Dassault_caca_francesO governo federal tem uma incrível capacidade de produzir crises. Não precisa nem da oposição, da imprensa, de inimigos políticos ou da natureza. Ele mesmo se enreda nos próprios imbróglios. Como agora, em dois episódios que prometem alimentar os debates, assim que o Congresso voltar do recesso.

No fim do ano, a divulgação do Programa Nacional dos Direitos Humanos, coordenado pela Secretaria do mesmo nome, gerou uma crise com os militares. A reação negativa teria levado o Ministro da Defesa e os comandantes militares a pedirem demissão. Lula contornou o presente de grego que lhe deram no Natal, empurrando a solução do problema para o início deste ano.

Os militares não gostaram de uma das propostas do Programa, elaborado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Os militares discordam da abrangência da ação da futura Comissão Nacional da Verdade, a ser criada em projeto do governo a ser enviado ao Congresso. Os militares interpretaram o texto do programa como uma forma de alterar a Lei de Anistia, imputando responsabilidades exclusivamente ao setor militar.  Se for pra mexer, eles querem incluir todos os envolvidos nos “conflitos políticos” daquela época. São contra “reparações” que a Lei da Anistia teria “esquecido”.

Pelas reações, o texto teria sido feito e divulgado sem acerto com o presidente – difícil de acreditar -  e, muito menos, com as áreas militares. Nesse particular, as divergências entre a SEDH e setores mais conservadores do governo sempre se acentuaram. Não é a primeira vez que, durante o atual governo, os militares reagem ao que eles chamam de “provocações” da área mais à esquerda. Apesar da SEDH informar o contrário, o que parece ter faltado no episódio é um debate mais amplo sobre tema sensível como esse, antes de o assunto se transformar num prato indigesto para Lula.

Sempre que governos civis ameaçaram investigar o passado, abrir arquivos, descobrir desaparecidos políticos ou buscar reparação a torturas há uma reação militar, mesmo por quem não tinha posto de comando naquela época. É o corporativismo que transcende as três forças. A exemplo do que aconteceu em outros países, há também uma pressão da sociedade para que os abusos do passado, o desrespeito aos direitos humanos e o atropelo à Constituição não se repitam. Mas como reconhecem colunistas que analisam a atual crise, o governo tem extrema dificuldade de lidar com esse tema.

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O ninho de cobras a que o governo deu o nome de Programa Nacional de Direitos Humanos, decretado por Lula em meio às festas de fim de ano, é um dos atos de governo mais tresloucados do pós-ditadura, senão o mais. (Jânio de Freitas, FSP, 10/01/10).
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A forma como o assunto veio a público, embutida num projeto de lei, é desconfortável para o governo e constrangedora para os próprios militares, o que acaba por criar uma crise, pois a pressão dos dois lados se acentua. O presidente da República fica com o abacaxi para descascar. Como sempre, não quer desagradar os militares e nem contrariar os companheiros.

Imprensa também entra no pacote

Mas os meandros do Programa Nacional dos Direitos Humanos tem outros cavacos que irão dar mais dor-de-cabeça ao governo. O esboço do decreto também prevê um marco regulatório para a comunicação no Brasil. O projeto pretende condicionar a concessão e renovação de outorgas dos serviços de radiodifusão.
Além disso, há previsão de penalidades como multas, suspensão da programação e cassação para empresas de comunicação que o governo considerar que violam os direitos humanos, e a criação de uma comissão para monitorar o conteúdo editorial das empresas de comunicação. É um catatal de 73 páginas com 27 novas leis, que passa por interesses da Igreja, dos ruralistas, homossexuais e comunicação.  A relacionada à comunicação está na diretriz 22.

Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas, diz o texto.

A proposta, mesmo sem um debate cuidadoso da sociedade, dos interessados, jornalistas, veículos de comunicação, por descabida, começa a merecer o repúdio de toda a sociedade. Principalmente de todos os setores que se preocupam com a liberdade de expressão. Ou seja, mesmo quem não leu, mas ouviu falar, é contra.

Coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o plano recebeu contribuições de 17 ministérios, faltando dez se pronunciarem. O da Agricultura e as lideranças dos ruralistas manifestaram-se contra. A Igreja também questiona pontos controversos do projeto. A SEDH teria divulgado uma Nota à imprensa, não disponível em seu site,  informando que o programa foi discutido em conferências em todo o país. Mesmo assim, as mudanças na legislação ainda terão que ser submetidas ao Congresso Nacional. Aí, num ano de eleição, o bicho vai pegar. Ou seja, pelo andar da carruagem, essa crise não vai acabar tão cedo.   

Vazamento do parecer da FAB cria imbróglio político

Na primeira semana do ano, outra crise. A divulgação pela Folha de S. Paulo do parecer da Força Aérea Brasileira sobre a compra dos caças, que deu preferência ao modelo sueco, abriu outra brecha para questionamentos da oposição e divergências internas no próprio governo. Como se sabe, em setembro o presidente da República havia adiantado que as negociações para compra do Dassault francês estavam adiantadas, praticamente anunciando para Sarkozy que o Brasil optaria pelo modelo francês. Um negócio de R$ 10 bilhões.

Pois o modelo francês ficou em terceiro lugar nos estudos técnicos da FAB. Perdeu para o Saab Gripen, da Suécia, e para o Boeing F/A-18, dos EUA. E agora? Claro que Lula e a equipe que defende o caça francês não devem ter gostado do vazamento da informação, de forma tão escancarada. Esse é o tipo de vazamento conveniente para a área técnica. Cria um tremendo problema para o governo, que terá que explicar à sociedade por que está optando por um modelo mais caro, que não foi recomendado nem por quem vai usá-lo.

A decisão é política, apressou-se a dizer o ministro das relações exteriores e outros membros do governo. Se é política, por que tanta discussão técnica em torno do assunto. Já estaria decidido, desde setembro, e agora Lula não quer voltar atrás?

Ou seja, não vai ser fácil este ano eleitoral para o presidente. De cara, terá que enfrentar o mau-humor dos militares e as pressões de setores fortes da sociedade, como  imprensa, ruralistas e Igreja. Para variar, dois problemas envolvem área sensível, como a militar. Como justificar a compra de um avião que até agora não ganhou nenhuma licitação, é mais caro e ficou em terceiro lugar no estudo da FAB?  Como se não bastasse, conseguiu num só pacote desagradar três forças com as quais nenhum governo quer brigar: imprensa, militares e Igreja.

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