passado o rescaldo do incêndio, fica-se sabendo que havia gambiarras no prédio do Instituto, com fios espalhados e expostos à umidade. O sistema de prevenção de incêndio, portanto, era precário.

E mais: além do jogo de empurra entre os diretores do Instituto, quando à responsabilidade e à falta de verba para a prevenção de incêndios, a Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo informou que entre 2007 e 2008 repassou R$ 1 milhão para reforço da infraestrutura. Ou seja, para melhorar a segurança. Segundo a Fapesp, nenhuma fração dos recursos foi empregada em sistemas de prevenção de incêndio no Butantan.

Divergências administrativas quanto às prioridades do Instituto também aparecem no jogo de empurra pela culpa das mazelas do prédio e do acervo. Agora, não adianta chorar, lamentar. Faltou administração, fiscalização. No fim de semana, não havia sequer vigias no prédio, que pudessem dar o alarme quando o fogo começou. Se as instalações eram mal conservadas e expostas a problemas elétricos, uma tragédia era iminente, como aconteceu.

Segundo Jonathan Bernstein, especialista americano em gestão de crises, em seus quase 30 anos de consultoria de crise, podemos assegurar que 95% das crises podem ser previstas, ou seja, dão sinais de que vão acontecer. O que houve no Instituto Butantan foi exatamente isso. Erros administrativos desde a década de 80 levaram à degradação do prédio e ao descuido com o acervo. Uma tragédia anunciada, que poderia ser evitada. Perde o Brasil, perdem os pesquisadores, mais uma vez pela inépcia administrativa.

Nestlé tenta tapar o sol com anúncio

A Nestlé, uma das grandes multinacionais de alimentos do mundo, se fez de desentendida quando foi questionada e denunciada por consumidores que estariam induzidos a entender que a bebida Alpino Fast conteria chocolate Alpino.  O Alpino Fast tem o mesmo nome e cor do famoso chocolate, produto de sucesso da Nestlé. Mas segundo consta no rótulo, não é feito com o bombom Alpino.

A empresa chegou a publicar um anúncio, informando que o Alpino Fast tinha sabor similar ao do chocolate. Mas no dia seguinte teve que admitir que a bebida continha a mesma “massa” do Alpino. O que é bem diferente. A própria Nestlé admitiu, como forma de consertar o problema, que o aviso na embalagem do produto “Este produto não contém chocolate Alpino” confundiria os consumidores.

Se a Nestlé quis tirar vantagem da marca Alpino, associando-a ao famoso chocolate, agora se deu mal. Além de se retratar, na semana passada a Anvisa proibiu o anúncio do Alpino que não tem Alpino. A Anvisa atendeu uma solicitação do Ministério Público da Paraíba. O MP foi alertado pelo blog “Coma com os olhos”, que desde fevereiro havia denunciado ao mercado a enganação. Resultado, depois do MP da Paraíba, MP do RJ, Ministério da Justiça, Conar e Procon do Rio de Janeiro e S. Paulo também entraram no caso.

A empresa, experiente como é nesse tipo de negócio, poderia ter evitado tudo isso com uma relação transparente com o consumidor. Além disso, é bom as empresas ficarem atentas às redes sociais. O consumidor está ligado e, se as organizações vacilarem, são surpreendidas por denúncias feitas em blogs ou redes de relacionamento, que acabam desencadeando crises de imagem.

Os consumidores hoje constituem uma força poderosa no desencadeamento de crises nas empresas. Organizações que não respeitam direitos dos consumidores ou mantém uma relação pouco transparente, confusa para explicar produtos ou solucionar reclamações dos clientes podem se envolver em crises. Vivemos hoje o primado do consumidor. Mais forte no exterior, incipiente ainda no Brasil, mas aos poucos aqui também o consumidor vai descobrindo sua força.

A violência recorrente da polícia de S. Paulo

Dois crimes contra motoboys ocorridos nas últimas semanas em S. Paulo arranhou a imagem da polícia paulista, que já não é das melhores. Os crimes, pela barbárie e pela tentativa de encobrimento, expõem uma face perversa e dissimulada de policiais que patrulham as ruas e não hesitam em cometer crimes e acobertá-los. Nos dois casos, os policiais extrapolaram seus papéis, usaram de violência gratuita e tentaram mascarar os crimes. Não se importaram com testemunhas.

No primeiro caso, ocorrido em 9 de abril, os policiais prenderam o motoboy Eduardo Pinheiro dos Santos, 30 anos, junto com amigos. Depois de o prender sem acusação, agrediram o motoboy com muita violência, conforme testemunha dos amigos, que foram liberados após irem à delegacia. Eles asseguram que quando saíram o motoboy estava apanhando e pedindo socorrop. O corpo da vítima apareceu numa rua de S. Paulo e foi recolhido por outra patrulha da polícia. Foi fácil chegar aos agressores, apesar das ameaças aos jovens que foram soltos.

Na semana passada, os policiais agrediram até a morte o motoboy Alexandre Menezes dos Santos, de 25 anos, na frente da sua mãe. Ela implorou para que parassem de agredi-lo e enforcá-lo. Eles o interpelaram porque o jovem estava com uma moto sem placa, que havia acabado de comprar.  Ele teria ignorado o alerta e seguiu para sua residência, onde foi encontrado e agredido.

Nos dois casos, os policiais foram identificados, presos e autuados por homicídio culposo.  O fato de terem sido identificados, por sorte, e indiciados não ameniza nem absolve a ação truculenta da polícia de São Paulo, nem o Governo de São Paulo, que, afinal, tem obrigação de fiscalizar a atuação da sua área de segurança. Chega a surpreender a declaração do porta-voz da Polícia Militar, capitão Marcelo Soffner, de que com base no relato dos policiais, “houve o entendimento da autoridade militar responsável pelo indiciamento de que os PMs não queriam provocar a morte de Alexandre Menezes dos Santos, de 25 anos. Pior que a crise, é a versão.

Dados da própria Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo revelam que a Polícia Militar do Estado matou 40% mais pessoas em ocorrências registradas como confrontos no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Entre janeiro e março de 2010 foram 146 mortes, contra 104 mortes no mesmo período de 2009.

Ou seja, a polícia, paga para proteger o cidadão, atua ao arrepio da lei, faz justiça ou injustiça com as próprias mãos, se precipita, agride e mata. Esse é o tipo de crise que só pode ser resolvido com medidas duras. Não adiantam entrevistas do Secretário de Segurança com explicações de que os policiais foram presos e serão entregues à Justiça. Trata-se de um crime recorrente e é muito difícil explicar com estatística ou pelo velho discurso de que numa tropa de milhares de homens sempre haverá maçãs podres. Assim como médicos, que são pagos para salvar e, ao matar, devem ser punidos e banidos pelo CRM, policiais são pagos para proteger. A área de segurança de S. Paulo passa por uma crise grave de imagem e de administração. Já passou da hora de enfrentá-la.

Foto: Instituto Butantan-Laboratório de répteis-Nelson Antonie/Foto Arena/AE

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