O jogador Ronaldo (ex-fenômeno) caiu numa esparrela em noite de divertimento no Rio de Janeiro. Denunciado por um travesti por não ter pago suposto programa em um motel, ele foi parar na Delegacia de Polícia garantindo ter sido foi alvo de extorsão. Segundo Ronaldo, o travesti queria R$ 50 mil para não denunciá-lo e ainda o acusou de ter solicitado droga. Pelo menos essa é uma das versões.
A cantora inglesa Amy Winehouse, vencedora do Grammy 2008, sucesso de público e de crítica, foi presa em Londres e levada para uma Delegacia na semana passada. Ela teria se envolvido em briga (mais uma) num pub londrino, no famoso bairro Camden Town, reduto de punks e artistas. Não satisfeita, ainda agrediu dois homens. Quem a conhece sabe que é pequena e frágil, nada que lembre alguém com estrutura suficiente para encarar dois marmanjos. Isso ocorre na mesma semana em que a mídia anuncia que ela faturou 10 milhões de libras, uma das maiores rendas do ano entre jovens artistas. Resultado: manchete nos principais jornais do mundo. Aliás, uma constante na vida dessa controvertida cantora, que se especializou em arrumar confusões.
Esses episódios são emblemáticos para uma reflexão sobre os limites de comportamento de personalidades públicas – governantes, políticos, artistas ou jogadores famosos- para agirem como pessoas comuns, quando se envolvem em imbróglios particulares. Como evitar que o assunto vá parar na mídia. O professor Luís Martins, da UnB, ouvindo essa história do Ronaldo, recorda observação interessante de um intelectual português: o muro que separa o lado privado e público de uma personalidade vai abaixando, na medida em que mais essa pessoa se torna importante. Ou na medida em que o perfil público vai crescendo. Isto é, quanto mais público se torna alguém, menor a parede que separa a vida privada e pública. A ponto de quase se confundirem.
Já se ouviu muitas vezes que pessoas públicas, como a ex-Princesa Diana, Pelé, Madona, Bill Clinton, Michael Jackson e tantos outros não conseguem ter uma trégua de jornalistas e paparazzi. A ponto de, no caso da Princesa, os fotógrafos terem sido acusados no processo que apurou a morte dela e do namorado. Não é um fenômeno do século XXI. Sempre ocorreu. A correria de repórteres e fotógrafos perseguiu anos atrás Elvis Presley, Marilyn Monroe, Jacqueline Kennedy Onassis, Carmem Miranda e tantos outros.
É assim mesmo. Não há como fugir dessa realidade. Buscar o anonimato, quando a pessoa se tornou famosa talvez seja apenas um sonho. Ou anda na linha, bem comportado. Ou qualquer deslize vai parar nos tablóides ou revistas de fofocas e acaba despertando o interesse coletivo. Existe uma curiosidade quase mórbida pelos bastidores da vida dos famosos. Como existe audiência, a mídia não dá descanso.
Até aí tudo bem. Mas como pessoas famosas devem agir nesses casos. Depende de como eles querem administrar a própria reputação. Não é raro artistas de renome terem contratos suspensos por conta de escândalos publicados pela mídia. Qualquer episódio negativo, acaba arranhando a imagem. Interessa apenas saber se isto irá prejudicar ou não a carreira do personagem.
A cantora inglesa, por exemplo, não obteve visto de entrada nos Estados Unidos para receber o Grammy em fevereiro último, por causa do envolvimento em escândalos relativos ao uso de droga. Isso não impediu que continue popular na Europa e nem afetou o faturamento, como se viu. Existe um público fiel que não se importa quando o artista ou jogador é rebelde e desafia as regras ditas civilizadas da sociedade. Alguns até se encantam com essa face confrontadora dos cânones sociais. Acaba fazendo tipo.
A queixa desses personagens, tanto o político, quanto o artista, contra a imprensa não tem sentido. O comportamento da imprensa em relação à vida de autoridades ou personagens públicos é natural. Piora quando implica uso abusivo do dinheiro público. No caso dos artistas, a quebra de convenções parece fazer parte da história e da rotina de alguns. Acaba se transformando num marketing às avessas. O personagem se torna conhecido mais pelas extravagâncias, como no caso da cantora Amy Winehouse, do que pela qualidade das músicas. Com atletas isso não funciona tão certinho. As escapulidas muitas vezes custam caro e, não raro, a própria carreira de bons atletas. Quem não conhece a história de Garrincha? João do Pulo? Myke Tyson?
Quem torna-se personalidade pública deve saber que o limite entre a vida privada e pública é cada vez mais tênue e precisa manter comportamento adequado ao cargo e à posição na sociedade, até porque atletas, por exemplo, acabam se tornando modelos para muitos jovens.
A propósito do governador do Ceará, que se enrolou ao ignorar a diferença entre público e privado, convém reproduzir o que disse Thomas Trauman, colunista da revista Época, no site da publicação:
“ Se podia ficar pior, ficou. O governador do Ceará, Cid Gomes, foi ontem ( 28/04) à Assembléia Legislativa para tentar justificar a viagem, com a mulher e a sogra, à Europa durante o Carnaval. A viagem em jatinho fretado pelo governo torrou R$ 388 mil dos contribuintes do Ceará. Era a chance de o governador reconhecer o erro, devolver o dinheiro e pedir desculpas a seus eleitores. O que ele fez? Disse apenas que ficou constrangido pelo “tom de deboche” que o caso tomou, reclamou da repercussão e tentou comparar a viagem a uma carona que um repórter daria a um parente. Não compreendeu ainda a diferença entre o que é público e o que é privado. Cid está governador do Ceará. O Estado não é dele. O patrimônio do Estado não é dele. Nem de sua sogra. “Fico constrangido de ver meu Estado, de ver o governo, que tenho a honra de liderar, serem motivos de deboche”, disse Cid. É fácil acabar com o deboche. É só ter mais consideração com o dinheiro público.” É isso.
No caso de Ronaldo, nem uma boa assessoria resolveria o problema. De positivo, apenas o fato de ele ter aceitado se expor para não ser vítima da extorsão. Pagar R$ 50 mil ao travesti, segundo a versão dele, seria uma decisão de alto risco. Quem garante que a extorsão acabaria ali. Ele deve ter calculado o prejuízo para sua imagem, em momento extremamente delicado da carreira. Em resumo, para a opinião pública importa menos a versão do jogador do que o fato de ter-se envolvido com travestis. O que fica é o subproduto dessa notícia, que tem dois combustíveis para alimentar um escândalo: sexo e dinheiro.
Os jornais italianos, naturalmente, colocaram o scandalo dai viados na primeira página dos sites. No espanhol El País, a reportagem Ronaldo, extorsionado por un travesti está entre as mais lidas do dia. Por ser personagem internacional, o escândalo toma uma dimensão do mesmo tamanho. Ao contrariar um mandamento básico da gestão de crise “se não quiser que publique, não faça”, Ronaldo está pagando o preço da fama e da escorregada. Importa saber se o saldo para sua imagem será credor ou devedor. É um peso que só a pessoa ou uma organização envolvida tem que avaliar. Para finalizar, a torcida do Flamengo deve estar se perguntando: o que nós temos a ver com tudo isso?
Nota divulgada à imprensa pelo jogador Ronaldo (29/04/08)
Diante dos últimos acontecimentos, é necessário esclarecer primeiramente que não foi registrada nenhuma queixa-crime contra o atleta Ronaldo, o que encerra qualquer possibilidade de o jogador comparecer à delegacia. Militante de causas sociais, Ronaldo jamais foi usuário de drogas, sendo sempre idolatrado e admirado por crianças e adolescentes do Brasil e do mundo. Os indícios apontam para uma tentativa de extorsão, onde o atacante do Milan é a única vítima e, se necessário, tomará as atitudes cabíveis.
Tratamento: a rotina de Ronaldo continuará a mesma, com sessões de fisioterapia em três períodos diários: manhã, tarde e início da noite. O jogador já atinge 110 graus de movimento sem dor na articulação do joelho esquerdo e terá uma última consulta com o médico francês Gérard Saillant no início de maio, em Paris.