“Os Kennedy são uma família americana única e espantosa por muitas razões – riqueza, inteligência, grande ambição justaposta com escândalos, uma tradição no serviço público, boa aparência e sucessão de tragédias – mas o que os distingue de outras memoráveis famílias, o que os faz lembrados, são as palavras. Por toda a significância que atribuímos às imagens, o poder real reside nas palavras”. Assim se manifestou Julia Keller, em artigo publicado no Los Angeles Times, a propósito da morte do último grande representante do clã Kennedy. Com a morte de Ted, segundo Keller, o capítulo literário dos Kennedy na história também termina.
Os Kennedy foram um fenômeno literário e retórico tanto quanto político, como bem definiu Obama, ao se referir ao fim do “capítulo”. Embora tenham se projetado junto com a evolução dos meios de massa, principalmente a TV, segundo Keller, “a narrativa essencial desta singular família americana tem seu caminho feito até nós em forma de literatura”.
Não esquecer que a “era Kennedy”, assim chamada após a projeção de John F. Kennedy nas eleições presidenciais de 1960, começa exatamente pelo brilho do candidato bonito, carismático e inteligente na TV. Guardadas as proporções, a ascensão de Kennedy naquela época, atropelando os conservadores republicanos e até a maioria religiosa dos EUA, por se tratar de um católico, se assemelha bastante à revolução de Obama na recente eleição. Era o candidato adequado para o novo tempo que a mídia de massa representava, como Obama foi para a era da Internet, do Twitter e do Blackberry. A meteórica passagem pela presidência e o epílogo trágico do assassinato consagraram o mito do homem e da família.
Julia, crítica cultural do Chicago Tribune, diz que John Kennedy, é bom lembrar, era escritor também. Ganhou o disputado prêmio Pulitzer, com a publicação, em 1955, de Profiles in Courage. Robert Kennedy também foi autor de livros. Todos foram grandes oradores. Algumas frases são famosas, como a que John Kennedy pronunciou na presidência e se tornou uma marca do seu carisma e brilho político. “Não pergunte o que este país pode fazer por você, mas o que você pode fazer por este país”.
Para Julia Keller, os Kennedy souberam entender a gravidade e significância de palavras bem escolhidas. Como uma clã, eles eram muitas vezes acusados de incorporar mais estilo do que substância, mas era a substância da literatura – a habilidade de uma frase que ia direto ao coração ou um momento histórico no tempo, marcado pelas palavras perfeitas. Foi assim, segundo Keller, que eles foram construindo sua marca no mundo.
A autora lembra a frase de Edward Kennedy, no funeral do irmão Robert, assassinado em 1968, Meu irmão não precisa ser idealizado, ou enaltecido na morte além do que ele foi na vida; ser lembrado simplesmente como um homem bom e decente, que viu o erro e tentou corrigi-lo, viu o sofrimento e tentou curá-lo, viu a guerra e tentou pará-la. Ou no funeral de seu sobrinho, John F. Kennedy Jr., morto em 1999: Nós ousamos pensar, como naquele provérbio irlandês, que este John Kennedy iria viver para pentear cabelos brancos... Mas como seu pai, ele tinha todos os dons, menos o de muitos anos de vida. Para proferir tais palavras, tem-se que entender o quanto as palavras têm importância, conclui Keller.
A legenda dos Kennedy, marcada sempre por grandes tragédias, além de incorporar toda essa elegância no falar e no escrever, gerou milhares de livros, artigos, filmes e documentários no mundo, nos últimos 60 anos. Eles souberam sempre tirar proveito da mídia e esta, em contrapartida, por saber que celebridades, tragédias, beleza e glamour vendem, também soube a seu tempo manter os Kennedy em evidência. É este capítulo, a que se referiu Obama, que acabou na última terça-feira.